Arquivos Artigos de GRRM – Gelo & Fogo https://www.geloefogo.com/category/artigos/artigos-de-grrm Informações sobre a obra de George R. R. Martin Wed, 05 Aug 2020 02:17:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.1.6 140837471 Sobre George R. R. Martin nos Hugo Awards 2020 https://www.geloefogo.com/2020/08/sobre-george-r-r-martin-nos-hugo-awards-2020.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=sobre-george-r-r-martin-nos-hugo-awards-2020 https://www.geloefogo.com/2020/08/sobre-george-r-r-martin-nos-hugo-awards-2020.html#respond Tue, 04 Aug 2020 20:52:49 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=107964 Para nós, ser o maior fansite especializado em George R. R. Martin no Brasil (talvez por ser o único) significa, […]

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Para nós, ser o maior fansite especializado em George R. R. Martin no Brasil (talvez por ser o único) significa, acima de tudo, ter responsabilidade ao relatar e divulgar notícias e acontecimentos envolvendo o autor. Ser “fã” não é simplesmente abaixar a cabeça, dizer amém e silenciar quando é conveniente.

A essa altura, já circulam na imprensa brasileira alguns relatos sobre a repercussão da cerimônia dos Hugo Awards de 2020, apresentada por Martin na última sexta feira (31). Como sabemos bem, porém, que a qualidade da cobertura é geralmente muito precária (se resumindo a traduções de qualidade duvidosa de conteúdos de segunda ou terceira mão de sites estrangeiros), sentimos a necessidade de falar sobre o assunto.

Além disso, o tema é delicado por si só, mas nem por isso achamos que devemos nos furtar a falar sobre ele, sempre tentando trazer a informação da maneira mais completa possível. A seguir, explicaremos o que são os Hugos, o que aconteceu na cerimônia em que George R. R. Martin foi o anfitrião, por que ela foi controversa e alvo de críticas, e daremos também nossa opinião sobre o assunto. Acompanhe.

O que são os Hugo Awards?

Em 1º de agosto (no horário neozelandês) aconteceu a cerimônia dos Hugo Awards, a maior premiação do campo da ficção científica e fantasia. Esse evento ocorre desde 1953, sempre atrelado à Worldcon, também a convenção mais importante do gênero. Nesse ano, a Nova Zelândia seria a casa da 78º Worldcon (daí o nome CoNZealand), mas a pandemia do Covid-19 acabou levando a organização a tornar o evento inteiramente virtual.

Embora sempre relacionadas com a fantasia e a ficção científica, as categorias dos Hugos são enormemente variadas, premiando tanto autores por seus romances, noveletas e contos quanto fãs com suas obras relacionadas e fanzines, além de condecorar também obras audiovisuais.

O mestre de cerimônias para o Hugo de 2020, anunciado no ano passado, foi George R. R. Martin. A apresentação, como não poderia deixar de ser, aconteceu virtualmente. Como já explicara em um post em seu blog na semana passada, Martin gravou vários vídeos prévios em sua cabana para cada uma das categorias, em que fazia comentários a respeito dela e listava os indicados. Quando chegava a hora de anunciar o vencedor, a transmissão cortava para o Jean Cocteau, o cinema de Martin em Santa Fe, onde ele abria o envelope ao vivo e anunciava o ganhador, e depois passava às gravações (ou inserções ao vivo) dos contemplados com o prêmio para seus agradecimentos.

A apresentação de George R. R. Martin

George R. R. Martin em seu cinema em Santa Fe, durante a apresentação dos Hugos de 2020.

Desde o início da cerimônia, Martin deixou claro que sua intenção era fazer uma condução “educativa” dos Hugos e da Worldcon, contando a história do prêmio e da convenção para os novos participantes, que ele presumia estarem em um número maior pela natureza virtual do evento em 2020. Assim, George contou várias histórias e casos de Worldcons passadas e fez reiteradas referências a nomes antigos e clássicos do gênero, entre eles John W. Campbell e Isaac Asimov, e também a suas próprias experiências nos eventos e em cada um das categorias às quais já concorreu.

Durante as apresentações dos indicados, Martin errou a pronúncia dos nomes de vários deles (a despeito de a CoNZealand ter pedido que aqueles que tivessem nomes não-ingleses enviassem a pronúncia correta, em alguns casos até em áudio). Em determinado momento, ao apresentar a estatueta propriamente dita do Hugo, GRRM fez uma piada com a estatueta do Oscar, dizendo que ele seria um eunuco por não possuir genitais masculinos.

A apresentação contou também com a participação de Robert Silverberg, outro representante da “velha guarda” do cenário, com o mesmo tom de saudosismo de Martin. A cerimônia, no total, durou mais ou menos três horas e meia, uma duração longa em comparação com as edições mais recentes dos Hugos nas últimas Worldcons. A apresentação completa pode ser assistida neste link, e a lista de vencedores está aqui.

Os problemas e críticas à apresentação

A longa apresentação de George, porém, foi insatisfatória e mal-recebida em vários níveis. Na medida em que ele avançava na condução dos trabalhos, grande parte da comunidade internacional de fantasia e ficção científica que acompanhava o prêmio demonstrou sua insatisfação online (no Twitter ou no chat ao vivo da transmissão). Foram vários problemas, que somados, deram ares de desastre à cerimônia.

Apesar de aparentemente bem-intencionada, a ideia de Martin de contar anedotas e causos de Worldcons e Hugos de quarenta, cinquenta e até sessenta anos atrás não ressoou bem entre a audiência atual. O tom foi interpretado não apenas como uma longa e enfadonha aula, inadequada para uma premiação, mas também como desconexão e um certo desmerecimento do público e dos autores atuais, mais diversos, de fantasia e ficção científica, visto que os mencionados por ele eram em sua maioria homens brancos da “velha guarda”.

Particularmente problemáticas nesse sentido foram as reiteradas menções laudatórias de Martin a John W. Campbell, histórico autor e editor de fantasia e ficção científica, que no entanto tinha visões racistas, segregacionistas e pseudocientíficas. Cabem aqui alguns parênteses para explicar por que a questão tem contornos ainda piores.

Há muito já se sabe sobre as posições misóginas, racistas e imperialistas de Campbell. Samuel R. Delany, um dos maiores escritores da história do gênero, por exemplo, relatou que o editor se recusou a publicar seu romance Nova nos anos 60, pois dizia que o público não iria querer um protagonista negro. Em carta, Campbell também escreveu que uma sociedade negra avançada tecnologicamente nunca existiria. Defensor confesso das leis de segregação racial nos Estados Unidos, ele chegou a publicar um artigo chamado simplesmente Segregation, no qual se colocava a favor da separação racial em escolas, transporte público, entre outras instâncias. Em seu livro Astounding, publicado em 2018, Alec Navala-Lee detalha diversas outras manifestações de Campbell e a reação que elas receberam à época, o que desmistifica argumentos de que toda a sociedade norte-americana pensava dessa maneira.

Pela contribuição de Campbell ao gênero, a World Science Fiction Society (Associação Mundial de Ficção Científica), com patrocínio da Dell Magazines (editora da Analog, anteriormente chamada Astounding Science Fiction, revista em que Campbell atuou como editor por vários anos) instituiu em 1973 o “Prêmio John W. Campbell para Melhor Novo Autor”, entregue anualmente na cerimônia dos Hugos.

Jeannette Ng em seu discurso de vencedora do Hugo de 2019 (que por sua vez venceu o Hugo de 2020 como Melhor Obra Relacionada).

Jeannette Ng foi a vencedora do prêmio em 2019, e em seu discurso de recebimento a autora ressaltou que Campbell era um “fascista do caralho”, e que suas contribuições exaltavam as visões de imperialistas e colonizadores, traçando um paralelo com a situação política atual em Hong Kong, onde ela nasceu. Dias depois, a própria Analog anunciou que, diante dos editoriais racistas de Campbell, o prêmio passaria a ser chamado de “Prêmio Astounding para Melhor Novo Autor” (“astounding”, além do nome da revista, quer dizer “surpreendente, assombroso, espetacular”). Ironicamente, o discurso de Ng estava indicado ao Hugo deste ano na categoria “Melhor Obra Relacionada” — e venceu.

Diante de todo esse contexto, não é difícil perceber que a insistência de Martin em mencionar Campbell em tom elogioso (por ter impulsionado a carreira de muitos autores das antigas) tenha sido compreendida por parte da audiência como uma provocação e uma espécie de resposta à rejeição de Campbell pela comunidade atual (ainda que possa não ter sido essa sua intenção).

A presença de Robert Silverberg durante a premiação também não contribuiu para diminuir a animosidade do público com o tom geral da cerimônia. Uma figura histórica na ficção científica, mas também problemático por si mesmo, Silverberg (conhecido como “Silverbob” no meio) tem uma tendência histórica nos Hugos de “torturar” os finalistas estendendo a premiação e o suspense ao máximo, algo que não é apreciado por muitos dos participantes. O conflito maior, porém, é a postura intransigente em relação às novas gerações, e uma rejeição a ele foi amplificada quando vieram a público críticas que fez ao tom do discurso de N. K. Jemisin quando ela venceu o Hugo de Melhor Romance pela terceira vez consecutiva (mesmo admitindo não ter lido os livros dela).

Além disso, as reiteradas pronúncias erradas dos nomes de vários dos indicados por parte de Martin também foram objeto de muita indignação, dado que a CoNZealand havia solicitado a todos que enviassem as pronúncias corretas, em alguns casos oferecendo até mesmo a possibilidade de enviarem áudios. Como uma expectativa de que todos teriam seus nomes falados corretamente foi criada e frustrada, a irritação foi natural (e justificada). Muitas pessoas interpretaram isso como simples falta de consideração do autor em tentar fazer a pronúncia correta, principalmente por se tratar de segmentos gravados (em que seria ainda mais fácil acertar), e alguns disseram ser mesmo racismo.

A esse respeito, porém, não se sabia a princípio como havia sido a comunicação entre Martin e a CoNZealand, e chegou a surgir um rumor de que os organizadores haviam solicitado que Martin regravasse seus vídeos com as pronúncias corretas, e que ele teria se recusado. Essa história, porém, foi desmentida pelo autor.

Martin explicou, em um comentário no File770 (traduzido na íntegra mais adiante), que não recebeu guias de pronúncias para os nomes dos indicados (que ele leu em gravação), e que nos envelopes dos vencedores (que ele lia ao vivo), havia a pronúncia correta apenas para alguns deles. Assumiu, porém, a responsabilidade pelos erros e pediu desculpas aos que tiveram seus nomes pronunciados de maneira incorreta.

A piada de Martin sobre a estatueta do Oscar e outras manifestações (como se referir coletivamente às pessoas como “men and women”, homens e mulheres”) também teve má recepção entre a audiência, por terem natureza transfóbica e de essencialismo de gênero (ainda que de maneira inconsciente).

Tudo isso formou uma onda de insatisfação geral com o tom da apresentação, e a certa altura várias outras atitudes de GRRM foram também alvo de críticas, como um suposto desmerecimento do “tricampeonato” de N. K. Jemisin ao mencionar os feitos de Robert A. Heinlein logo depois, ou a insistência em contar casos sobre si mesmo, e pouco mencionar ou exaltar autores das novas gerações. O sentimento geral de contrariedade não ressoou apenas entre os fãs, mas encontrou eco também em vários dos autores que estavam presentes (virtualmente, é óbvio) na cerimônia.

Manifestações de GRRM e outros autores

Até o momento, Martin fez uma única manifestação direta a respeito da cerimônia, um comentário no site do fanzine File770 no sábado, dia seguinte ao evento. O autor esclareceu a questão da pronúncia incorreta e desmentiu os rumores de que havia se recusado a regravar os segmentos, e também tratou um pouco do tom que decidiu adotar para a cerimônia. Permaneceu silente, porém, a respeito das reiteradas menções a Campbell ou das acusações de transfobia e racismo.

Segue tradução do comentário de GRRM:

Quem quer que esteja fazendo circular a história de que me pediram pra regravar partes da minha cerimônia dos Hugos para corrigir nomes com pronúncias erradas, e que recusei, está (1) errado, ou (2) mentindo. Isso nunca aconteceu.

A CoNZealand realmente me pediu para regravar três dos meus vídeos, todos eles por razões de controle de qualidade: iluminação ruim, som ruim, câmera trêmula. Consenti com o pedido deles em dois dos vídeos, os dois que abriram a noite; fiz esses ao vivo do Jean Cocteau (os originais tinham sido feitos na minha cabana num iPhone, quando ainda estávamos só tentando pegar o jeito da coisa). O terceiro segmento que queriam que eu regravasse era a parte sobre o troféu dos Hugos, em que eu brincava com a suqueira, o Alfie, essas coisas. Nesse caso, decidimos ficar com a primeira versão, já que eu não tinha mais os adereços à mão e não conseguiria reproduzir facilmente o que tinha feito na cabana, de que todo mundo parecia ter gostado.

Também tem uma história por aí de que me forneceram a pronúncia fonética correta de todos os nomes. Isso também é completamente falso. Ontem à noite, no evento, me passaram os envelopes selados com os nomes dos vencedores, e havia as pronúncias fonéticas de ALGUNS (de forma alguma todos) nomes dos vencedores nos cartões, que eu tinha um ou dois segundos para digerir antes de ler em voz alta. Provavelmente errei alguns desses também. Pronúncia nunca foi meu forte. Eu até pronuncio os nomes dos meus próprios personagens errado às vezes (assistam a alguma de minhas entrevistas). Mas em nenhuma etapa do processo jamais me deram um guia fonético de como pronunciar todos os outros finalistas, os que não venceram. Se eu tivesse recebido isso, certamente teria feito todos os esforços para acertar todos os nomes. (Receio que teria bagunçado de qualquer forma. Todos temos forças e fraquezas, e admito com franqueza, essa é uma das minhas. Ainda tenho problemas com o nome de um de meus próprios assistentes).

Peço aqui desculpas a todos cujos nomes pronunciei errado. Sinto muitíssimo. Nunca foi minha intenção.

Quando John Picacio foi mestre cerimônias, ele deu umas voltas durante a recepção pré-Hugos com um bloco na mão e perguntou a alguns dos indicados como pronunciar os nomes deles. Em alguns casos ele teve que ensaiar a pronúncia correta com os finalistas várias vezes para anotar. Eu estava na festa também. Vi o John fazer isso. Admirei-o por isso. Sempre estava na minha cabeça fazer a mesma coisa, mas claro, em nossa Worldcon virtual, nunca tive a chance. Nunca tive a chance de CONHECER de verdade alguns dos finalistas mais novos, parabenizá-los, apertar as mãos deles, e perguntar os nomes deles. Muito menos treinar com eles até acertar.

Tem alguém aí dizendo que eu poderia ter feito tudo isso por email. Sim, acho que poderia. Mas teria sido uma tarefa assustadora. Havia mais ou menos uns 120 finalistas, e eu tinha os endereços de emails de uns seis.

Se querem bater em mim por não ter feito isso, tudo bem. Mas não batam em mim com histórias mentirosas como “se recusou a regravar” ou “tinha o guia fonético mas não usou”, que são pura bobagem.

A despeito dos pecados por omissão ou comissão que outros cometeram, em última instância a responsabilidade era certamente minha, já que era da minha boca que aqueles nomes estavam saindo… então mais uma vez, sinto muito.

Quanto ao teor geral da minha cerimônia… minha intenção desde o começo foi fazer daquela noite uma de diversão e celebração. Já que eu esperava que um grande número dos presentes fossem Kiwis [neozelandeses] participando de sua convenção, pensei que traçar um histórico do prêmio seria mais do que apropriado. De onde os Hugos vieram, como o troféu evoluiu ao longo das décadas, quem o venceu no passado — e quem o perdeu, algo que tentei enfatizar, dado minha longa história como perdedor do Hugo. E com historinhas divertidas. O ano em que Lester entregou os prêmios de trás para frente, o ano em que RAH [Robert A. Heinlein] irrompeu da cozinha etc.

Não assisti a tantas cerimônias dos Hugos quanto Silverbob, mas assisti a muitas. Há algumas abordagens diferentes para os mestres de cerimônias. Marta Randall, em suas duas apresentações, se orgulhou do como conseguiu ser rápida, batendo recordes nas duas vezes como os Hugos mais rápidos de todos os tempos. Connie Willis, por outro lado, gosta de esticar as coisas com histórias divertidas e manter os finalistas se contorcendo ao máximo. Como membro da audiência, eu definitivamente prefiro as mais longas e engraçadas, como Connie, não as curtas e cativantes, como Marta. Meus modelos foram alguns dos mestres de cerimônias que mencionei: Bob Tucker, Bob Bloch, Asimov, Harlan, e acima de todos Silverbob. Reconheço que as preferências de vocês podem ser diferentes. Muita gente adorou como a Marta conduziu seus dois eventos.

É claro, cada anfitrião tem seu próprio estilo de humor. Alguns, como Ricky Gervais, são espertalhões com os apresentadores e os indicados. Isso funciona de maneira maravilhosa nos Golden Globes, mas algo me diz que não seria bem recebido nos Hugos, considerando o terrível alvoroço há alguns anos atrás quando escalaram outro comediante britânico para apresentar. Foi enxotado antes de falar uma palavra. Meu próprio estilo é sempre autodepreciativo; o alvo principal de minhas histórias sempre sou eu mesmo.

A maioria das histórias que contei ontem à noite haviam passado pelo teste do tempo, de certa maneira. Contei essas mesmas histórias antes. Geralmente são recebidas com grandes gargalhadas. Ou gargalhadas médias, de qualquer forma. Era isso que eu esperava ouvir do público em Wellington. Risadas. E apreciação pela longa e pitoresca história desse gênero que tanto amamos: escritores, editores, fãs, vivos e mortos.

Os Hugos propriamente ditos são como celebramos os vencedores. A honra de ser indicado é como celebramos os perdedores… (e a esperança de que um dia, os perdedores também possam ser vencedores, como um dia fui — e é por isso que conto AQUELA história, para dar conforto aos recém-derrotados).

Enfim, foi essa a minha abordagem. O mestre de cerimônias do ano que vem terá uma diferente, sem dúvida. Lamento que alguns de vocês não tenham gostado de minha apresentação. E estou satisfeito por ouvir que tantos de vocês gostaram (bem, não aqui no File 770, mas estou recebendo muitas mensagens e emails de gente que riu nos momentos certos). Obviamente gostaria de ter sido o melhor mestre de cerimônias de todos os tempos para todo mundo, mas não é possível agradar todo mundo o tempo todo.

(Quase todo mundo gostou dos chapéus, pelo menos).

Antes disso, a conta oficial de Twitter de George (administrada por seus “minions”) havia postado uma reprodução de um discurso atribuído a Voltaire, que diz “Todos somos cheios de fraquezas e erros; perdoemos mutuamente as bobagens uns dos outros”, precedida da introdução “Words for our times” (Palavras para nossos tempos). Embora aparentemente a postagem combine com os eventos recentes, não é possível afirmar com certeza que se tratou de uma resposta à repercussão da cerimônia. Isso porque já há algumas semanas o autor vem postando uma série de frases antigas sob o título “Words for our times” em seu blog, que depois são divulgadas no Twitter, sempre com atraso de alguns dias. Pode, portanto, ter sido apenas uma coincidência.

A aparência de relação com os eventos, porém, resultou em que as respostas ao tweet incluíssem (além dos reiterados e regulares comentários sobre The Winds of Winter) várias manifestações de fãs e colegas autores a respeito da condução dos trabalhos nos Hugos. Entre eles, notabiliza-se o comentário de Mary Robinnette Kowal, vencedora de vários Hugos (entre eles o de Melhor Romance em 2019), que apresentou uma categoria do prêmio nesta edição a convite de George. Ela disse ter ficado honrada pelo convite, mas se disse enfurecida com as decisões que ele tomou na cerimônia, e se dispôs a explicar os motivos se ele quisesse ligar para ela:

Kowal não foi a única figura proeminente do gênero a se manifestar. Sarah Gailey, N. K. Jemisin, Jeannette Ng e Seanan McGuire foram algumas das pessoas que se manifestaram em threads no Twitter:

No Facebook, Robert J. Sawyer escreveu um longo texto sobre como funcionam as micro-agressões e exclusões inconscientes dentro do fandom (compartilhado por Steven Erikson):

É claro que houve reações bastante extremas, como o texto de Natalie Luhrs “George R. R. Martin Can Fuck Off Into The Sun” (algo como “George R. R. Martin pode ir se foder no sol”), mas nem mesmo Adam Whitehead, indicado ao Hugo como Melhor Autor Fã e amigo de Martin (ele tem até um personagem em As Crônicas de Gelo e Fogo com seu nome) furtou-se a criticar a condução da cerimônia por George em seu blog.

O que achamos disso tudo?

Não vamos mentir: foi, sem dúvida, uma noite infeliz de George R. R. Martin, e a indignação dos ofendidos é legítima. Não acreditamos que Martin tenha agido de má-fé e que tenha sido sua intenção ativamente ofender ou atacar as novas gerações da fantasia e da ficção científica, mas faltou, no mínimo, sensibilidade da parte dele na condução da cerimônia.

A ideia de fazer uma apresentação educativa sobre a história dos Hugos, por si só, poderia não ser problemática e ser considerada apenas enfadonha. Talvez aquele não fosse o momento nem o local mais adequados para isso, mas como era uma escolha do mestre de cerimônias, não se pode dizer que isso necessariamente seria algo ofensivo. Quando somada aos vários outros problemas, porém, acabou tornando a situação numa bola de neve que soou realmente como uma provocação.

A questão da pronúncia incorreta dos nomes, igualmente, seria tolerável num contexto em que a apresentação fosse ao vivo ou em que os indicados não tivessem fornecido suas pronúncias à organização do evento, mas da maneira como as coisas aconteceram, é plenamente justificável que as pessoas tenham se indignado. Por outro lado, a explicação de Martin sobre isso é relativamente satisfatória: se ele de fato não recebeu os guias de pronúncia, a organização da CoNZealand também tem de ser responsabilizada (embora ele também pudesse ter buscado as pronúncias corretas por conta própria). Trata-se, porém, de mais um caso em que algo poderia “passar” se fosse o único problema, mas acaba por se tornar mais grave diante do conjunto da obra.

É mais ou menos o caso das manifestações inconscientemente transfóbicas de Martin, também. Muito provavelmente o autor sequer percebeu (ou sabe) que sua piadinha com a estatueta do Oscar representaria uma micro-agressão, mas isso não tira a legitimidade das pessoas atingidas se sentirem ofendidas.

A grande questão é que ficou demonstrada uma grande desconexão entre as intenções e a visão de Martin sobre o fandom de fantasia e ficção científica e a composição atual do gênero na Worldcon e nos indicados ao Hugo. Nos últimos anos é crescente e notável a participação e a valorização de pessoas mais diversas no cenário, e o tom geral da apresentação de George acabou sendo um tapa na cara de quem está tentando ter sua voz ouvida com tanto esforço e depois de anos de exclusão (seja ela consciente ou inconsciente).

Para nós, objetivamente, o maior problema foi a reiterada menção a Campbell, principalmente diante da relevância do discurso de Ng no ano passado e da mudança de nome do prêmio de Melhor Novo Autor. George pode estar relativamente fechado em um círculo próprio, mas esse fato foi incrivelmente notável (e ele sabia que o discurso de Ng estava indicado como “Melhor Obra Relacionada”) para que fosse simplesmente ignorado. Quando isso ocorre, o que se interpreta é uma tentativa de silenciar as novas vozes e voltar aos “bons e velhos dias”, e é notável que em seu comentário explicativo no File770 George tenha ignorado essa questão.

Sabemos que George R. R. Martin tem um histórico de contribuições inclusivas para o gênero, e podemos citar como exemplos dar voz a pessoas não-brancas através de sua série de romances mosaico Wild Cards, sua defesa fervorosa dos Hugos contra a tentativa de “sequestro” do prêmio pelos sad (e rabid) puppies em 2015, ou servir como ponte com a HBO para a adaptação de Who Fears Death, de Nnedi Okorafor. Historicamente, o autor tem posições progressistas nesse sentido, mas isso não quer dizer que ele está imune a erros, mesmo que inconscientes.

GRRM não é inerentemente racista ou transfóbico, e definitivamente não é John W. Campbell redivivo (como às vezes as reações mais exageradas têm feito parecer), mas podemos citar as palavras dele mesmo: “um bom ato não lava os maus, e um mau não lava os bons. Cada um deve ter sua recompensa“. A recompensa que damos a Martin pela apresentação dos Hugos de 2020 vem na forma de críticas, e da esperança de que ele esteja aberto a ouvir vozes que o ajudem a perceber e compreender a sensibilidade que lhe faltou nessa situação.

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As dedicatórias dos livros de George R. R. Martin: As Crônicas de Gelo e Fogo https://www.geloefogo.com/2020/06/as-dedicatorias-dos-livros-de-george-r-r-martin-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=as-dedicatorias-dos-livros-de-george-r-r-martin-as-cronicas-de-gelo-e-fogo https://www.geloefogo.com/2020/06/as-dedicatorias-dos-livros-de-george-r-r-martin-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html#respond Sun, 14 Jun 2020 21:59:43 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=107475 George R. R. Martin, assim como muitos outros autores — para não arriscar dizer a imensa maioria — tem o […]

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Foto original: Dravecky, Wikimedia Commons.

George R. R. Martin, assim como muitos outros autores — para não arriscar dizer a imensa maioria — tem o hábito de, nas páginas iniciais de suas publicações, fazer uma dedicatória para pessoas que foram especiais no processo de escrita ou publicação daquele material. Já se perguntou quem são as pessoas que ajudaram, mesmo que indiretamente, essas histórias a chegar até nós? Nessa série de publicações, iremos trazer compilações e contextualizações sobre todas as dedicatórias escritas por Martin.

É uma tarefa extensa, uma vez que isso inclui suas coletâneas, antologias, romances e também romances-mosaico organizados por ele. Mas não poderíamos começar por outra parte de sua obra que não As Crônicas de Gelo e Fogo. Confiram quem foi homenageado em cada livro da série principal, bem como nas obras derivadas.

A Guerra dos Tronos

Este vai para Melinda.

O primeiro livro de As Crônicas de Gelo e Fogo foi dedicado à amiga de George, também escritora, Melinda Snodgrass. Parte do grupo que jogou a campanha do RPG Super World no início dos anos 90, hoje em dia, Melinda divide o cargo de editora de Wild Cards com George, e quando A Guerra dos Tronos foi publicado, já era parte importante da equipe de autores da série, sendo criadora do Dr. Tachyon, um dos mais célebres personagens.

Seu histórico inclui diversas séries de livros de fantasia e ficção científica, com destaque para Imperials. Também foi roteirista de Star Trek: Next Generation, universo no qual ainda editou uma coletânea, que inclui um conto seu. Atualmente, Melinda é uma das produtoras das vindouras séries de TV baseadas em Wild Cards. Tem dois contos publicados no Brasil em coletâneas editadas por Martin e Gardner Dozois: Escrito no Pó, em As Crônicas de Marte, e As Mãos que Não Estão Lá, em Mulheres Perigosas.

A Fúria dos Reis

Para John e Gail, por toda a carne e hidromel que compartilhamos.

John Jos Miller, Gail Gerstner, Walter Jon Williams e George R. R. Martin durante suas sessões de Superworld, que dariam início a Wild Cards.

O escritor John Jos. Miller e sua esposa, Gail Gerstner, são amigos de longa data de George. Também residentes do Novo México (o casal mora em Albuquerque, enquanto George, em Santa Fe), fizeram parte do círculo de amigos ao qual George se junto por intermédio de Roger Zelazny, quando era um recém chegado na cidade. John acredita que ambos tenham se conhecido em alguma das sessões de RPG na casa do também escritor Walter John Miller, ou em alguma convenção.

Em uma dessas sessões, George ficou encarregado de mestrar uma campanha no sistema Super World, e o grupo de amigos, que contava tanto com John e Gail, como com George e Parris, começou a desenvolver o que eventualmente se tornaria a série Wild Cards. Gail se aventurou a escrever também e participou de um dos volumes da série, Ases pelo Mundo, introduzindo sua personagem no jogo original, a Peregrina. Já John, que estreou já no primeiro volume da série com seu personagem, O Caçador, já participou de 16 volumes até hoje.

A Tormenta de Espadas

Para Phyllis, que me convenceu a incluir os dragões.

Phyllis Eisenstein.

A escritora Phyllis Eisenstein, amiga pessoal de Martin e autora de fantasia que publica desde os anos 70, foi a homenageada desse livro. A relação entre os dois autores é antiga: seu conto publicado em 1978, Lost and Found, dez anos mais tarde foi adaptada como um episódio da segunda Além da Imaginação, e o roteiro foi escrito por George.

Em agosto de 2017, Martin comentou como, apesar de sempre ter planejado que os dragões fossem o símbolo da casa Targaryen, as criaturas não estariam presentes na sua saga literária, no entanto, Phyllis o convenceu a incluí-los, recebendo, por isso, a dedicatória em A Tormenta de EspadasAlém disso, o personagem Alaric de Eysen, presente no casamento de Joffrey e Margaery é uma pequena referência ao protagonista do romance de Phyllis, Tales of Alaric the Minstrel. Uma história de Phyillis com Alaric também está presente em Rogues, antologia editada por Martin e Gardner Dozois.

O Festim dos Corvos

Para Stephen Boucher, o mago do Windows, o dragão do DOS, o responsável por esse livro não ter sido escrito em giz de cera.

Todos sabemos que os livros de George não são escritos da maneira mais moderna possível: ele ainda usa um computador com sistema operacional DOS, um sistema antigo, simples e sem conexão com a internet. Até pouco tempo, o escritor ainda usava um computador que datava do início dos anos 80. Hoje usa uma máquina mais nova, mas que continua emulando o DOS. Durante a escrita de O Festim dos Corvos, no entanto, seu computador parou de funcionar. O livro é dedicado ao técnico de informática Stephen Boucher, que conseguiu consertá-lo sem que o que já havia sido escrito fosse perdido.

A Dança dos Dragões

Este é para meus fãs, para Lodey, Trebla, Stego, Pod, Caress, Yags, X-Ray e Mr. H, Kate Chataya, Mormont, Mich, Jaime, Vanessa, Ro, para Stubby, Louise, Agravine, Wert, Malt, Jo, Mouse, Telisiane, Blackfyre, Bronn Stone, Coyote’s Daughter e o restante dos homens loucos e mulheres selvagens da Irmandade sem Estandartes,

Para os meus magos do website, Elio e Linda, senhores de Westeros, Winter e Fabio do WIC, e Gibbs do Dragonstone, que começou tudo isso,

Para os homens e mulheres de Asshai, na Espanha, que cantam para nós sobre um urso e uma bela donzela, e os fabulosos fãs da Itália que me deram tanto vinho,

Para meus leitores na Finlândia, Alemanha, Brasil, Portugal, França, Holanda e todas as terras distantes que estiveram esperando por esta dança,

E para todos os amigos e fãs que ainda encontrarei, obrigado pela paciência.

O sucesso de Martin cresceu exponencialmente entre o lançamento de O Festim dos Corvos A Dança dos Dragõespor conta da produção e lançamento de sua adaptação televisivaO intervalo entre esses dois volumes também foi a maior espera de As Crônicas de Gelo e Fogo para os fãs. Nesse sentido, é simbólico que George os agradeça pela paciência, e apesar de mencionar vários países onde sua obra estava sendo publicada e lida, faz questão de citar nominalmente alguns de seus mais antigos e fiéis leitores. Entre os mencionados, está Adam Whitehead, autor do blog Wertzone, que chegou a virar personagem em um dos capítulos liberados de Os Ventos de Inverno e Peter Gibbs, fundador do Dragonstone, o primeiro site de fãs para a série de livros.

A Brotherhood Without Banners é uma antiga organização de fãs da saga que se reúne em convenções desde 2001, quando também contavam com a participação de Martin. O autor citou alguns de seus membros fundadores, que se conheceram online nos primórdios do fandom. Agradeceu também ao fórum do site Westeros.org, a mais antiga organização online de fãs da saga ainda em existência, criada por Elio García e Linda Antonsson, que são agradecidos logo abaixo. Elio e Linda possuem uma longa amizade com George, sendo frequentemente consultados pelo autor para evitar inconsistência nos livros, e também, tendo sido escolhidos  como co-autores de O Mundo de Gelo e Fogo.

George R. R. Martin com membros do fã clube oficial Brotherhood Without Banners.

Junto com eles, são mencionados os então administradores do site Winter is Coming, portal que hoje faz parte de um conglomerado de mídia para notícias pop em geral. Ainda entre os sites, o Asshai foi o primeiro fórum em espanhol para fãs da saga. Embora ainda esteja no ar, as discussões originais (que incluíam até uma entrevista com George), foram perdidas.

O Cavaleiro dos Sete Reinos

George R. R. Martin e Raya Golden.

Para Raya Golden, por todos os sorrisos animados e ilustrações bonitas.

Raya Golden trabalha com Martin como assessora na Fevre River Packet Company, onde concentra as funções de assessora de arte, licenciamento e redes sociais pelos últimos nove anos. Como artista, sua primeira graphic novel foi uma adaptação do conto do autor, O Homem do Depósito de Carne, que chegou a ser indicada ao prêmio Hugo. Em 2019, adaptou Starport, um roteiro antigo de Martin para uma série de TV que nunca chegou a ser produzida, para quadrinhos também. O Gelo & Fogo entrevistou Raya no ano passado a respeito desse lançamento.

O Mundo de Gelo e Fogo

Para o Senhor mais estimado e gracioso, Tommen, Primeiro de Seu Nome, Rei dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, Senhor dos Sete Reinos e Protetor do Território, Yandel humilde Meistre da Cidadela, deseja prosperidade mil vezes, agora e sempre, e sabedoria sem igual.

Como uma obra cuja escrita simula ser um livro dentro do universo de As Crônicas de Gelo e Fogo, a dedicatória é feita para um personagem, o atual ocupante do Trono de Ferro, Tommen Barahteon. Ela é assinada por Meistre Yandel, o alterego de Elio Garcia e Linda Antonsson, fundadores do site Westeros.org, e autores de fato da maior parte do texto do livro.

Fogo & Sangue

Para Lenore, Elias, Andrea e Sid, os Mountain Minions.

Os assistentes de George, a quem ele carinhosamente chama de minions, são os membros da Fevre River Packet Company. Há uma publicação no subreddit Valíria, na qual o usuário Alto Valiriano listou o que sabemos sobre a identidade desses assistentes. Em Fogo e Sangue, estão referenciados Elias Gallegos, que coordena o Jean Cocteau Cinema, Lenore Gallegos, que entre outras funções, coordena a agenda de George, Siri Dharam Kaur Khalsa, garçonete e barista no Jean Cocteau Cinema, e Andrea L. Mays, cujas funções são desconhecidas do grande público.

Não se sabe com certeza o significado do termo “Mountain Minions” e qual seria sua diferença em relação aos minions “regulares”. No entanto, uma teoria interessante, em artigo de nosso colega espanhol Javi Marcos, e que considero a mais provável, é que essas tenham sido as pessoas que o auxiliam durante os períodos em que está recluso em sua cabana secreta, como para a escrita de Fogo e Sangue.

É interessante notar que em três dos casos que mencionamos aqui, os livros foram dedicados a outros escritores de ficção científica e fantasia, amigos de George e também, influências para ele. Pessoalmente, sempre defendo que para ampliar nosso entendimento de As Crônicas de Gelo e Fogo, sempre vale à pena localizá-las no tempo e no espaço.

O que Martin costuma ler? Qual a importância da obra em relação a outros trabalhos sendo publicados na mesma época? O que os influenciou e o que foi influenciado por eles? Algumas dessas respostas estiveram nessa primeira parte do artigo, porém, muitas mais virão na sequência, onde falaremos sobre as dedicatórias dos outros romances e coletâneas de Martin.

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Conheça os autores de Wild Cards: entrevista exclusiva com Stephen Leigh https://www.geloefogo.com/2019/10/conheca-os-autores-de-wild-cards-entrevista-exclusiva-com-stephen-leigh.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=conheca-os-autores-de-wild-cards-entrevista-exclusiva-com-stephen-leigh https://www.geloefogo.com/2019/10/conheca-os-autores-de-wild-cards-entrevista-exclusiva-com-stephen-leigh.html#comments Thu, 10 Oct 2019 16:00:05 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=107071 Hoje é o dia do relançamento do primeiro livro de Wild Cards pela editora Suma no Brasil, e o Gelo & […]

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Stephen Leigh em entrevista
Arte de fundo: Marc Simonetti (adaptada). Foto: Penguin Books USA.

Hoje é o dia do relançamento do primeiro livro de Wild Cards pela editora Suma no Brasil, e o Gelo & Fogo aproveita a ocasião para estrear nossa série de matérias sobre esse universo compartilhado coordenado por George R. R. Martin.

Em “Conheça os autores de Wild Cards“, conversaremos com os escritores participantes sobre seu envolvimento com a série, mas também sobre outros momentos de suas carreiras, incentivando o leitor a buscar mais sobre esses autores que conheceu no universo compartilhado.

Nosso primeiro convidado é Stephen Leigh (também conhecido como S. L. Farrell). Stephen é um dos autores com mais participações em Wild Cards ao longo dos anos, contribuindo com 15 dos livros já publicados, além de uma história avulsa na Tor.com.

A primeira participação de Leigh na série foi no primeiro volume, Wild Cards: O Começo, e a mais recente, no vigésimo quarto, Mississippi Roll. Seu personagem mais marcante é o Titereiro, vilão que assume papel central principalmente na quadrilogia que leva seu nome, entre os livros Ases pelo Mundo e A Mão do Homem Morto.

Leigh também é autor de diversas obras reconhecidas no campo da fantasia e ficção científica, sendo a mais famosa delas o Ciclo Nessântico, publicado no Brasil pela Leya. Seu romance mais recente foi A Rising Moon, parte do Sunpath Cycle. Para além de tudo isso, uma pessoa muito receptiva e apaixonada por literatura, que gentilmente aceitou conversar conosco sobre o seu trabalho. Confira nossa entrevista:

Arthur Maia: Como começou seu envolvimento com Wild Cards? O que o motivou a aceitar fazer parte desse projeto?

Stephen Leigh: A culpa é de George. Minha esposa Denise e eu havíamos ficado amigos dele depois de encontrá-lo em convenções. Nós o visitávamos, ele nos vistava. Até que uma noite (acho que em 1985, mas não tenho certeza), ele ligou. A conversa foi mais ou menos assim:

— Ei, Steve, você é fã de quadrinhos, né?

Bom, eu não sabia se poderia me chamar de um “fã” de quadrinhos, mas respondi:

— Sim, eu acho. Não coleciono mais, mas li a minha vida toda. Ainda leio, de vez em quando.

— E você gosta de RPGs, certo?

Pra essa pergunta, finalmente, eu tinha uma resposta convicta. Eu estava organizando um RPG de fantasia que se desenvolvera a partir de D&D, mas que agora usava regras que eu mesmo havia inventado:

— Com certeza.

Eu não sabia onde George estava indo com isso, mas até então, estava interessado.

— Ótimo. Tenho uma proposta pra você…

E com isso, ele me contou sobre o RPG Superworld que ele, Melinda Snodgrass, Walter Jon Williams, John J. Miller, Vic Milán e Gail Gerstner-Miller estavam jogando na época, como eles estavam gastando toda a energia criativa no jogo e como criaram uma maneira de, com sorte, unir o RPG com suas carreiras de escritores, transformando isso num projeto de universo compartilhado — o que, claro, virou a série Wild Cards. Ele me perguntou se eu tinha interesse em participar, e eu respondi que tinha.

Assim, o grupo original de escritores que George recrutou foi principalmente derivado da turma de Santa Fe e Albuquerque [Novo México, EUA], mas ele também acabou trazendo vários outros autores “de fora”.

GRRM Stephen Leigh
George R. R. Martin e Stephen Leigh na 74ª Worldcon. Foto: Michael Sauers.

A.M.: Então vamos falar sobre a sua participação no primeiro livro da série, no qual somos apresentados a três dos seus personagens mais marcantes: Gimli, Súcubo e o Titereiro. Como você os criou?

S.L.: O Titereiro foi o primeiro. O grupo já havia criado vários personagens, e George me sugeriu que precisávamos de ao menos um que estivesse conectado com a política desse mundo. E assim nasceu o Senador Gregg Hartmann, vulgo Titereiro, que viria a ser o meu personagem principal ao longo dos primeiros vários livros da série, embora outros tenham surgido em uma rápida sucessão: Gimli, Estranheza, o Uivador, Súcubo, Amendoim…

A.M.: Quais são as peculiaridades de se escrever uma série colaborativa como Wild Cards?

S.L.: Uma exigência para se escrever para Wild Cards é que você precisa mostrar toda cena que tenha um personagem de outra pessoa para ela, para que a aprove. Em outras palavras, ninguém pode fazer nada com o personagem de outro autor sem a permissão do criador. Isso evita cenas de “vingança” (“Você fez uma coisa horrível pro meu personagem, então eu vou fazer algo pior para o seu!”). Nós somos ativamente incentivados a usar personagens de outros autores nas nossas histórias.

A.M.: Você tem alguns personagens favoritos que outros autores criaram, e que você pôde escrever em algum momento? E quanto àqueles que você ainda gostaria de escrever?

S.L.: Acho que todos nós apreciamos muito escrever Croyd (o Dorminhoco) nas nossas histórias, já que ele pode ser qualquer coisa que você quiser. Roger [Zelazny] era sempre muito aberto para que outras pessoas o usassem, e agora, infelizmente, Roger não está mais conosco, mas o Dorminhoco continua a aparecer.

Pessoalmente, meus dois usos favoritos de personagens de outras pessoas  foi trabalhar com o Dr. Tachyon, de Melinda [Snodgrass], na época em que Tachyon e Hartmann eram personagens ativos [N.E.: em Jogo Sujo, quinto volume da série], e, mais recentemente, usar o personagem de Ian Tregillis, Rustbelt, em Suicide Kings, bem como no meu conto do Drummer Boy, Atonement Tango, disponível na Tor.com.

Capa de Ás na Manga, o sexto livro de Wild Cards, com um cartaz do Titereiro ao fundo.

A.M.: Mais tarde, o Titereiro acaba ganhando um papel muito importante na série, você esperava que isso acontecesse quando o personagem estreou?

S.L.: De forma alguma, mas fiquei muito contente quando isso aconteceu. O Titereiro, na verdade, ao longo dos quinze livros “originais” de Wild Cards, foi o único personagem cujo arco começou no primeiro livro, interferiu de alguma forma em todos os livros seguintes, e teve sua história encerrada no que achávamos que seria o último livro da série, Black Trump. Mas felizmente, Wild Cards voltou a ser publicada poucos anos mais tarde.

A.M.: Não pude deixar de notar a recorrência do Rio Mississippi em In the Shadow of Tall Stacks, e as cidades que o Natchez percorre. Isso tudo me lembrou muito de Sonho Febril, de Martin, embora em uma abordagem do século XXI. De quem foi a ideia de ambientar Mississippi Roll nesse cenário? Você fez alguma pesquisa específica sobre as diferentes cidades sobre as quais escreveria?

S.L.: Eu vivo em Cincinnati, que fica na rota do Rio Ohio. Na época dos barcos a vapor, muitos daqueles que operavam nos rios Ohio e Missisippi eram construídos em Cincinnati, e a cidade sempre celebrou seu histórico com os barcos. Na verdade, o Festival Tall Stacks que menciono no livro já aconteceu algumas vezes por aqui. George veio para ver todos os barcos que chegam aqui.

O cenário do que se tornaria Mississippi Roll foi estabelecido pelo George, quando ele enviou a proposta de uma nova trilogia à editora Tor – ele queria um livro que se passasse ao longo do Rio Mississippi. Assim que vi essa proposta, eu soube qual seria meu argumento e como queria que terminasse: uma história sobre um barco a vapor que se encerraria no Festival Tall Stacks em Cincinnati. Eu também sabia que queria que a história fosse “intersticial”, aquela que percorre todo o livro e conecta todas as outras. Propus essa ideia do Steam Wilbur e do barco “mal assombrado” Natchez para George, e ele adorou.

E sim, fiz muita pesquisa sobre barcos a vapor e sobreas várias cidades que seriam usadas como cenário para dar vida a tudo isso.

A.M.: Bem, deixando Wild Cards um pouco de lado, vamos falar de outros aspectos da sua carreira. O Ciclo Nessântico tornou-se um grande sucesso e foi publicado no Brasil. Você planeja escrever mais nesse universo?

S.L.: Acredito que não, ao menos por agora. Mas gosto muito desse universo, então quem sabe…

A.M.: No Ciclo Nessântico, você lida muito com o aspecto religioso da fantasia, e também contrasta isso com algumas crenças científicas incipientes. Como você vê a posição dessa discussão nos dias de hoje e o que o fez decidir escrever uma série de fantasia que gira em torno disso?

S.L.: Eu sempre me interessei em explorar o conflito entre diferentes culturas, e a ambientação semelhante ao Renascimento me permitiu brincar com a intersecção em que a ciência se choca com uma visão de mundo mais mística, ou mágica. Acho que isso ainda é muito relevante hoje em dia. Com certeza você vê isso no gênero latino-americano chamado de “realismo mágico”.

Ciclo Nessântico
Capas das edições brasileiras do Ciclo Nessântico.

A.M.: Que outras obras suas você gostaria de ver traduzidas para o português?

S.L.: Todas elas, ou qualquer uma! Mas eu gostaria especialmente de ver Immortal Muse publicado em português. Ele ainda é um dos meus livros favoritos.

A.M.: E o que vem pela frente? Você pode nos contar sobre algo que está escrevendo atualmente?

S.L.: Acabo de terminar um romance de ficção científica chamado Amid the Crowd of Stars, que deve ser publicado pela editora DAW em algum momento de 2020. Tenho também uma história curta que preciso escrever antes do fim desse ano, para a antologia de originais My Battery is Low and It Is Getting Dark, publicada pela ZNB e editada por Joshua Palmetier e Crystal Sarakas. Espero poder propor algo para George em Wild Cards no futuro próximo. Também estou começando a elaborar o conceito para meu próximo romance.

A escrita (eu espero) nunca para!


Wild Cards: O Começo conta com participação de Stephen Leigh, além de autores como Walter Jon Williams, Melinda Snodgrass, Howard Waldrop, Roger Zelazny, Victor Milán e George R.R. Martin, e já está disponível na Amazon.

Além dele, recomendamos a quadrilogia do Titereiro, publicada no Brasil pela Leya, que compreende os livros Ases Pelo Mundo, Jogo Sujo, Ás na Manga A Mão do Homem Morto, todos com participação de Leigh e um papel central do Senador Greg Hartmann.

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Stephen Leigh em entrevista
Background art: Marc Simonetti (adapted). Photo: Penguin Books USA.

Today the first volume of Wild Cards will be rereleased by publisher Suma in Brazil. Gelo & Fogo decided to use this opportunity to premiere our series of pieces about the shared universe, ran by George R.R. Martin and developed by more than 40 authors.

In “Get to Know Wild Cards Authors“, we’ll chat with several of those authors, talking about their involvement in the series and also presenting their careers as a whole, so that the readers might be encouraged to seek their works.

Our first guest is Stephen Leigh (also known as S. L. Farrell). Stephen is one of the most present authors all long the Wild Cards history, taking part in 15 of the published novels, as well as his solo short fiction available at Tor.com, The Atonement Tango.

His first story on the series was back in the first volume, and his most recent was in the twenty-fourth one, Mississippi Roll. His most famous character is the Puppetman, a villain who takes a central role especially during the quadrilogy named after him, between Aces Abroad and Dead Man’s Hand.

Leigh is also the author of many popular works in the science fiction and fantasy field, the most famous of them being the Nessantico Cycle, a fantasy trilogy set in a Renaissance world. His most recent novel is Rising Moon, part of the Sunpath Cycle. In addition to his writings, he is also a very receptive person, who is in love with literature and gently agreed to talk to us about his works. Check out our interview:

George R. R. Martin e Stephen Leigh

Arthur Maia: How did you first get involved with Wild Cards? What motivated you to accept taking part in it?

Stephen Leigh: You can blame George. My wife Denise and I had become friends with George after meeting him at conventions; we’d visited him; he’d visited us. Then one night (I think it was 1985, but can’t be sure) he called on the phone. The conversation was something like this:

Hey, Steve, you’re a comic book fan, right?

Well, I didn’t know that I could call myself a ‘fan’ of comics, but…

Yeah, I guess. I don’t collect ‘em anymore, but I’ve always read ‘em. Still do, now and then.

You like role-playing games, right?

There, at least, I had a firm answer. For a few years, I’d been running a fantasy RPG that had evolved from D&D but was now using rules of my own devising. “Absolutely.” I wasn’t sure where George was heading with this, but so far I was interested.

Good. I have a proposition for you…

And with that, George went on to tell me about the Superworld RPG he, Melinda Snodgrass, Walter Jon Williams, John J. Miller, Vic Milan, and Gail Gerstner-Miller were playing at the time, how they were spending all their creative energy on the game and how they’d come up with a way to hopefully meld an RPG with their writing careers by turning it into a shared world fiction project—which would, of course, become the WILD CARDS series. He asked if I’d be interested in being part of it, and I told him that I would.

So the original set of writers that George recruited were largely drawn from the Santa Fe/Albuquerque crew, but he also brought in several other writers from ‘outside.’

GRRM Stephen Leigh
George R. R. Martin and Stephen Leigh at the 74th Worldcon. Photo: Michael Sauers.

A.M.: So, let’s talk about your participation in the first book, in which we are presented to three of your most remarkable characters: Gimli, Succubus and Puppetman. How did you come up with them?

S.L.: Puppetman was first. They’d already come up with several characters and George suggested to me that they needed at least one character connected to the politics of this world. Thus was born Senator Gregg Hartmann, aka Puppetman, who would be my main character through the first several books of the series though several others would follow in rapid succession: Gimli, Oddity, the Howler, Succubus, Peanut…

A.M.: What are the peculiarities of writing in a collaborative series such as Wild Cards?

S.L.: One requirement of writing for Wild Cards is that you must show any scenes where you use any person’s character to that person for their approval. In other words, no one can do anything to someone else’s character with the creator’s permission. That lets us avoid ‘revenge’ scenes (“You did something terrible to my character, so I’m doing to do something even worse to yours!”

We’re actively encouraged to use other authors’ characters in our stories.

A.M.: Do you have any favorite characters that other writers created and you could manage to write at some point? And what about some of those you still want to write?

S.L.: I think everyone has enjoyed using Croyd (the Sleeper) in their stories, since Croyd can be whatever you want him to be. Roger was always open to having people use Croyd, and now that Roger’s sadly no longer with us, Croyd continues to be used.

Personally, my own favorite two uses of another person’s character was working with Melinda’s Dr. Tachyon back in the early books when Tachyon and Hartmann were active, and more recently using Ian Tregillis’ character Rustbelt in SUICIDE KINGS as well as in my Drummer Boy story “Atonement Tango” on Tor.com.

Cover for “Ace in the Hole”, Wild Cards volume VI, featuring the Puppetmaster.

A.M.: Later on, the Puppetman got a very important role in the series, did you predicted it when the character made its debut?

S.L.: Not at all, though I was pleased when it happened. Puppetman, in fact, through the ‘original’ fifteen-book run of the series, was the only character whose arc began in Book 1, had a part in nearly all the intervening books, and whose story ended in what we feared might be the last book of the series, BLACK TRUMP. Luckily, the series would undergo a revival later…

A.M.: I couldn’t help but notice the recurrence of the Mississippi River in “In the Shadow of Tall Stacks”, and the cities the Natchez goes through. It reminded me a lot of GRRM’s Fevre Dream but in a 21st-century approach. Whose idea was this setting for Mississippi Roll? Did you do any specific research about the several different cities you would write about?

S.L.: I live in Cincinnati, which is on the Ohio River. In the days of the steamboats, many of the steamboats plying the Ohio and Mississipi had been built in Cincinnati, and Cincinnati has always celebrated its steamboat past. In fact, the “Tall Stacks” festival I mention in the book has actually taken place a couple of times here—and George has come to them to see all the boats that are brought in.

The setting for the book that would become MISSISSIPPI ROLL was set by George when he sent the proposal for a new trilogy to Tor Books—he wanted a book that would be set along the Mississippi. As soon as I saw that proposal, I knew what I wanted to pitch and where I wanted it to end: a story about a steamboat that would end at the Tall Stacks Festival in Cincinnati.  I also knew I wanted that story to be the “interstitial” — the story that would flow through and connect all the other stories in the book. I proposed the idea of Steam Wilbur and the ‘haunted’ steamboat Natchez to George, and he loved it.

And yes, I did lots of research on steamboats and the various cities that were used as settings in order to bring it all to life.

A.M.: So, moving on from Wild Cards, let’s talk about different things in your career. The Nessantico Cycle is a great success and has been published in Brazil. Is there anything else to come set in this universe?

S.L.: Not at the moment, I’m afraid, though I still like that universe, so who knows…

A.M.: In the Nessantico Cycle, you deal a lot with the religious aspect of fantasy and also contrast it with some early scientific practices. How do you see the position of this discussion nowadays, and what moved you to write a fantasy series that gravitates around it?

S.L.: I’ve always been interested in exploring the clash of different cultures, and the setting of a faux Renaissance allowed me to play with an intersection where science was clashing with a more mystical, magical worldview. I think that’s something that’s still relevant today. Certainly you see that in the largely Latin genre termed ‘magic realism’.

Covers for first editions of the Nessantico Cycle. Source: Patrick Rothfuss.

A.M.: What other of your works would you like to see translated into Portuguese?

S.L.: Any or all of them! Though I’d love to see IMMORTAL MUSE published in Portuguese – that’s still one of my personal favorites of the books I’ve written.

A.M.: And what comes next for you? Are you currently writing anything you could tell us about?

I’ve just finished a science fiction novel entitled AMID THE CROWD OF STARS which should be coming out from DAW Books sometime in 2020. And I have a piece of short fiction I have to write before the end of the year for the original anthology titled MY BATTERY IS LOW AND IT IS GETTING DARK, to be published by ZNB, LLC and edited by Joshua Palmetier and Crystal Sarakas. Hopefully, I’ll be pitching something to George for Wild Cards in the near future. And I’m starting to put together a proposal for my next novel.

The writing (hopefully) never stops!


Wild Cards: O Começo is the Brazilian re-release of Wild Cards #1, with stories by Stephen Leigh, Walter Jon Williams, Melinda Snodgrass, Howard Waldrop, Roger Zelazny, Victor Milán e George R.R. Martin and others. It’s available on Amazon.

The Puppetmaster quadrilogy comprises books Aces Abroad, Down and Dirty, Ace in the Hole and Dead Man’s Hand.

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Entrevista exclusiva com Raya Golden, artista de ‘Starport’ https://www.geloefogo.com/2019/04/entrevista-exclusiva-com-raya-golden-artista-de-starport.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=entrevista-exclusiva-com-raya-golden-artista-de-starport https://www.geloefogo.com/2019/04/entrevista-exclusiva-com-raya-golden-artista-de-starport.html#respond Fri, 12 Apr 2019 15:47:10 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=104938 Arthur Maia entrevista a artista responsável por adaptar o roteiro original de George R. R. Martin, Starport, para o formato graphic novel.

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Em Março de 2019, um roteiro para uma série de televisão que George R. R. Martin escreveu nos anos 90 finalmente viu a luz do dia: Starport se tornou uma graphic novel pelas mãos da artista Raya Goldene é com ela que conversamos dessa vez. Raya nasceu em Nova York e se graduou na Academy of Art University em San Francisco, na Califórnia. Hoje, trabalha com Martin como assessora na Fevre River Packet Co., onde concentra as funções de assessora de arte, licenciamento e redes sociais pelos últimos nove anos. Como artista, sua primeira graphic novel foi uma adaptação do conto do autor, O Homem do Depósito de Carne, que chegou a ser indicada ao prêmio Hugo.

Raya já havia tido contato conosco quando gentilmente nos ajudou a obter autorização para a tradução do discurso O Coração de um Menininho, de Martin. E dessa vez, ela não foi diferente: se mostrou uma pessoa acessível, simpática e muito compromissada. Confira abaixo nossa entrevista com ela. Ah, antes disso, que tal conferir nossa resenha de Starport para ficar um pouco mais por dentro do quadrinho?

♛ Click here for English version of the interview.

Raya Golden com os cosplayers dos Lohb na Emerald City Comic Con

Arthur Maia: Como foi que você veio a adaptar Starport? A ideia foi de George ou sua? E por que especificamente esta história?

Raya Golden: Starport foi um dos últimos pilotos que George escreveu na década de 90, e ele sugeriu que eu tentasse fazer algo com ele quando assinou um contrato para algumas adaptações em graphic novel com a editora Random House. Ele escolheu essa para mim com base no meu estilo, dizendo que achava que eu poderia agregar à história, e eu não iria discordar dele nisso. Eu estava querendo fazer mais projetos, e senti que esse seria um bom começo para minha carreira em graphic novels.

Arthur Maia: Como o de costume de Martin, Starport versa muito sobre o “coração humano em conflito consigo mesmo”. Em alguns sentidos, me parece que os temas que a graphic novel trata estão ainda mais na ordem do dia em 2019 do que na metade dos anos 90. Como você vê isso e quais mensagens você estava preocupada em passar durante o processo de adaptação?

Raya Golden: Muitos dos temas subjacentes são relevantes de uma maneira completamente diferente do que GRRM deve ter planejado quando escreveu, o que é estranhamente encantador. Por exemplo, eu adicionei um pouco mais de foco em uma série de interações entre os parceiros Rutledge e Manning, onde Rutledge, uma mulher, entra no vestiário masculino quando está preocupada com o estado de Manning. Ele lhe diz que ela deveria sair, mas ela responde com algo como “é só um vestiário, não seja infantil”, entra mesmo assim e dá apoio emocional ao seu parceiro e amigo. Isso seria uma mensagem muito diferente nos anos 90 e hoje em dia, e eu queria enfatizar isso também, bem como outras diferenças de contexto de uma maneira relevante e acessível. Tem uma série de temas que poderiam interpretados de forma errada hoje em dia, mas me esforcei para ajustar cada um deles para um ângulo mais atual e mais sensível, mas os mantendo fiéis ao contexto original.

Arthur Maia: Você disse que recebeu duas versões do roteiro para trabalhar. Elas eram o roteiro do “terremoto” (139 páginas) e o primeiro roteiro oficial (118 páginas) aos quais Martin se refere em Quartet? Como você conciliou as duas versões? Tiveram cenas ou personagens que você teve dificuldades em decidir se incluiria ou não?

Painel promocional de Starport com algumas das espécies alienígenas.

Raya Golden: Sim, havia as duas versões, a mais longa e o primeiro roteiro, de 118 páginas. Eu transpus as duas versões colocando elas lado a lado e fazendo um pré-esboço de toda a graphic novel. A primeira metade dessas duas versões são virtualmente idênticas, então essa parte foi fácil. O mais difícil veio depois, resolver as duas versões do arco do Spiderhound e o que funcionaria melhor de cada script. Eu também queria muito incluir o personagem Stakko Nihi, que é muito divertido e foi parte da razão pela qual eu quis usar essa versão do roteiro também. George estava sempre repetindo o seu bordão pra mim: “WHO LOVES THE INFANTS?” (“Quem ama as crianças?”) e eu levei muito tempo pra entender que isso é uma referência muito antiga da TV, e quando eu entendi, não consegui mais parar de rir. A versão sem Stakko era bem mais séria, enquanto a versão com ele adicionava uma leveza que eu realmente queria trazer na adaptação para graphic novel. Eu senti que usar um tom neon-retrô e brincar um pouco mais com as partes divertidas do roteiro se encaixaria mais com o meu estilo de arte, bem como faria as referências mais antigas ficarem mais fáceis de compreender.

Arthur Maia: Enquanto leitor, admito que fiquei encantado com o conceito da Harmonia e suas 315 espécies. Como foi o processo criativo para criar a sua aparência? Você tem alguma espécie favorita?

Raya Golden: Bem, eu segui o script, basicamente. Eu tenho quase certeza de que só teríamos três espécies principais, porque uma série de TV nos anos 90 não poderia lidar com muito mais do que isso para um episódio piloto. Mas eu tentei povoar Starport com mais do que apenas as três espécies principais na Terra – os Lohb, os Nhar e os Chaseen, mas com muitos turistas aleatórios diferentes que podem se tornar ou não espécies importantes em possíveis sequências. Como eu estava desenhando, e não fazendo uma produção televisiva, eu queria usar esses personagens muito mais do que uma série de TV poderia. Meu favorito sempre será Stakko, já que eu o imagino como o The Rock atuando como um Bambi-minotauro, vestido para um teste para uma versão live action de um filme do He-Man. Ele é engraçado, amigável, grudento, gigante e ele derrete meu coração o tempo todo.

Personagem Dr. Bonfleur, cuja aparência foi inspirada em Gardner Dozois

Arthur Maia: Eu não pude deixar de notar a aparência do Dr. Bonfleur, já que ele é muito parecido com o incrível e recentemente falecido Gardner Dozois. Como essa homenagem aconteceu?

Raya Golden: Sim, estou muito feliz que você tenha percebido! Eu conheci Gardner praticamente minha vida inteira, ele era um amigo muito querido da família. O Dr. Bonfleur simplesmente me lembrou dele, então fiz ele ter o rosto de Gardner apenas porque sim, foi tudo decisão minha. Eu queria surpreendê-lo com isso, mas infelizmente, ele faleceu antes que eu tivesse a chance.

Arthur Maia: Você já adaptou O Homem do Depósito de Carne. Ele é muito diferente de Starport – mais sombrio, mais intimista, mais curto e mais violento. Como você sentiu as diferenças entre esses dois processos?

Raya Golden: O Homem do Depósito de Carne eu fiz inteiramente sozinha, sem colaboração de mais ninguém. Foi um período bem menor, mas mesmo assim, levei 9 meses parar completar apenas 36 páginas (Nota do entrevistador: Raya trabalhou em Starport durante quatro anos). Então, para Starport, eu contratei Rachel Hilley, uma colorista e me comprometi a comprar um Cintiq, para transformar todo o meu processo de desenho com tinta em digital. No fim das contas, meu processo ficou mais refinado, mas pode-se dizer que foi a mesma coisa aplicada a roteiros muito diferentes.  O Homem do Depósito de Carne é uma história seriamente sombria, e não havia outra maneira de abordá-la, ao passo que senti que Starport seria melhor representada com um clima mais retrô, divertido e leve, assim como isso também a faria mais acessível para um público mais amplo.

Capa da graphic novel de Meathouse Man, por Raya Golden.

Arthur Maia: Já que Starport foi concebida como uma série de TV, uma sequência para essa história inicial seria muito bem vinda, explorando outras espécies, mais desenvolvimento para os policiais e alienígenas, além de novos mistérios. Isso é uma possibilidade, mesmo que não haja roteiros escritos ainda?

Raya Golden: Eu com certeza estou planejando encontrar um novo roteirista para trabalhar em uma segunda parte de Starport, já que ainda não me sinto tão confiante para fazer isso eu mesma. Mas eu realmente adoraria trabalhar com um profissional para criarmos mais algumas edições de Starport, possivelmente explorando os temas que você mencionou e outros mais!

Arthur Maia: E quais são os próximos passos de Raya Golden? Você está planejando publicar alguma história original? E quem sabe mais algumas adaptações?

Raya Golden: Eu realmente quero fazer uma continuação de Starport, mas gostaria também de mudar um pouco o ritmo em meu próximo projeto. Estou colhendo algumas ideias sobre isso, e elas incluem tanto materiais originais baseados em alguns conceitos que eu gostaria muito de trabalhar, quanto outra possível adaptação de um autor diferente. E claro, eu adoraria ser chamada para uma equipe para trabalhar como desenhista em alguma coisa completamente diferente, que seja tão divertida quanto as coisas nas quais eu tive sorte de trabalhar até hoje.


Confira o processo artístico de Raya para Staport em vídeo:


Starport está disponível na Amazon em ebook e em capa dura.

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Exclusive interview with Raya Golden, artist of ‘Starport’ https://www.geloefogo.com/2019/04/exclusive-interview-with-raya-golden-artist-of-starport.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=exclusive-interview-with-raya-golden-artist-of-starport https://www.geloefogo.com/2019/04/exclusive-interview-with-raya-golden-artist-of-starport.html#comments Fri, 12 Apr 2019 15:46:47 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=105016 Arthur Maia interviewed the artist that adpated Starport, George R. R. Martin's original screenplay, into a graphic novel.

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Last March, a script from George R. R. Martin for a TV show written in the ’90s finally saw the light of the day: Starport became a graphic novel, by the hands of the artist Raya Golden, and it’s with her we’ll be speaking this time. Raya was born in New York and graduated at the Academy of Art University in San Francisco, California. She’s been work as Martin’s assistant for the last 9 years, concentrating the functions of Art, Web and Licensing manager in the Fevre River Packet Co. As an artist, her first graphic novel was an adaptation of Meathouse Man, which was nominated for the Hugo Awards.

We had already talked to Raya when she kindly helped us to get authorization to translate Martin’s speech The Heart of a Small Boy (which you can read here in English and our version here) into Portuguese. This time, our interaction was equally pleasant: she is a very kind and funny person and amazingly professional.

If you’re not familiar with the graphic novel, you can always check our review of Starport (in Portuguese, but Google Translate can work wonders). And if you’d like to read something already written in English, we recommend the always precise Adam Whitehead with his review on the Wertzone.

♛ Clique aqui para versão em português da entrevista.

Raya Golden with the Lohb cosplayers at Emerald City Comic Con

Arthur Maia: How did you get to adapt Starport? Was it George’s idea or yours? Why was this specific story chosen?

Raya Golden: Starport was one of George’s final pilots in the 90’s and he suggested I give it a try while beginning a number of graphic novel adaptation deals with Random House Publishing. He chose it for me based on my style, saying he felt I could lend to the story and I wasn’t going to disagree with him. I am hoping to do more projects and this felt like this was a great place to try and begin my career in graphic novels.

Arthur Maia: As typical Martin, Starport is really meaningful on the “human heart in conflict with itself”. In some ways, it seems to me that the themes it touches are even more in the order of the day in 2019 than in the mid-’90s. How do you see that and what main messages were you concerned to convey when adapting it?

Raya Golden: Many of the underlying themes were relevant on their own in a completely different way than what GRRM may have intended which was strangely awesome.  For example, I added a little more focus to a set of interactions between partners Rutledge and Manning where Rutledge, a woman, walks into the men’s room in concern for Manning’s state of mind and he tells her it’s the men’s bathroom and she should take a hike.  She retorts with something along the lines of “it’s just a room stop being a big baby about it” then enters anyway to emotionally support her partner and friend.  This is a very different message in the 90’s than it is today, and I wanted to put some emphasis on this as well as other differences in a relevant and accessible way.  There were a number of themes that could be taken the wrong way in today’s world, but I strove to adjust each of these from a more present and sensitive angle while remaining true to the original context.

Arthur Maia: You said you received two drafts to work with. Were they “the earthquake” draft (139 pages) and the first official draft (118 pages) Martin mentions in Quartet? How did you conciliate the two versions? Were there any scenes or characters that you struggled to decide if you should include or not?

Promoting pannel of Starport, with some of the alien species

Raya Golden: Yes, there were two versions, a longer one and the first 118-page draft.  I translated the two versions by sitting them side by side and drawing out the entire comic in thumbnail format.  The first half of these two versions are virtually identical so that part was easy, the hard part came later resolving the two Spiderhound story arcs and simply choosing the most visually compatible versions of either script. I also really wanted to include the character STAKKO NIHI whom is quite fun and was in part the reason I wanted to take on the script.  George kept saying his catch line to me “WHO LOVES THE INFANTS” and it took me a long while to get it being such and old school TV reference but when I got it I couldn’t stop laughing.  The version without Stakko is a more “hard boiled” and serious version, whereas the Stakko version adds a portion of levity I wanted to really draw back out in the graphic novel adaptation.  I felt going for a neon retro feeling and playing off of the more fun aspects would better fit my style of art as well as keeping the older themes a little easier to approach.

 

Arthur Maia: As a reader, I admit I was amazed at the concept of the Harmony and it’s 315 species. How was the creative process for their appearance? Do you have a favorite one?

Raya Golden: I pretty much followed the script, I’m kinda sure we only have three main species because a 90’s TV show could only afford to produce that many for a pilot episode. But I strove to populate Starport Chicago with not only the three main species on planet Earth Lohb, Nhar, and Chaseen, but with plenty of random tourist species that may or may not become more important in a sequel.  Since it’s a drawing and not a TV production I kind of wanted to push what I could do with these characters that would stretch the limits of what could be produced on a show.   My favorite will always be Stakko, I always imagen him as The Rock playing Bambi as a Minotaur; dressed to audition for a live action He-Man movie.  He’s fun, friendly, cheesy and gigantic and he melts my heart every time.

Dr. Bonfleur, a character whose appearance was inspired by Gardner Dozois

Arthur Maia: I couldn’t help to notice Dr. Bonfleur’s appearance, as he resembles a lot the late and amazing Gardner Dozois. How that homage came to be?

Raya Golden: Yes, and I’m so happy you caught it.  I’ve known Gardner pretty much all my life, he was a dear friend of the family and Dr. Bonfleur just reminded me of him. So I made him look like Gardner just because, that was all me.  And I was planning on surprising him with it, but unfortunately, he passed before I got the chance.

Arthur Maia: You have once adapted Meathouse Man. It’s very different from Starport – darker, shorter more intimist and violent. How did you feel the differences between those two processes?

Raya Golden: The Meathouse Man I did all by myself with no other help, it was a shorter amount of time but still almost 9 months to complete just 36 pages.  So, I hired a colorist, Rachel Hilley, for Starport as well as making the commitment to purchase a Cintiq and moving my inking process to strictly digital.   In the end my process was more refined, but it was the same process with very different scripts.  The Meathouse Man was a seriously dark story, and there was no other way to go about it, and I felt Starport was best represented in a bit more retro, fun and light hearted as well as making it more accessible to wider audience.

Meathouse Man graphic novel cover by Raya Golden

Arthur Maia: As Starport was conceived as a TV show, a sequence to that initial story would be very welcome, exploring the other species, more backstory to both the cops and the aliens and many other mysteries to come. Is that a possibility, even with no scripts written so far?

Raya Golden: I am totally hoping to enlist a new writer to script a Starport part two as I don’t feel confident writing a script myself from scratch.  but I am into working with a professional to flesh out a few more editions of Starport, possibly exploring all of the themes you mentioned and more!

Arthur Maia: And what’s next for Raya Golden? Do you plan to publish some original material? And what about some more adaptations?

Raya Golden: I really want to do a follow up to Starport, but ideally would love to try a change of pace for my next project.  I’m shopping around a few proposals along these lines which include both new material based on some of my wish list concepts as well as another possible adaptation by a different author. And naturally I’d be happy to be approached by a team to work as their pencil/inker on a completely different project that’s just as fun as what I’ve been lucky enough to work on so far.


Check out Raya’s process to Starport in video:


Starport is available on Amazon in ebook version and hardcover.

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Resenha de Starport, HQ de George R. R. Martin e Raya Golden https://www.geloefogo.com/2019/03/resenha-de-starport-hq-de-george-r-r-martin-e-raya-golden.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=resenha-de-starport-hq-de-george-r-r-martin-e-raya-golden https://www.geloefogo.com/2019/03/resenha-de-starport-hq-de-george-r-r-martin-e-raya-golden.html#comments Wed, 20 Mar 2019 21:48:40 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=104733 Na segunda metade da década de 80, um George R. R. Martin quase falido passou a trabalhar em Hollywood. Ele […]

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Na segunda metade da década de 80, um George R. R. Martin quase falido passou a trabalhar em Hollywood. Ele roteirizou, supervisionou e produziu séries de TV por anos, até retomar sua atividade de escritor, quando publicou A Guerra dos Tronos, em 1996. Como ele mesmo aponta, trabalhar na televisão traz muitas dificuldades, e a maior parte do que é escrito e produzido nunca chega ao espectador.

Entre essas produções que nunca foram ao ar está uma série que Martin foi convidado a criar em 1993, e que viu a luz do dia com uma versão em quadrinhos apenas em 2019: Starport.

Uma das versões do roteiro já havia sido publicada antes, na coletânea Quartet: Four Tales from the Crossroads, mas além da baixa circulação, é claro que ler um script não é a mesma coisa que ter o acesso aos elementos visuais que ele propõe.

Capa de Starport, de GRRM e Raya Golden
Arte da capa de Starport, por Raya Golden.

Quando a emissora Fox contatou George, pediu por uma série de ficção científica policial. Inspirado na recém cancelada Alien Nation, o autor inverteu a premissa. Ao invés de um policial com seu parceiro alienígena, vindo de uma raça refugiada na Terra, Martin criou Starport, um mundo onde a Terra fora descoberta por uma confederação de aliens, que abriu três portos intergaláticos para comércio.

A série se passa na cidade que sediou um deles, Chicago, onde acompanhamos uma equipe policial tendo que lidar com os mais diversos conflitos de uma sociedade que se vê, de uma hora pra outra, tendo que conviver com formas de vida muito diferentes.

Em 2015, Martin entregou suas versões dos scripts para sua minion e diretora de arte, Raya Golden. Raya já havia trabalhado adaptando um conto do autor para quadrinhos com O Homem do Depósito de Carne, versão que chegou a ser indicada ao prêmio Hugo. Mas dessa vez, depois de quatro anos de trabalho, o resultado é ainda mais impressionante: uma graphic novel muito consistente de quase trezentas páginas, com uma arte brilhante, que carrega o significado do enredo tanto quanto o texto, e extremamente envolvente.

Arte promocional de Starport, por Raya Golden
Arte promocional de Starport, por Raya Golden

Os dilemas morais são o ponto chave dessa obra, como sempre esperamos de Martin. Não é sobre a existência de seres de outros planetas e as cenas de ação (embora também estejamos bem servidos das duas coisas), mas sobre como as pessoas, humanos ou aliens, vão lidar com tudo isso. “O coração humano em conflito consigo mesmo”, como definiu Faulkner e Martin gosta tanto de citar.

No entanto, de alguma maneira, esses temas me parecem ainda mais relevantes agora do que quando foram escritos. O contexto das mais diversas crises de imigração, reações conservadoras e nacionalistas e moralismos segregadores são centrais nos personagens criados por Martin e trazidos à vida por Golden.

O tom leve e divertido de Starport é uma grande diferença em relação aos primeiros volumes de Wild Cards, mas, apesar disso, as duas obras têm mais semelhanças do que diferenças. Lidar com a diferença é o tema central de ambas, que evitam maniqueísmos e respostas fáceis. A graphic novel lembra também um antigo conto de Martin, Run to Starlight, e, coincidência ou não, os jogos de futebol americano são um elemento da cultura terráquea presente em ambos.

Personagem Dr. Bonfleur, cuja caracterização é inspirada em Gardner Dozois

O enredo a que temos acesso nessa publicação é o que seria um filme para televisão, que serviria também como episódio inicial da série de TV. Sendo assim, temos uma história suficientemente fechada, mas que, por conta da sua proposta e da qualidade, grita por uma continuação. Minha única crítica é que algumas das soluções vieram fáceis demais.

De qualquer maneira, Starport é um trabalho impecável, fico na torcida para que novas histórias desses personagens vejam a luz do dia em algum momento, bem como que alguma editora brasileira publique a obra em português.

P.S.: Não pude deixar de notar a homenagem ao escritor e editor Gardner Dozois, grande amigo de Martin, personificado no personagem coadjuvante Dr. Bonfleur.


Starport está disponível na Amazon em ebook e em capa dura.

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‘O Coração de um Menininho’: um discurso de George R. R. Martin https://www.geloefogo.com/2019/01/o-coracao-de-um-menininho-um-discurso-de-george-r-r-martin.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-coracao-de-um-menininho-um-discurso-de-george-r-r-martin https://www.geloefogo.com/2019/01/o-coracao-de-um-menininho-um-discurso-de-george-r-r-martin.html#comments Tue, 29 Jan 2019 22:33:39 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=104080 Todo ano, um autor que contribuiu significativamente com a ficção científica ou a fantasia é nomeado o Convidado de Honra […]

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George R. R. Martin Torcon
George R. R. Martin discursando na TorCon, em 2003. Foto: Michael Pederson, Nth Degree.

Todo ano, um autor que contribuiu significativamente com a ficção científica ou a fantasia é nomeado o Convidado de Honra na World Science Fiction Convention, a WorldCon. Para George R. R. Martin, um escritor desses gêneros não pode receber honraria maior. E em 2003, ele foi o Convidado de Honra na 61ª WorldCon, em Toronto, no Canadá.

A tradição é que o convidado em questão faça um discurso memorável, e George, naturalmente, seguiu o costume. No entanto, ao invés de fazer agradecimentos genéricos a seus fãs, leitores, colegas ou parentes, Martin resolveu falar sobre ele mesmo, mais especificamente sobre sua infância na cidade de Bayonne, Nova Jersey, onde cresceu.

À primeira vista, falar sobre si mesmo pode soar narcisista (especialmente para uma fala de agradecimento), mas como leitora e leitor perceberão ao longo do texto, o discurso de George é marcado por sensibilidade e humildade. Segundo o autor, ele trabalhou no texto ao longo de todo o ano anterior à convenção.

O discurso foi transcrito na edição de novembro de 2004 da Asimov’s Science Fiction, e depois publicado na antologia WorldCon Guest of Honor Speeches. Eu pessoalmente só o descobri por acaso há algumas semanas, em um post no reddit, e fiquei encantado. Tanto que resolvi traduzi-lo para o português e publicá-lo aqui, para que leitores brasileiros também possam conhecer um pouco da infância de GRRM — e descobrir sementes para várias coisas que reverberaram em toda sua obra (até a mais recente, As Crônicas de Gelo e Fogo, e sua adaptação Game of Thrones).

O texto original está protegido por direito autoral, mas nosso Arthur Maia entrou em contato com Raya Golden (minion oficial de GRRM e ilustradora de Starport), e conseguiu autorização do próprio autor para que o Gelo & Fogo pudesse publicá-lo. Além da própria tradução, a seleção das figuras e os links explicativos ficaram por minha conta (e em contato com Golden, também fui autorizado a usar as fotos de George). Espero que fotos e links ajudem leitor e leitora a se situarem. Sem mais delongas, portanto, o discurso.

O Coração de um Menininho, por George R. R. Martin

Há trinta anos Toronto sediou sua segunda WorldCon, que curiosamente também foi minha segunda WorldCon.

Eu morava em Chicago na época, lutando contra a pobreza como voluntário da VISTA, enquanto organizava torneios de xadrez nos finais de semana e escrevia histórias à noite, para complementar os cinquenta dólares por semana que recebia da VISTA. Mesmo com três empregos, voar não cabia no meu orçamento. Felizmente, Alex e Phyllis Eisenstein me ofereceram uma carona. A convenção ainda assim apertou minhas finanças, embora como escritor profissional eu pudesse deduzir tudo: quarto de hotel, refeições, viagem. De acordo com minha restituição do imposto de renda de 1973, deu US$ 130,03.

O grande e saudoso Robert Bloch foi o Convidado de Honra daquela TorCon, como fora na primeira Toronto WorldCon, lá em 1948. Bloch fez seu discurso no banquete do Hugo. Apresentações dos Hugos em estilo teatral não ocorreram até a Big Mac, a revolucionária WorldCon de Kansas City, em 1976. Antes dela, sempre havia um banquete, e os Convidados de Honra — só havia dois naquela época, Pro e Fã — faziam suas falas antes que os foguetes fossem entregues. Os discursos e os prêmios se combinavam para dar a cada convenção um centro que as WorldCons modernas não têm mais.

GRRM na Torcon
GRRM na Torcon 3. Foto: Michael Pederson, Nth Degree.

Por outro lado, Bob Bloch e os convidados de honra anteriores a ele também tinham que competir com pratos tinindo e estômagos roncando, e públicos impacientes para descobrir quem vencera os Hugos. Eu mesmo já fiz discursos suficientes para saber que quando você entra depois de sobremesas como os baked Alaskas e antes dos troféus de boliche, é melhor se ater ao curto e ao engraçado. Que foi o que Bloch fez, se bem me lembro.

Não é o que farei, porém. Mesmo com trinta anos de distância entre nós, o autor de Psicose é uma atração muito difícil de suceder. Ele foi abençoado com uma sagacidade mordaz, uma entrega impassível e um senso perfeito de timing cômico. Era uma espécie de cruzamento entre Bob Hope, Alfred Hitchcock e Connie Willis, embora andasse com uma piteira em vez de um vestido com gola de Peter Pan. Além disso, se você tenta fazer um discurso engraçado e ninguém ri… bom, tem algumas coisas na vida que são mais dolorosas, como um canal de raiz, encontros de negócios da SFWA, ouvir William Shatner cantar “Rocket Man”, mas mesmo assim…

Também não farei o discurso “fãs são fodas”. Adoro fãs, vejam bem. Sou um fã. Somos um bando ótimo de rapazes e moças, sem dúvida, mas não somos superiores à média geral da humanidade, nem somos a última boa esperança da Terra. “São vocês que nos levarão às estrelas”, já ouvi oradores dizerem a públicos de convenções. Ouve-se o mesmo discurso em banquetes do Nebula, só que lá é o discurso Eliot Rosewater. “Vocês são especiais”, diz o orador, “vocês são únicos! Não tem ninguém tão bom quanto vocês, ninguém mais realmente sabe o que está acontecendo, ninguém mais tem a percepção e a perspicácia incríveis de vocês!” Vivas, vivas, vivas para nós! É um discurso apropriado para todas as ocasiões, e tenho certeza que vendedores de Buick, taxidermistas e os Woodmen of the World também adoram ouvi-lo em suas convenções. Mas não o farei hoje.

Nem vou falar sobre a situação da nossa área de escrita. A verdade é que não sei muito sobre a situação da área. Ninguém sabe, exceto talvez o Charlie Brown, e ele não vai dizer. A área simplesmente cresceu demais. Gardner Dozois e David G. Hartwell podem falar com certa autoridade sobre a situação da ficção curta, mas nem mesmo eles conseguem ler todos os romances que são publicados, e os romances já são o coração da ficção científica e da fantasia há muitos anos. Se você quer saber sobre a situação da área, vá a alguns painéis, e vai ouvir um bom número de pessoas brilhantes falando sobre algum aspecto da pequena parte da área em que elas estão envolvidas atualmente. Se você ouvir o suficiente, uma ideia geral pode surgir. No que concerne à situação da área, somos todos cegos tentando descrever o elefante.

Ao invés disso, decidi falar sobre o único assunto no qual sou inquestionavelmente a maior autoridade do mundo: eu.

Afinal de contas, não tem comida de bufê ou baked Alaskas aqui, e não vou entregar nenhum foguete esta tarde… nem receber um, o que é mais triste. Claro, talvez alguns de vocês tenham entrado aqui por engano, tentando achar a sala de jogos ou o painel da Buffy, a Caça-Vampiros, mas devo presumir que a maioria de vocês está aqui porque leu minha obra.

Não quero falar da minha obra, porém. Não como tal. Aqueles de vocês que visitaram a sala de vendas sabem que saiu uma nova e enorme coleção retrospectiva minha pela Subterranean Press. GRRM é o nome, com meio milhão de palavras da minha obra. Ficção científica, fantasia, terror, com comentários extensos nos quais discuto como e quando cheguei a cada gênero, minhas influências literárias de F. Scott Fitzgerald e J. R. R. Tolkien até Stan Lee e Gardner Fox, como cheguei a escrever uma história, o que me inspirou a criar aquela, de onde veio aquela outra. Todas as histórias por trás das histórias estão ali, se esse tipo de coisa interessa a vocês. Não vou reciclar isso aqui.

Ao invés disso, gostaria de falar sobre o lugar de onde todas as minhas histórias vêm. Tudo que já escrevi, de Garizan, o Guerreiro Mecânico, até As Crônicas de Gelo e Fogo.

Gostaria de falar sobre Bayonne, Nova Jersey.

Para aqueles de vocês que nunca estiveram lá, que presumo ser a maioria, Bayonne é uma península, tão próxima da Cidade de Nova York que é quase parte dela. O Brooklyn está ao leste, do outro lado da Baía de Nova York, Manhattan fica a nordeste, e ao sul, do outro lado do Kill Van Kull, está Staten Island, um dos cinco distritos da cidade.

Nos tempos coloniais, tanto Nova York quanto Nova Jersey reivindicavam Staten Island, que é muito mais perto de Bayonne do que de Manhattan. A questão foi finalmente resolvida com uma corrida de barcos ao redor da ilha. Nova York ganhou, e Nova Jersey ainda é puta com isso até hoje. Como a Itália, Bayonne tem a forma de uma bota, embora a bota de Bayonne pareça ter sido feita para alguém com pé torto. A cidade tem uns cinco quilômetros de comprimento e um quilômetro e meio em seu ponto mais largo, na parte baixa do pé.

Nasci no Hospital Bayonne em 20 de setembro de 1948. Meus pais tinham nascido e crescido em Bayonne, assim como três dos meus quatro avós. Apesar da proximidade com Nova York, Bayonne de forma alguma era uma cidade-dormitório, naquela época ou mesmo agora. Era uma cidade em si mesma… um mundo em si mesmo, na verdade. Podia-se comprar praticamente qualquer coisa de que se precisasse nas lojas da Broadway, e havia empregos em abundância no Cabo, e mais na base da Marinha. Bayonne era um lugar em que gerações de pessoas nasciam, cresciam, iam à escola, encontravam trabalho, se casavam, tinham filhos, compravam casa própria ou se mudavam para o andar de cima dos pais, envelheciam e morriam, tudo dentro dos cinco quilômetros quadrados da cidade.

Uma cidade industrial densamente habitada de aproximadamente setenta mil pessoas, Bayonne fora o maior centro de refino de petróleo do país durante a Segunda Guerra Mundial. Muitos dos lendários encouraçados e destróieres da Segunda Guerra Mundial foram preparados na base da Marinha e na doca seca de Bayonne, antes de zarparem para lutar contra Tojo e Hitler. Era uma cidade de classe trabalhadora, densa, urbana, étnica.

Hotel Latourette em Bayonne
O antigo Hotel Latourette, em foto de 1893. Domínio público. Fonte: Wikimedia Commons.

Um século antes, a cidade era um lugar bem diferente. No início do século XIX, Bayonne era uma comunidade de pequenos fazendeiros e pescadores, renomada por suas ostras. Cercada por baías, tornou-se um centro de iatismo e construção naval depois da Guerra Civil, e um retiro de férias para a pequena aristocracia rica. Os nova-iorquinos pegavam balsas a vapor para cruzar a baía, ou velejavam em iates até o Kill Van Kull para se hospedar no Hotel LaTourette, um enorme hotel resort vitoriano. Cercado por antigos carvalhos e gramados ondulados, o LaTourette oferecia refeições finas, pesca, vela, croquete e vistas esplêndidas das matas selvagens de Staten Island do outro lado da água.

Isso tudo foi muito antes da minha época, é claro… embora minha mãe se lembrasse do LaTourette. Ela nasceu em 1918, e cresceu em uma casa na Lord Avenue, entre a 3rd Street e a 4th Street. A época de Bayonne como um resort da moda já havia passado há muito quando ela era menina, mas o LaTourette ainda existia à beira d’água, no pé da Lord Avenue, tapado e decadente. Para minha mãe e seus irmãos e irmãs, era “a casa assombrada”. Eles desafiavam uns a outros a bater nas portas tapadas, e os meninos jogavam pedras nas janelas da velha enormidade vitoriana. Muita mata o cercava, contava minha mãe; havia poucas casas abaixo da 3rd Street quando ela era menina.

A Bayonne de minha própria infância havia mudado muito. Não havia matas e nem casas assombradas, embora tivéssemos muitas pizzarias. A melhor pizza do mundo é a de Bayonne. Nos anos 1950, a cidade já era predominantemente de operários, e esmagadoramente católica. Tínhamos católicos irlandeses, católicos italianos e católicos poloneses. Cada nacionalidade tinha a própria igreja, a própria escola e os próprios desfiles, em seus próprios dias de festa para os próprios santos. Eu tinha um pé em dois desses grupos, já que meu pai era metade italiano e minha mãe era metade irlandesa.

Embora nenhum de meus pais fosse religioso, eles nos mandavam para a Missa todo domingo, ainda que eles mesmos nunca fossem. Íamos à St. Andrew, a igreja católica irlandesa na 4th Street.

É claro que íamos. Minha mãe era uma Brady.

Margaret era a mais nova de onze filhos. O pai dela, Thomas Brady, era filho de James Brady, que emigrara para os Estados Unidos em 1854 de Oldcastle, Condado de Meath, Irlanda, seguindo os passos dos irmãos e primos. Muitos daqueles Bradys tinham ido parar em Bayonne, onde se casaram com outras irlandesas, tiveram filhos, abriram negócios e se saíram muito bem. Um deles era dono da maior empresa de carvão e gelo de Bayonne. Outro construiu o primeiro prédio de tijolos da cidade, Brady’s Hall (“Salão do Brady”), uma taberna e salão de dança para trabalhadores irlandeses. Encontros políticos aconteciam no Brady’s Hall também. Bradys serviram como comissário de saúde do condado, xerife e prefeito de Bayonne, e eram membros proeminentes da Paróquia de St. Andrew.

James Brady, meu bisavô, também prosperou. Depois de alguns anos como trabalhador braçal, ele fundou uma empresa de materiais de construção em 1872, comercializando cascalho, concreto, gesso e madeira. Construiu-se muito em Bayonne entre a Guerra Civil e a Grande Depressão, então a empresa se saiu muito bem, apesar de James ter ficado cego em um acidente de construção.

Transportar materiais de construção por carroções a cavalo pelas estradas do fim do século XIX e começo do XX era um trabalho lento, e às vezes difícil. Como Bayonne era uma península, muitas vezes era mais fácil e mais barato enviar a madeira e o concreto pela água, e assim James comprou terras no Kill Van Kull, perto do extinto Hotel LaTourette, e construiu um cais particular para a empresa. James tinha seus escritórios no cais e, segundo a lenda da família, ouvia as barcaças sendo descarregadas em seus carroções e sabia imediatamente se tinha recebido toda a tonelagem pela qual pagara, só pelos sons.

Seus filhos o seguiram no negócio, que ficou conhecido por James Brady’s Sons (“Filhos de James Brady”). A família ficou rica. Não rica como os Rockefeller, vejam bem, mas rica para Bayonne. Quando James morreu em 1907, meu avô Thomas e os irmãos assumiram a James Brady’s Sons, e a empresa continuou a prosperar. Entre a virada do século e a Grande Guerra, eles estavam entre as famílias mais proeminentes e bem-sucedidas de Bayonne. A Igreja de St. Andrew é cheia de estatuários e altares esculpidos em mármore doados por vários Bradys, com plaquinhas para homenagear os doadores. Thomas se casou em outra família proeminente de Bayonne, os Wall, cuja ascendência era inglesa e francesa (e cujo nome também significa “parede”, em inglês). Minha avó Catherine tinha três irmãs, todas próximas a ela em idade; as quatro meninas Wall eram tão inseparáveis em eventos sociais, contava minha mãe, que todo mundo se referia a elas como “the Room” (“o Quarto”). Mas Thomas Brady tirou uma das Walls do Quarto, casou-se com ela e construiu para ela aquela casa na Lord Avenue, perto do Cais Brady. Juntos, tiveram esses onze filhos… a última dos quais foi minha mãe, Margaret, de quem ouvi essas histórias. Quando eu era velho o bastante para ouvir tudo isso, as histórias eram tudo que restava. A James Brady’s Sons foi esmagada durante a Grande Depressão. A súbita e inesperada morte de meu avô Thomas Brady, em 1931, foi o golpe fatal em uma empresa já vacilante. Seus irmãos tentaram continuar, mas não eram o tipo de homem de negócios que Thomas havia sido. De acordo com a lenda da família, o Prefeito Hague, o Chefe Tweed de Jersey City, também desempenhou um papel sinistro na queda dos Bradys.

Minha mãe sempre descreveu Hague como um figurão corrupto e opulento, notório por rapinar viúvas e órfãos. De alguma forma, com a conivência de um dos irmãos sobreviventes de minha mãe, a ovelha negra da família, Hague supostamente deu um jeito de pilhar a James Brady’s Sons de todo o dinheiro e ativos, deixando minha avó Catherine sem nenhum tostão. Quando ela tentou processar, todos os advogados que contratava de repente viravam juízes e abandonavam o caso. A empresa foi dissolvida e vendida, o cais foi tomado pela cidade. Até a casa na Lord Avenue teve que ser vendida.

A essa altura, só minha mãe, a mais nova dos onze filhos de Thomas Brady, ainda morava em casa. Alguns de seus irmãos tinham morrido na infância; os outros tinham crescido, se mudado e constituído famílias próprias. Minha mãe na verdade era mais nova que várias de seus sobrinhos e sobrinhas. Quando a riqueza e a casa se foram, ela e a mãe se mudaram para um apartamento modesto. Assim que saiu do ensino médio, ela começou a trabalhar na Westinghouse, e sustentou minha avó até Catherine falecer em 1941. Uns seis anos depois disso, Margaret conheceu meu pai.

O nome dele era Raymond Collins Martin… esse “Raymond” é a origem do primeiro dos meus dois Rs. Minha mãe o chamava de Ray, e todos os outros o chamavam de Smokey, o “Fumaça”.

Old Gold
Anúncio dos cigarros Old Gold, 1954. Fonte: Vintage Adventures.

Meus pais fumavam, como todo mundo em Bayonne nos anos cinquenta. Às vezes, um deles me dava dinheiro para comprar um maço numa máquina de cigarros. Minha mãe fumava Chesterfields sem filtro, meu pai Lucky Strike… mas sempre que eles me mandavam à máquina, eu voltava com Old Golds e dizia que ela estava sem a marca deles. Alguma coisa no nome “Old Gold”, “Ouro Antigo”, me fazia pensar em piratas e tesouros submersos.

Sempre que fumava meus cigarros de chocolate, eu fingia que eles eram Old Golds também.

Talvez o Smokey também tivesse começado com cigarros de chocolate. Não sei. Não sei quase nada sobre a infância de meu pai.

Bom, uma coisa… ele jogava bolinha de gude. Havia uma lata de biscoitos de animais redonda, antiga, no estilo dos anos trinta, cheia das bolinhas de gude antigas dele, e dentro dela havia um jornal amarelado, sobre Raymond C. Martin vencer o campeonato de bolinhas de gude do condado. Ele nunca se ofereceu para me ensinar o jogo, porém, nem sequer abriu aquela velha lata.

Meu pai adorava esportes — futebol americano, beisebol e boxe, especialmente — mas ele assistia, não jogava. Nunca jogamos uma partida de pegar bola, nunca jogamos uma bola de futebol americano pelo jardim. Ele tentou me ensinar a andar de bicicleta. Eu era um demônio num triciclo, e adorava zunir em minha duas-rodas com as rodinhas de treino, mas quando elas eram tiradas, eu tendia a perder o equilíbrio, bater e cair.

Arranjei tantas cascas de ferida e roxos que implorei para ele colocar as rodinhas de treino de volta, mas meu pai não queria saber. Se eu não conseguisse andar sem as rodinhas, não andaria de jeito nenhum, decretou. Tentamos por mais ou menos uma semana, mas eu continuava batendo e caindo. Logo Smokey perdeu a paciência e desistiu, desgostoso, mas ainda se recusou a me dar aquelas rodinhas de volta. Nunca mais andei de bicicleta.

Meu pai era veterano da Segunda Guerra Mundial… e, de acordo com um homem, pelo menos, um herói de guerra. Ele guardava uma caixa de sapatos cheia de fotografias antigas de seu tempo de serviço, pequenas instantâneas granuladas em preto e branco, tiradas com alguma Brownie antiga. As fotos parecem ter sido tiradas no Norte da África. Nelas há areia, barracas, soldados sem camisa… e meu pai, sorrindo para a câmera, parecendo impossivelmente jovem. Em uma das fotos há um camelo no fundo. Na maioria das outras, Smokey está com um Camel pendurado nos lábios… ele só mudaria para os Luckies depois da guerra. Alguns de seus companheiros nas fotos estão fazendo palhaçadas com os rifles, posando com os braços sobre seus ombros. Não sei os nomes deles. Nunca saberei.

Na caixa de sapatos havia um retrato de uma jovem de cabelos e olhos escuros. Italiana, pela aparência, eu diria… mas quem ela era e o que ela significava para ele… bom, essa é outra coisa que nunca saberei. Minha mãe também não sabia, embora tenho certeza de que ela se perguntasse.

Embora ele não tivesse nenhum treinamento médico, o exército fez de Smokey um médico quando o enviou para o exterior. Ele serviu no Norte da África, na Sicília e na Itália, e viu certo número de combates. Ele nunca falava sobre a guerra, mas sei que uma vez arriscou a própria vida para salvar alguns homens gravemente feridos. O capitão dele chamou o ato de “galhardia ilustre”, e o indicou para Medalha de Honra do Congresso. Minha irmã Darleen ainda tem a carta que ele escreveu. O capitão foi morto pouco depois de escrever a carta, porém. Smokey voltou da guerra só com um Coração Púrpura… isso, um maço gordo de dinheiro, e uma safira gigante.

Meu pai era apostador, também. Talvez tivesse sido no exército que ele trocara as bolinhas de gude por um par de dados… mas a julgar pelo quão bem se saiu, acho que ele já devia saber algumas coisas quando entrou. Ele era bom no pôquer, melhor no vinte-e-um. Apostava nos números toda semana, e ganhava de vez em quando, mas nunca prêmios grandes. Uma ou duas vezes por ano ele ia às pistas de corrida. Todo outono ele gostava de apostar no futebol americano universitário. Ele era bem bom em escolher os jogos, até eu ir para a faculdade… aí algum senso errôneo de lealdade o fez apostar na minha escola. Teria sido ótimo se eu estivesse na Notre Dame, mas, infelizmente, escolhi a Northwestern.

Ele apostava até em mim. Aprendi a jogar xadrez na sétima série, e no ensino médio eu já era bem bom. Certa noite, eu estava em casa, lendo a edição pirata em paperback da Ace de As Duas Torres, que acabara de sair. Eu estava esperando meio ano desde Sociedade, e eu era Sam e Frodo, no caminho para Cirith Ungol, quando o telefone tocou. Meu pai queria que eu fosse ao Bilmar jogar uma partida de xadrez. Tentei dizer a ele que estava lendo um livro, mas não havia discussão com meu pai. Então fui andando até o Bilmar, onde encontrei Smokey na sala dos fundos com um cara baixinho e careca, sem pernas. Jogamos uma partida de xadrez e eu ganhei, e depois disso achei que iria para casa, para As Duas Torres, mas não, o cara sem pernas insistiu em outra partida. Ganhei dessa vez também, e bem facilmente. Ele jogava melhor que meu pai, que sabia como as peças se moviam e não muito mais que isso, mas não era realmente bom. Ele achava que era, porém, e exigiu uma terceira partida. Então jogamos de novo. Meu pai me comprou umas Cocas, e eu esmaguei o homenzinho sem pernas, de novo, de novo e de novo, até que finalmente me cansei.

Quando estava indo embora, Smokey enfiou uma nota de vinte na minha mão. Minha semanada na época era de um dólar, cuja maior parte eu gastava em quadrinhos e livros duplos da Ace, então aquilo foi a sorte grande. Só mais tarde descobri que eu estava jogando por cinquenta dólares por partida. Meu pai gostava de dizer que tinha me ensinado a jogar xadrez, mas não era verdade. Ele tentou uma vez, mas perdeu a paciência tão rápido quanto quando tentou me fazer andar de bicicleta. Não, foi meu primo Richie que me ensinou xadrez. Aprendi pôquer sozinho na faculdade, junto com copas e bridge. Smokey nunca me ensinou sequer os dados… e o jogo de dados era o jogo dele, o que ele tinha jogado durante a guerra, em meio aos camelos e à carnificina.

Ele jogava bem o bastante para ganhar aquela safira gigante e os dez mil dólares que trouxera da Europa. Dez contos eram uma pequena fortuna em 1946. Meu pai poderia ter comprado uma casa legal com esse dinheiro. Poderia ter comprado um carro ótimo. Poderia ter comprado cinco carros. Poderia ter comprado uma casa e um carro. Poderia ter entrado em algum tipo de negócio. Poderia ter investido no mercado de ações, e nesse caso os dez mil dólares dele teriam virado alguns milhões a esta altura. Ao invés disso… bem… ele aproveitou. Mulheres, cerveja, boates, a pista de corrida. Ele se divertiu. Dez mil contos foram longe.

Smokey nunca teve carro. Nunca dirigiu. Ele sempre dizia que beber e dirigir não combinavam… e já que com certeza não ia parar de beber, ele pegava táxis. Quando minha mãe levava as crianças a algum lugar, todos pegávamos o ônibus. Se meu pai estava conosco, porém, todo mundo se espremia num táxi. Ele pegava táxis para todo lado. Minha história favorita sobre ele é desse período pós-guerra, quando ele estava cheio da grana. Ele ia levar uma namoradinha a uma boate em Nova York, e queria impressioná-la. Então ligou para dois táxis. Disse ao primeiro taxista o endereço e o mandou vazio. Aí, entrou no segundo táxi com a namoradinha e disse: “Siga aquele carro.”

Eu mesmo nunca vi esse lado dele. Ouvi essa história de minha mãe, que a ouvira dos amigos dele. Ela não era a mulher no segundo táxi, sinto em dizer.

Margaret e Smokey Martin
Margaret e Smokey, os pais de George. Fonte: GRRM, site oficial.

Na época em que Margaret Brady conheceu e se casou com Smokey Martin, ele já tinha torrado todos os dez mil dólares. Tudo o que ainda tinha de sua época de Exército era aquela safira gigante, que acabou no dedo de minha mãe.

Por mais que minha mãe adorasse aquela safira, suspeito que ela teria adorado uma casa ainda mais. Havia uma grande falta de moradia nos anos imediatamente seguintes à Segunda Guerra Mundial. Muitos soldados que voltavam não encontravam lugar para morar. Em dado momento, um cara chamado Levitt construiria Levittown, inventando assim os subúrbios e resolvendo o problema, mas Bayonne não tinha lugar para um subúrbio, a não ser que se contasse o fundo da Baía de Newark. Assim, quando meus pais se casaram, eles não tiveram escolha a não ser se mudar para a casa da mãe e da avó de Ray, a casa grande na esquina da 31st Street com a Broadway, onde ele crescera.

Foi ali que eu também comecei a crescer. A dona da casa era minha bisavó, a Vovó Jones, uma velha e severa matriarca de descendência alemã. Moramos lá até meus quatro anos, e voltávamos para visitar todo domingo por anos, depois que nos mudamos. A maioria das minhas memórias reais da casa são dessas visitas. A essa altura, a Vovó Jones estava de cama, mas isso não fazia dela nem um pouco menos temível.

Todo domingo, assim que chegávamos, minha irmã e eu éramos mandados marchando escada acima até o quarto da Vovó Jones, para contar a ela o que tínhamos aprendido na escola naquela semana, e ai de nós se tivéssemos esquecido alguma lição. Nenhum professor que tive na escola me dava metade do medo que a Vovó Jones causava deitada naquela grande cama de dossel.

A casa dela era enorme… ou pelo menos parecia enorme para a criança que eu era. As coisas são maiores quando se é pequeno. Três andares, mais um sótão e um porão. Tinha uma fornalha a carvão, então parte do porão era dedicada ao depósito de carvão. O caminhão de carvão passava mais ou menos uma vez por mês, descia uma calha pela janela do porão e nos abastecia. O carvão ribombava enquanto descia pela calha; podia-se ouvir por toda a casa. Havia uma sala de jantar formal, e uma cozinha enorme com um forno preto de ferro fundido. É possível que ele fosse a carvão também, não me lembro. Um alpendre nos fundos também, e um grande quintal cercado, onde eu brincava. No quintal havia outra construção que chamávamos de “o barracão”, mas quando o vejo no fundo de fotos antigas de família, parece mais um estábulo, para mim. Nunca houve cavalos, porém… isto é, a não ser que se conte o cavalo de vassoura que eu montava quando brincava de caubói.

Lotsa Guns GRRM
GRRM como o perigoso caubói “Lotsa Guns”. Fonte: GRRM, site oficial.

Foi no quintal que criei meu primeiro personagem. Acho que eu tinha uns três anos. A maioria dos caubóis tinham um revólver seis-tiros, mas alguns tinham dois, o que era mais legal. De alguma forma, descobri que ter três seria ainda melhor que dois, quatro seria melhor que três, e assim por diante. Em vez de brincar de ser Roy Rogers, ou Hopalong Cassidy ou Red Ryder, eu disse à minha mãe que era aquele famoso malfeitor, Lotsa Guns (algo como “Monty Diarmas”), que tinha armas nas botas, no chapéu de caubói, enfiadas no cinto e em todo lugar. Admito que a maioria de meus armamentos parecia de forma suspeita com gravetos… mas ei, eu não estaria aqui hoje sem uma imaginação vívida.

Sempre me perguntam quando comecei a escrever. Escrevo desde que consegui escrever, desde que aprendi a formar letras e palavras… mas antes disso, eu inventava histórias e as contava para as pessoas, como Lotsa Guns pode testemunhar.

Às vezes acho que a escrita é uma forma de loucura. No mínimo, elas são primas próximas. Sonhamos com terras e épocas que nunca existiram e gastamos metade das horas em que estamos acordados relatando conversas que nunca aconteceram entre pessoas que não existem. Tem que ser um pouco doido para achar que um graveto é uma arma. Fico pensando se a imaginação não nasce da necessidade, também. Eu tinha que inventar histórias e aventuras. Se eu não tivesse feito isso, o quintal teria sido muito solitário, só comigo e meus gravetos. Eu não tinha amigos ou colegas de brincadeira. Eu tinha uma mãe, uma avó, e uma bisavó e uma tia-avó, e todas liam histórias para mim desde muito novo. Algumas, pelo menos, eram histórias de Beatrix Potter, pelo que me lembro, sobre Pedro Coelho e seus parentes menos celebrados, Flopsy, Mopsy e Rabo-de-Algodão. Havia uma história especialmente aterrorizante, sobre uma doninha tentando comer os coelhos. Não sei dizer se foi Beatrix Potter ou algum outro autor de coelhos que escreveu essa, mas é dela que me lembro mais vividamente. A doninha me aterrorizava, mas era minha história favorita mesmo assim.

Além das histórias, eu também tinha um gato, um velho macho irlandês de uma orelha chamado Patsy, que aterrorizava o cachorro da vizinhança… e também teria dado cabo daquela doninha nojenta, sem dúvida. Quando eu tinha dois anos, ganhei uma irmãzinha, Darleen, mas ela não era muito divertida no começo, e depois a coisa principal que ela fazia era comer os pneus de borracha de todos os meus caminhões de brinquedo.

Eu não conhecia outras crianças da minha idade. A Broadway era a via principal de Bayonne, e, nos anos 1950, havia se tornado quase completamente comercial, da 5th Street à fronteira com Jersey City.

Não havia crianças da vizinhança com quem brincar pelo simples motivo de que não havia vizinhança. Nossa “vizinha” mais próxima era a Lavanderia Sunshine, na porta ao lado. A lavanderia era um prédio moderno com telhado plano, janelas de vidro laminado e as primeiras portas automáticas de Bayonne. Eu nunca me cansava de tentar enganar o olho elétrico, mas de alguma forma ele sempre me via.

Apesar de sermos uma ilha residencial em meio a um mar de lojas, vitrines e tabernas, a Vovó Jones se recusava a vendê-la. Ela era uma mulher teimosa, acostumada a fazer as coisas de seu próprio jeito, e ninguém a faria se mudar. Fora uma Gasman até se casar com George Jones, um capitão da polícia de Bayonne. Uma fotografia emoldurada do capitão, com aparência austera num uniforme da polícia, repousava na cômoda da Vovó Jones, mas isso é tudo o que eu jamais soube sobre ele. Ele foi o George que meu nome homenageou. O filho deles também se chamava George… mas na casa da Broadway, o pai falecido era sempre chamado de Capitão Jones, e o filho vivo chamado de Georgie Jones. Também havia uma filha, minha Vovó Grace, que se casou com um imigrante italiano chamado Louis Martin e teve primeiro minha Tia Gladys e depois meu pai. Quando eu apareci, Gladys havia se casado, se mudado, e constituído família própria, mas meu pai, sua mãe Grace, seu tio Georgie, a mãe deles, Vovó Jones, e a irmã mais nova da Vovó Jones, Tia Barbry, ainda estavam todos na casa da Broadway.

Meu avô não estava, porém. Embora Louis Martin só viesse a falecer quando eu estava na faculdade, ele era tido como morto no que dizia respeito a nossa família. A única memória que tenho do Vovô Louis é ele me jogando para o ar e me pegando na sala de jantar da casa da Broadway, durante uma de suas visitas infrequentes. Ele estava rindo e eu estava aterrorizado, pelo que me lembro. Louis nascera na Itália, mas viera para a América com o pai quando era muito novo, provavelmente da mesma idade que eu tinha quando ele me jogou para o ar. O nome da família era Massacola quando deixaram o Velho País, mas aqui mudou para Martin.

De acordo com todos os relatos, Louis era um homem vivo, bonito e charmoso, mas no folclore de nossa família ele era um canalha. Depois de ter dois filhos com minha avó Grace, ele a abandonou e fugiu com uma mulher mais nova. Não fugiu para muito longe, porém. O povo de Bayonne raramente deixa Bayonne, então Louis e sua nova senhora só se mudaram para uns vinte quarteirões acima e uns três para o lado. Supostamente eles viviam em algum lugar do Boulevard, para cima da 50th Street. Minha avó Grace era uma boa católica, então nunca concedeu o divórcio a Louis, mas isso não o impediu de ter vários filhos com a outra mulher. Não havia nenhum contato entre as duas famílias Martin, ou entre meu pai e meu avô. Na verdade, Smokey ficava bravo a qualquer menção do nome de seu pai.

Já que nunca tive a chance de perguntar o lado dele da história, realmente não sei por que Louis deixou Grace e abandonou os filhos, mas suspeito que ele estava fugindo da sogra, tanto quanto da esposa. Minha avó Grace era uma mulher doce, gentil e amável, mas a Vovó Jones era feita de algo mais rígido. A viúva do capitão geria aquela casa na Broadway com mão de ferro, tanto nas coisas grandes quanto nas pequenas. Vejamos o Natal, por exemplo. Minhas irmãs e eu nunca abríamos nossos presentes na manhã de Natal. Em vez disso, éramos acordados à meia-noite na Véspera de Natal para ganhar leite, biscoitos de açúcar e presentes. Era um costume alemão que os Gasmans tinham trazido do velho país, e mesmo assim a Vovó Jones com sucesso o impusera aos filhos, aos netos e aos bisnetos, se sobrepondo a protestos de três gerações de cônjuges não-alemães.

Em outras situações, a gestão dela era menos benigna. O filho dela, Georgie Jones, tinha problemas na escola quando menino. Hoje em dia, poderíamos dizer que ele tinha um transtorno de aprendizagem; na época, dizia-se que ele era “nervoso”. Vovó Jones o tirou da escola e o deixou em casa. Quando professores e supervisores apareceram, ela os mandou embora. Assim, Georgie nunca recebeu educação formal, o que o condenou a uma vida de dependência e empregos subalternos.

E havia também a questão da Tia Barbry, a irmã solteirona da Vovó Jones. Tia Barbry era uma mulher com passado. Em algum momento de sua juventude, ela havia se declarado independente e fugido com um homem. Um homem inadequado, ao que parece, já que ela logo retornou. Família é família, então Vovó Jones acolheu a irmã. Mas Barbry era uma mulher maculada, então pelo resto da vida não lhe era permitido comer com a família. Ela ajudava a preparar as refeições, mas enquanto o resto de nós comia na sala de jantar, ela comia sozinha na mesa da cozinha. Pelo que consigo calcular, foi assim por cinquenta anos.

Assim era a casa em que meu pai crescera, a casa de que seu próprio pai fugira. Smokey fugiu dela também, à sua maneira. Ele passava os dias trabalhando como empregado civil na base da Marinha. Depois do trabalho, ia para casa, jantava, e aí ia ao Whitey e ao Lefty’s do outro lado da rua, e bebia até a hora de ir dormir.

Naquela época, a legislação de Nova Jersey não permitia que mulheres fossem servidas em bares. Supostamente, isso era para proteger a honra do sexo frágil. Uma mulher ainda assim conseguia bebida, é claro. Ela podia comprar uma garrafa numa loja de bebidas e levar para casa, ou podia ir a um restaurante e pedir um drinque ou uma taça de vinho com a refeição. Ela não podia, porém, entrar numa taberna e sentar num banquinho. A maioria dos estabelecimentos driblava a lei incluindo uma sala dos fundos, em que comidas eram servidas… com bebidas. Na prática, isso significava que se tinha um bar escuro e enfumaçado, cheio de homens discutindo e bebendo e falando de esportes, e uma sala dos fundos igualmente enfumaçada, mas consideravelmente mais bem iluminada, onde todas as esposas e namoradas se sentavam, algumas delas com filhos, cuidando de suas cervejas e de seus drinques e comendo.

A comida em questão às vezes era hambúrgueres ou cachorros quentes, às vezes mariscos ou mexilhões, às vezes sanduíches frios… mas mais frequentemente era pizza. Eram chamadas de “tortas de bar”, pequenas, com bordas fininhas, levemente tostadas no fundo pelo forno, sem cobertura, a não ser molho, muçarela e um pouco de azeite. As melhores pizzas do mundo, na verdade; ainda sonho com elas.

Não havia tortas de bar no Whitey e no Lefty’s, porém. Não havia esposas ou namoradas, tampouco. Não havia sala dos fundos, só um longo e estreito bar com serragem no chão, onde nem esposa, nem mãe e nem avó podiam se intrometer. Se for descontado o tempo que ele passava dormindo, meu pai passava mais tempo lá do que em casa. Enquanto isso, minha mãe ficava em casa dia e noite, com a sogra, a mãe da sogra, a tia da sogra e Georgie Jones. Seria alguma surpresa que ela sonhasse em ter um lugar próprio?

Ela finalmente conseguiu em 1953. Foi quando deixamos a casa na Broadway, de mudança para os recém-construídos conjuntos habitacionais de baixa-renda lá em baixo na 1st Street, perto do Kill Van Kull.

Vocês todos sabem como são os conjuntos, tenho certeza. Já leram as matérias sobre os Cabrini-Green de Chicago, viram o que acontece nas torres de Baltimore em The Wire, da HBO. Arranha-céus sombrios e gigantescos, feitos de tijolos e vidro e aço, cercados de asfalto e concreto, infestados de ratos e viciados e gângsteres, as paredes marcadas com pichações, os corredores escuros e fedendo a urina, os elevadores quebrados. Com frequência, os conjuntos foram condenados a ser “depósitos de pobres”. A vida não vale muito nos conjuntos, e cada dia é uma batalha para sobreviver. E eu vivi lá por quatorze anos.

GRRM Projects
Os conjuntos habitacionais onde George viveu na infância. Aqui, uma vista atual deles. Foto: GRRM, site oficial.

É claro, os meus conjuntos não eram nada disso.

Eles eram novinhos, para começar, tão novos que a autoridade residencial ainda estava plantando as árvores e fazendo paisagismo quando nos mudamos. Ninguém nunca tinha morado em nosso apartamento antes, a pintura estava toda nova, o forno e a geladeira eram novinhos e nenhum deles era a carvão. Os prédios nem eram arranha-céus. Tinham três andares cada um, seis apartamentos por andar, dezoito em cada prédio. Os prédios foram construídos em blocos de três, cada um com o próprio parquinho, com escorregador e tambores e um tanque de areia. Havia três blocos no total, e entre eles um grande pátio aberto, com aros de basquete, chuveiro e piscininha infantil para o verão, e um varal em que todas as mães penduravam as roupas lavadas para secar. O total preenchia um quarteirão quadrado, entre a 1st Street e a 2nd Street, e a Lord e a Lexington.

Na verdade, eram apartamentos bem legais… tão legais, na verdade, que as pessoas fizeram tumulto para entrar. Os conjuntos foram idealizados para pobres trabalhadores, o que significava, por um lado, que não havia famílias que viviam de assistência social, e por outro, que não havia ninguém que ganhasse muito dinheiro, mas ainda assim havia uma fila de espera antes mesmo de as obras começarem. Quando os apartamentos ficaram prontos para os inquilinos, a fila era de anos. Nós estávamos entre os sortudos que conseguiram um apartamento, embora eu não tenha certeza do quanto foi realmente sorte. As famílias com filhos tinham prioridade, e veteranos tinham prioridade, e tínhamos as duas coisas do nosso lado. E as pessoas que conheciam os políticos locais tinham a maior prioridade de todas. Mencionei que minha mãe era irlandesa?

Nosso novo endereço era o nº 35 do lado leste da First Street. No começo nosso apartamento era o 114, que tinha dois quartos; depois, quando minha irmã Janet nasceu, mudamos para duas portas adiante, no apartamento 116, que tinha três quartos, e ganhei um quarto próprio. Mas o nº 35 do lado leste da First Street continuou sendo minha casa até eu ir para a faculdade, quatorze anos depois. Era um bom endereço, e uma localização ainda melhor. Nosso primeiro apartamento só tinha vista para o pátio dos fundos, mas quando nos mudamos para o 116, nossas janelas se abriam para a 1st Street, com o cais e o parque, e o Kill Van Kull e a Staten Island. Era o mais bem situado dos nove prédios que formavam os LaTourette Gardens.

Esse era o nome oficial do nosso complexo de apartamentos. Ninguém os chamava de qualquer coisa que não “os conjuntos”, vejam bem, mas oficialmente eles eram os LaTourette Gardens. Haviam sido construídos no local onde antes ficava o Hotel LaTourette. E logo do outro lado da rua, a menos de dez metros de nossa porta, estava o Cais Municipal de Bayonne… conhecido em dias antigos como o Cais Brady. O cais ainda estava em uso, embora não para descarregar materiais de construção. Barcos de pesca esportiva o usavam nos finais de semana, partindo ao nascer do sol e retornando quando ele se punha. Durante os verões, grandes barcos a vapor de excursão partiam dali para a Rockaway Beach. Uma ou duas vezes por verão, minha mãe nos levava em um desses barcos, para um dia de passeio pelo Atlântico e pelos brinquedos no grande parque de diversões de Rockaway. Eu teria ido toda semana se pudesse, mas raramente tínhamos condições.

Os participantes da excursão sempre faziam fila cedo ao longo da First Street, para poder pegar os melhores assentos no barco, quando o embarque começasse. Nos finais de semana em que não estávamos velejando — isto é, a maioria dos finais de semana — eu montava uma barraca de limonada para vender bebidas. É claro, eu não sabia fazer limonada, então vendia Ki-Suco. Às vezes minha irmã Darleen ajudava. Era sempre um dia empolgante para nós, crianças, quando um dos vapores de excursão partia para Rockaway, com as multidões fazendo fila ao longo da rua e o grande barco de três conveses amarrado ao cais. Era ainda mais empolgante quando ele se soltava, com as bandeiras tremulando, música tocando e todos os passageiros em pé nos parapeitos, acenando. Ainda assim, eu também sempre ficava triste. Eu queria estar no barco, não ficar para trás na costa com minha irmã e meio jarro de Ki-Suco.

A First Street também oferecia outras atrações empolgantes. Para começar, havia outras crianças. Muitas outras crianças. Era a época do Baby Boom, e, como eu disse, famílias com filhos tinham tido preferência quando os conjuntos abriram. Havia crianças em todo lugar — crianças mais novas, crianças mais velhas, crianças da minha idade, bebês de colo, bebês começando a andar, adolescentes. Para um menino cujo melhor amigo era o olho elétrico na Lavanderia Sunshine, acostumar-se com isso levou um tempo. Quatro anos sozinho no quintal haviam me tornado tímido de doer, mas fiz alguns amigos no final das contas. Gregory La-Bruno, Skipper Baker, Billy Martin, que tinha o mesmo sobrenome que eu, mas não era parente… e não, não era o técnico dos Yankees também. Mark Shapiro, do andar de cima, que virou estrela de TV. Ele e a família eram os únicos judeus nos conjuntos, perdidos num mar de católicos. Bobby Strydio, o menino forte do outro lado do corredor, que virou meu melhor amigo e protetor. Ninguém queria mexer com um Strydio. Bobby tinha dois irmãos mais velhos que eram ainda maiores e mais fortes do que ele.

Esses meninos dos conjuntos foram meu primeiro público. Já contei várias vezes a história de como escrevia histórias de monstros e as vendia para os outros meninos dos conjuntos por alguns trocados, com leitura dramática e tudo.

Isso foi alguns anos depois, porém.

Lotsa Guns não conhecia muitas brincadeiras boas, mas os outros meninos conheciam. Brincávamos de pique-pega, ringolévio e pique-esconde. Brincávamos de estátua e “o mestre mandou”. Jogávamos beisebol de rua. Esse poste era a primeira base, a árvore a segunda, e aquele Studebaker lá era a terceira.

Uma brincadeira que me ensinaram quase me matou. Foi o “Rei da Colina“. Todos vocês conhecem a brincadeira, tenho certeza. Bem simples. Uma criança fica em cima de uma colina e a defende de todas as outras. Elas tentam te puxar pra baixo e tomar seu lugar, e você tenta empurrá-las antes que elas cheguem ao topo.

No entanto, não tínhamos colinas perto dos conjuntos, então usávamos carros estacionados, subindo nos capôs e nos para-brisas e empurrando uns aos outros do teto para o asfalto. Quando se tem seis ou sete anos, o teto de um Plymouth 1947 é uma altura bem grande. Enfim, minha mãe me dissera meia dúzia de vezes que não queria que eu subisse em carros, mas todas as outras crianças estavam subindo, e eu não escutei. Foi aí que meu pai entrou. Nunca subi em outro carro de novo, e também não consegui sentar durante algum tempo.

Essa foi a única vez que me lembro de Smokey me bater. Na maior parte do tempo ele simplesmente me ignorava. Ele estava lá todo dia, por todos aqueles anos em que eu crescia, mas nunca dizia muita coisa. Ele vinha para casa das docas, jantava, assistia um pouco de televisão e ia para o bar da esquina. Ficava lá até fechar, vinha para casa e ia para a cama. No dia seguinte, acordava e fazia tudo de novo. Consigo me lembrar de como ele colocava ketchup no purê de batatas e o amassava até ficar rosado, mas podem me enterrar se eu conseguir me lembrar de qualquer conversa dele durante as refeições. De tempos em tempos ele resmungava sobre o horário, chamava alguém de “pé no saco” ou mandava algum de nós, filhos, ficar quieto e comer, mas era só isso.

Nunca fiquei sabendo que meu pai tivesse lido um livro. Ele lia o jornal, embora mais as páginas de esportes. Torcia pelos Brooklyn Dodgers, e odiava os Yankees com muita força, e peguei isso dele… embora mais tarde eu tenha trocado os Dodgers pelos Mets. No futebol americano, era grande fã do Johnny Unitas, apesar de ele ter derrotado os New York Giants no “Maior Jogo Já Jogado“. Unitas era o maior quarterback que já jogou, meu pai sempre dizia. Eu gostava do Johnny U também, mas nos anos sessenta, como ato de rebeldia, virei torcedor dos Jets e comecei a dizer que Joe Namath era melhor que o Unitas. Meu pai achava que a AFL era uma piada, até o SuperBowl III. Quando Broadway Joe derrotou Johnny U, naquele dia não foi só a AFL que levou a melhor sobre a NFL, eu levei a melhor sobre meu pai.

Estávamos nos conjuntos só há um ano ou dois quando Smokey perdeu o emprego. Ele era empregado civil na base, mas houve cortes durante a recessão de Eisenhower, e ele foi dispensado. Então ficou mais ou menos um ano desempregado, antes de entrar no sindicato dos estivadores.

Ele trabalhou como estivador pelo resto da vida. Nos primeiros anos, ele acordava com a alvorada todos os dias para se ajeitar nas docas. “Se ajeitar” era o que se tinha que fazer, quando ainda não se era veterano e não se estava numa turma — aparecer lá todo dia, esperando que houvesse navios suficientes chegando para conseguir algumas horas de trabalho. Na maior parte dos dias, ele voltava para casa às dez. Quando eu estava no ensino médio, ele estava numa turma, trabalhando regularmente e ganhando um bom dinheiro, mas aqueles primeiros anos foram duros.

Para todos nós. Éramos pobres, sem dúvida. E esse fato me bateu bem forte quando comecei a ir à escola. Por mais legais que meus conjuntos fossem, se comparados aos horrores de um Cabrini-Green, o pessoal dos bairros ao redor não ficou exatamente entusiasmado com a construção deles. A maioria deles vivia em residências que só tinham uma família, afinal de contas. Não me lembro de nenhuma discriminação evidente… mas de alguma forma, todos nós, crianças dos conjuntos, sentíamos que éramos… bom, de certa forma não tão bons quanto as crianças normais de nossas turmas.

Formatura de GRRM na Escola Mary Jane Donohoe
A formatura de GRRM na Escola Mary Jane Donohoe. A Casa Westerling, de As Crônicas de Gelo e Fogo, herdou o lema da escola: “Honra, não Honras”. Fonte: GRRM, site oficial.

A St. Andrew era a escola primária mais próxima dos conjuntos — nós as chamávamos de “escolas de gramática” — mas Bayonne era tão católica que as escolas paroquiais tinham turmas duas ou três vezes maiores do que as das escolas públicas. Minha mãe me mandou para a número 4, a Escola Mary Jane Donohoe, concluindo que eu teria uma educação melhor em uma turma menor. O raciocínio dela não caiu bem com o padre da paróquia, que veio lhe dizer que ela iria para o inferno, a menos que eu fosse imediatamente matriculado na St. Andrew. Quando Smokey ficou sabendo disso, ameaçou socar o padre se ele voltasse lá de novo.

A MJD ficava só a quatro quarteirões curtos de distância, então assim que tive idade ia para a escola todo dia, direto da 1st para a 5st, ao longo da Lord Avenue… um nome do qual eu gostava quase tanto quanto “Old Gold”, por alguma razão. A melhor parte da caminhada era o quarteirão entre a 3rd e a 4th Street. Só aquele quarteirão era margeado por árvores, e as calçadas eram de ardósia em vez de cimento. Sempre havia bolotas no chão, e esquilos fazendo barulhinhos nas árvores, e o cheiro de folhas queimando todo outono. As casas entre a 3rd e a 4th eram mais velhas e maiores do que aquelas entre a 4th e a 5th, ou a 2nd e a 3rd… e uma delas, logo descobri, era a antiga casa Brady.

A casa em que minha mãe crescera… a casa que o pai dela, Thomas, construíra… a casa em que o irmão dela, Jimmy, vivera, o irmão com poliomielite, que construiu um dos primeiros aparelhos de rádio de Bayonne e tinha um canário de estimação que empoleirava em seu ombro… a casa onde outro irmão, Tommy, morrera de infecção generalizada, decorrente de um furúnculo que pegara nadando nas águas poluídas do Kill Van Kull… a casa Brady. Mas claro que não era. Outras pessoas viviam lá agora, pessoas que não conhecíamos.

Eu passava por aquela casa duas vezes por dia, cinco dias por semana, durante nove anos. E toda vez que eu pisava fora de casa, via o cais do outro lado da rua. O cais era cercado por um alambrado, mas às vezes meus amigos e eu passávamos por cima dele. Do cais, era mais fácil chegar às pedras oleosas ao longo da costa, quando a maré estava baixa. Havia um vigia no cais, porém, e quando eles nos via, saía de seu barracão e gritava para nós. “Saiam daqui, seus moleques”, berrava. “Vocês não têm nada aqui.” Tenho, sim, parte de mim sempre queria gritar de volta, você é que não tem, meu bisavô CONSTRUIU esse cais. Eu era um menino tímido, porém, então nunca disse uma palavra.

Há algo em mim que adora um pôr-do-sol, e o considera de alguma forma muito mais tocante do que um nascer-do-sol. O crepúsculo é meu período favorito do dia, e o outono é minha época favorita do ano. Entre os meus poemas favoritos estão “Ozymandias“, de Shelley, e “So, we’ll go no more a roving” (“Assim, não mais vaguearemos”), de Lord Byron. Usei um deles num episódio de A Bela e a Fera, e o outro em meu romance Sonho Febril. O título original de meu primeiro romance era Depois do Festival, e ele era ambientado num planeta errante, que tinha gozado de um breve e brilhante momento ao sol e agora vagava de volta para a noite eterna. A série de fantasia que estou escrevendo atualmente inclui uma rainha exilada que sonha em reconquistar o trono que o pai perdeu, e uma família espalhada ao vento depois que seu lar ancestral foi saqueado e tomado deles.

Fico me perguntando de onde tirei todas essas… essas… bom, “coisas estranhas”, como meu pai dizia. Terror, ficção científica, fantasia, eram todas “coisas estranhas” para o Smokey. Ele gostava de faroestes, qualquer coisa com o John Wayne, e nunca entendeu os tipos de programas de que eu gostava. Morreu em 1975, de cirrose do fígado. No mesmo ano em que ganhei meu primeiro Hugo. Até onde sei, ele nunca leu uma palavra que escrevi.

GRRM Santa Claus
George e sua irmã Darleen com Papai Noel. Fonte: GRRM, site oficial.

O primeiro conselho que dão em qualquer curso de escrita é “Escreva o que você conhece.” Quando eu estava começando, eu odiava esse conselho. Escrever o que conheço? Eu queria escrever sobre dragões e castelos e espaçonaves e alienígenas e planetas distantes. Bom, eu nunca tinha visto um dragão. Os conjuntos sequer nos permitiam ter cachorros e gatos. Eu tinha que me virar com periquitos, peixinhos, e muitas tartarugas baratas. O mais perto que cheguei de andar em uma espaçonave foi o banco de trás de um táxi. Nunca tinha andado de avião até meu ano de calouro na Northwestern. Quanto a esses planetas distantes… diabos, Nova York poderia muito bem ser um planeta alienígena para nós. O centro de Manhattan ficava só a quarenta e cinco minutos de ônibus, mas íamos à cidade uma vez por ano, no máximo, para ver o Papai Noel na Macy’s e comer numa automat. Todo verão fazíamos uma ou duas viagens a Rockaway Beach nos barcos de excursão. Fora isso, nunca saíamos de Bayonne.

Mas eu podia ficar sentado no meu apartamento e olhar pela janela. Dia e noite, os cargueiros passavam, indo e vindo do Porto de Newark, ostentando as bandeiras da França, da Noruega, da Libéria e de metade das outras nações da terra. Eu tinha um grande livro de bandeiras que usava para consultar, quando os navios passavam ao longo do Kill Van Kull. E depois que escurecia, as luzes brilhavam pelas águas do Kill Van Kull. Era só Staten Island, mas para mim eram Xangai e Paris, Timbuctu e Kalamazoo, Portomarte e Trantor, e todos os lugares aos quais eu nunca tinha ido e nunca podia esperar ir. Às vezes eu saía e deitava na grama, olhando para além dos telhados, para as estrelas distantes. Sabia os nomes de algumas delas, Rígel e Sírio e Polar, Deneb e Altair e Vega. Mas eu certamente nunca estivera lá. Eu nunca estivera em lugar nenhum.

Bayonne e Kill Van Kull
Bayonne, a ponte sobre o Kill Van Kull, e Staten Island do outro lado (1968). Foto: HAER. Fonte: Biblioteca do Congresso Americano.

Escreva o que você conhece? Eu não conhecia nada a não ser Bayonne. Tive que ignorar esse conselho, ou nunca teria conseguido escrever nada. Anos e anos depois, quando Wild Cards surgiu, eu usaria Bayonne e o nº 35 do lado leste da First Street para dar forma a um personagem chamado Thomas Tudbury, também conhecido como o Grande e Poderoso Tartaruga. “Sim,” eu admitia timidamente quando perguntado, “Sou Tom Tudbury, só que sem a telecinese fodona.”

E é verdade, e é falso.

Tommy sou eu… mas não mais que todos os outros. Robb sou eu em Uma Canção Para Lya, como Dirk sou eu em A Morte da Luz… embora tanto Arkin Ruark quanto Jaan Antony sejam eu nesse também. Abner Marsh sou eu, como seu orgulhoso vapor Sonho Febril é o barco da excursão para Far Rockaway, só que os passageiros bebem sangue em vez de Ki-Suco. Sandy Blair sou eu na faculdade de jornalismo, Peter Norten sou eu no clube de xadrez, Kenny Dorchester sou eu tentando perder peso. Holt em A Cidade de Pedra, ele é o menino deitado na grama, olhando as estrelas distantes. Trager sou eu em uma noite escura da alma, sangrando veneno de três feridas chamadas Josie, Laurel e Rita. Há parte de mim em Jon Snow, e em Sam Tarly. Nas mulheres também, Lyanna e Sharra, e nas meninas, Arya e Adara… Daenerys Nascida-da-Tormenta, buscando aquela casa da porta vermelha. E Tyrion Lannister? Ah, sim. O Duende sou eu demais, o safadinho.

Escreva o que você conhece, dizem. Bom, é só isso que qualquer um de nós sempre faz. Nunca deixem que alguém diga o contrário.

William Faulkner disse que só o problema do coração humano em conflito consigo mesmo pode resultar em boa escrita, porque é só sobre que isso vale a pena escrever, só isso vale a agonia e o suor.

E Robert Bloch falou sobre o coração também. Ele disse que tinha o coração de um menininho. Ele o guardava num pote, em cima da escrivaninha.

Tenho o coração de um menininho também… mas o meu ainda está aqui, para o bem ou para o mal. Não tenho filhos, mas tenho uma centena de filhos… e fui criança também, ainda ontem… e me lembro.

Obrigado.

 

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George R. R. Martin fala sobre Daemon, seu Targaryen favorito https://www.geloefogo.com/2018/11/george-r-r-martin-fala-sobre-daemon-seu-targaryen-favorito.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=george-r-r-martin-fala-sobre-daemon-seu-targaryen-favorito https://www.geloefogo.com/2018/11/george-r-r-martin-fala-sobre-daemon-seu-targaryen-favorito.html#comments Thu, 01 Nov 2018 17:20:43 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=103396 Com a iminente publicação do livro Fogo & Sangue, em 20 de novembro, os perfis de George R. R. Martin nas […]

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Com a iminente publicação do livro Fogo & Sangue, em 20 de novembro, os perfis de George R. R. Martin nas redes sociais (Twitter e Facebook) iniciaram uma ação para falar sobre a Casa Targaryen às quintas-feiras, chamada de #TargaryenThursdays. Na primeira edição, de hoje (1º), foi publicado um vídeo em que George fala sobre seu Targaryen favorito.

O personagem é o controverso Daemon Targaryen, titular do conto The Rogue Prince (Príncipe de Westeros), que também estará no livro Fogo & Sangue. Abaixo o vídeo, e a seguir nossa transcrição da fala de Martin, traduzida para o português:

Sabe, sou famoso por meu amor por personagens cinza, e um dos maiores personagens em toda a história de Westeros é Daemon Targaryen, o Príncipe Velhaco. Pegamos uma das notas laterais e fizemos com ela uma história separada, O Príncipe de Westeros.
O Príncipe Daemon é o irmão mais novo do Rei Viserys I. Por um tempo ele foi o herdeiro do Trono, quando Viserys não tinha filhos, e então Viserys começou a ter filhos, e ele parou de ser o herdeiro do Trono. Ele é um notório bad boy, um velhaco em todos os sentidos da palavra. Ele era rival da irmã (sic) de Viserys, e sua própria sobrinha, Rhaenyra, e mais tarde ele se tornou o marido de Rhaenyra . Ele mudou de lado várias vezes, nunca se sabe em que lado ele vai ficar, ele é um personagem bem pitoresco e imprevisível, e acho que ele tem que ficar no topo. Ele é meu favorito, mas o livro está cheio do que espero que sejam personagem interessantes.

George acabou cometendo um pequeno lapso ao se referir a Rhaenyra como irmã de Viserys, e não sua filha (que é o parentesco correto), mas deixa bem claros os motivos pelos quais gosta de Daemon: a imprevisibilide e o fato de ser “cinza”. Quais serão os temas das próximas #TargaryenThursdays?


Fogo & Sangue, livro sobre a história da Casa Targaryen em Westeros, tem lançamento no Brasil no dia 20 de novembro, pela editora Suma. O livro pode ser adquirido aqui.

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George R. R. Martin 70 anos: 70 fatos sobre o autor https://www.geloefogo.com/2018/09/george-r-r-martin-70-anos-70-fatos-sobre-o-autor.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=george-r-r-martin-70-anos-70-fatos-sobre-o-autor https://www.geloefogo.com/2018/09/george-r-r-martin-70-anos-70-fatos-sobre-o-autor.html#comments Thu, 20 Sep 2018 16:59:36 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=99135 George R. R. Martin completa 70 anos de idade hoje. Para comemorar a data, a equipe do Gelo & Fogo preparou […]

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George R. R. Martin aniversário
George abre um presente de aniversário. Fonte: Twitter do autor.

George R. R. Martin completa 70 anos de idade hoje. Para comemorar a data, a equipe do Gelo & Fogo preparou uma pequena espécie de homenagem a esse autor que tanto influencia em nossas vidas.

Nosso “presente” é uma lista com 70 fatos e curiosidades sobre a vida e a obra de Martin – que vai muito além de As Crônicas de Gelo e FogoGame of Thrones.

O post foi feito a quatro mãos, por Ana Carol Alves, Arthur Maia, Rayane Molinario e Felipe Bini.

  1. George nasceu em Bayonne, Nova Jersey, em 1948. A família – pai Raymond, mãe Margaret, e duas irmãs mais novas, Darleen e Janet – vivia em uma casa de três quartos nos projetos habitacionais de baixa renda da cidade. Eles não tinham carro e nunca viajavam nas férias.
  2. Quando nasceu, George foi batizado como George Raymond Martin. O segundo “R”, para Richard, foi adicionado como nome de crisma, aos 13 anos.
  3. O pai de Martin era de descendência italiana e sua mãe era meio irlandesa. Raymond era estivador por profissão, e George passou boa parte da infância observando o tráfego marítimo local nas docas de Bayonne. Essas memórias inspiraram sua história Night Shift.
  4. George R. R. Martin San Diego Comic Con 2014
    George R. R. Martin com um pin de tartaruga em seu boné. Foto: Gage Skidmore. Wikimedia Commons.
    Na infância, Martin teve diversas tartarugas de estimação, que viviam em um castelo de lata. Elas eram os “reis, cavaleiros e príncipes” do mundo que inventava sobre elas. George diz que o personagem que mais se parece consigo é O Grande e Poderoso Tartaruga, de Wild Cards, e usa frequentemente um “pin” de tartaruga em seus bonés ou seus ternos.
  5. Seu pai não tinha o costume de ler (ele gostava de assistir futebol americano e outros esportes, uma paixão compartilhada com George) e sua mãe ocasionalmente comprava bestsellers, e lia livros de Beatrix Potter para ele na infância. Há uma história sobre uma doninha que sua mãe lia, e que ele se lembra de sentir muito medo, aos três anos de idade.
  6. Martin escrevia e vendia histórias para outras crianças da vizinhança. Encerrou seus negócios quando suas histórias começaram a assustar as crianças locais, o que levou as mães de seus amigos a reclamarem com os pais de Martin.
  7. Suas fantasias favoritas de Halloween eram sempre de fantasmas e monstros. Ele gostava muito mais de se sentir assustador do que se vestir de caubói ou palhaço.
  8. Ele sempre foi um grande fã da Marvel e da DC Comics quando criança, e tornou-se um membro ativo do fandom pré-Internet, contribuindo para fanzines e clubes de correspondência.
  9. Entre os primeiros correspondentes de George esteve Howard Waldrop, que também, além de amigo de Martin, se tornou um premiado autor de ficção científica.
  10. Carta de GRRM na “Fantastic Four” número 20, em 1963. Reprodução.
    George escreveu várias cartas que foram publicadas em HQs da Marvel. A primeira delas, na edição número 20 de Fantastic Four, em 1963. Martin já encontrou Stan Lee várias vezes em convenções, mas diz que Lee nunca se lembra de quem ele é.
  11. Martin diz ter sido o primeiro na fila para a primeira Comicon de Nova York – a primeira convenção de quadrinhos da história, que contou com aproximadamente 100 pessoas.
  12. Martin teve uma longa amizade com o falecido quadrinista Len Wein (co-criador de personagens como o Monstro do Pântano para a DC e de alguns dos mais populares X-Men, como Wolverine, Tempestade, Noturno e Colossus, para a Marvel Comics).
  13. Sua música favorita é The Pilgrim, Chapter 33, de Kris Kristofferson, e sua banda favorita é o Grateful Dead.
  14. A cor favorita de Martin é púrpura, e sua estação do ano favorita é o outono.
  15. Ele odeia a época do Natal, e explicou que é o feriado que mais o deixa estressado, pois sempre está tentando finalizar algum roteiro, história ou romance que prometeu a alguém “até o final do ano”.
  16. Embora diga que gosta de todos os seus “filhos”, o personagem favorito de Martin em As Crônicas de Gelo e Fogo é Tyrion, mas ele já disse que provavelmente se parece mais com Sam, e que gostaria de ser como Jon Snow.
  17. George também diz que Tyrion é o personagem mais fácil de escrever, enquanto os mais difíceis são Bran Stark e Daenerys Targaryen.
  18. GRRM torce para os New York Giants e New York Jets na NFL. Na MLB, ele torce pelos New York Mets.
  19. Graduou-se e completou um título de mestre em jornalismo pela Northwestern University, no Illinois, em 1971. Também deu aulas de jornalismo na Clarke University, em Iowa, na segunda metade da década de 1970.
  20. GRRM se tornou um escritor em tempo integral no final da década de 1970, após a morte repentina de seu amigo Tom Reamy, que acabara de iniciar sua carreira de escritor. George decidiu sair de Iowa e se mudar para Santa Fe, onde vive até hoje.
  21. Seu blog pessoal foi criado em 2005, e chama-se Not a Blog. Segundo GRRM, ele não teria tempo de alimentar um blog com frequência e relatar os passos de seu dia-a-dia (que era o que as pessoas faziam em blogs na época), por isso resolveu batizá-lo com esse nome.
  22. George R. R. Martin e Parris McBride
    O casamento de Parris e George, em 2011. Fonte: blog do autor.
    Conheceu Parris McBride, sua esposa, em 1975, em uma convenção em Nashville. Encontrou-a novamente nos anos 80, após se divorciar, e estão juntos até hoje. George e Parris se casaram em fevereiro de 2011, em uma cerimônia na sala de estar de sua casa, onde trocaram anéis celtas (e deram uma festa na Worldcon do mesmo ano).
  23. O casal se identifica como “acumuladores“: eles possuem uma casa anexo na mesma rua, apelidada de “Armazém”. Dois quartos são para George, o terceiro é para os figurinos de O Senhor dos Anéis de Parris.
  24. No Armazém, também funciona o escritório. Lá, GRRM ostenta uma torre de biblioteca com sua coleção de livros, que tem um conjunto de vitrais com emblemas de cinco Casas de Westeros. Martin também coleciona miniaturas de fantasia, e o Armazém é repleto de peças do gênero.
  25. Um das comidas favoritas de George é a mexicana, e ele já se revelou um pouco esnobe quanto à especialiade: diz que a do Novo México é a melhor de todas as variedades.
  26. A primeira turnê de A Guerra dos Tronos, em dez cidades americanas, foi um fiasco. Na maioria dos locais, as sessões de leitura e autógrafos não chegaram a cem pessoas. Na sessão de St. Louis, não só ninguém apareceu como quatro pessoas que estavam na livraria foram embora.
  27. George conta que costumava responder a todas as cartas de fãs, nos dias em que os leitores ainda enviavam cartas aos cuidados dos editores. Hoje, a quantidade de e-mails e cartas que recebe vão muito além da sua capacidade de mantê-las, mas ele ainda tenta ler todos os emails que recebe, mesmo quando não consegue respondê-los.
  28. Martin não gosta de viajar de avião. Ele não gosta dos sistemas de segurança de vôos, por causa dos protocolos que são sempre invasivos, com buscas, interrogatórios e outras dificuldades.
  29. No entanto, ele adora viajar de carro. Ele acha que viagens de carro são especialmente boas se você puder utilizar rotas e estradas alternativas. Parando para comer em pequenos restaurantes, bebendo em pequenas cidades, e visitando atrações da estrada (quanto mais estranhas, melhor).
  30. GRRM e seu Tesla
    GRRM e seu Tesla Modelo S púrpura customizado. Fonte: blog do autor.
    George dirige um Tesla Modelo S personalizado com a cor púrpura. Mesmo assim, ele ainda tem seu antigo Mazda RX-7.
  31. GRRM chama seus assistentes carinhosamente de minions. Hoje, cinco pessoas trabalham com George em sua casa, e a ocupação principal delas é garantir que o mínimo de interferência externa chegue a ele, para que ele possa escrever.
  32. Ele escreve seus livros apenas quando está em casa, e já disse que trabalha melhor pela manhã. Não escreve quando viaja, em quartos de hotel ou em aviões. Ele usa um antigo processador de texto, o Wordstar, que roda em DOS (mas em um computador moderno).
  33. Quando escreve, George começa lendo o trabalho do dia anterior, e reescreve conforme o fluxo. Ele tem os arquivos em seu computador e pedaços de papel ao redor de sua sala de estudo para lembrá-lo das biografias dos personagens, eventos e lugares históricos. Ele admite que é um escritor lento e que seu processo consiste em reescritas.
  34. Martin teve um breve envolvimento amoroso com a escritora Lisa Tuttle no início da década de 70. O término desse relacionamento inspirou a história Esta Torre de Cinzas.
  35. George foi casado com Gale Burnick, de 1975 a 1979, quando morava em Chicago e Dubuque.
  36. GRRM foi um objetor de consciência da Guerra do Vietnã, e realizou dois anos de serviço alternativo. Já disse, porém, que teria combatido com satisfação os nazistas na Segunda Guerra Mundial.
  37. Ele já admitiu que é fascinado por histórias de guerra. Ele entende que no passado a literatura era usada para celebrar a glória da guerra e, depois a geração hippie dos anos 1970 escreveu sobre a feiúra dela. George acredita que há verdade em ambas – uma ideia bastante estabelecida em seus romances.
  38. Ele é declaradamente um liberal americano. Ainda assim, diz que sempre busca ler textos de pessoas que pensam diferente dele nestes assuntos, para desafiar suas próprias opiniões e preconceitos.
  39. Sobre política no ramo da literatura, Martin defende medidas de inclusão em eventos literários, para que criadoras e criadores de variadas origens e culturas e gêneros tenham destaque em premiações do ramo e fomentem a indústria com ideias plurais. Ele também é bastante expressivo contra escritores misóginos, homofóbicos e racistas.
  40. George R. R. Martin e Maisie Williams
    George R. R. Martin e Maisie Williams no Jean Cocteau Cinema, em 2014. Fonte: blog do autor.
    George adquiriu e renovou um cinema histórico em Santa Fe, o Jean Cocteau. Quando houve uma polêmica sobre a exibição de A Entrevista nos cinemas americanos, ele se manifestou publicamente dizendo que o Jean Cocteau exibiria o filme.
  41. George é o terceiro escritor mais poderoso de Hollywood, segundo o Hollywood Reporter. Embora George tenha dito que isso significa menos do que parece, a Forbes estima que ele ganhe cerca de US$ 15 milhões por ano.
  42. Devido às baixas vendas de seu quarto romance, The Armageddon Rag, em 1983, Martin precisou abandonar seu quinto romance, Black and White and Red All Over. Ele então passou a trabalhar em Hollywood.
  43. Ele trabalhou durante quase uma década em Hollywood. Na primeira metade, escreveu episódios para The Twilight ZoneMax Headroom e Beauty and the Beast. Com o passar do tempo, especializou-se no desenvolvimento de pilotos, mas a rejeição constante de seus projetos o fez desistir da carreira.
  44. Ele criou duas séries de TV que foram rejeitadas pouco antes de irem ao ar: Doorways, no começo dos anos 90, e Starport, na segunda metade da década. Foi o cancelamento de Doorways que levou o autor a voltar a escrever A Guerra dos Tronos, em 1993.
  45. Martin não é favorável a fanfics. Além de considerar violação de direitos autorais, acredita que criar histórias usando personagens de outros autores não contribui para o desenvolvimento de um escritor.
  46. Entre seus livros favoritos, estão O Senhor dos AnéisO Grande GatsbyArdil-22 e The Prince of Tides.
  47. Entre seus filmes favoritos, estão Guerra dos Mundos (a versão original), O Gigante de Ferro e Planeta Proibido (que ele considera o melhor filme de ficção científica já feito).
  48. Entre suas séries de TV favoritas, estão Família Soprano, Deadwood, Roma, Mad MenBreaking BadI, Claudius.
  49. George R. R. Martin no piloto de Game of Thrones
    George R. R. Martin como um pentoshi, no piloto de Game of Thrones. Fonte: Westeros.org.
    Martin gravou uma ponta como um convidado no casamento de Daenerys no piloto não-aprovado de Game of Thrones. Ele já apareceu como uma versão zumbi de si mesmo na série Z Nation, fez uma ponta no filme Sharknado 3, e fez uma participação em Robot Chicken.
  50. O editor e escritor Gardner Dozois foi o responsável pela primeira venda de Martin como escritor profissional, resgatando a história descartada O Herói. No ano seguinte, os dois se conheceram e logo se tornaram grandes amigos.
  51. Embora a geração dos anos 50 seja conhecida como a “Era de Ouro” da Ficção Científica, Martin prefere a geração dos anos 60 e início dos 70, quando, segundo o autor, os três maiores nomes eram Roger Zelazny, Samuel R. Delany, and Ursula K. Le Guin.
  52. Desde a infância, George é fã do escritor Jack Vance. Ele organizou uma antologia junto com Gardner Dozois para homenageá-lo, Songs of the Dying Earth, para a qual escreveu a história A Night at the Tarn House, que se passa no universo criado por Vance. Homenageou o autor também com a casa Vance em As Crônicas de Gelo e Fogo.
  53. Seus personagens de séries literárias favoritos eram Elric de Melniboné de Michael Moorcock, Solomon Kane de Robert E. Haward, Magnus Ridolph de Jack Vance e Nicholas van Rijn de Poul Anderson.
  54. O xadrez foi parte importante da vida de Martin: ele usou a crescente popularidade do jogo nos Estados Unidos na década de 1970 para pagar as contas, trabalhando para uma empresa que organizava torneios no meio-oeste. O jogo também influenciou sua história Variantes Inúteis.
  55. Wild Cards, a série de livros de super heróis organizada por Martin e escrita por mais de quarenta autores diferentes, foi criada a partir de uma partida de RPG que George jogou com amigos escritores em 1983. Segundo ele, as histórias eram muito boas para ficarem só entre eles.
  56. A primeira história de Martin a ganhar uma adaptação audiovisual foi Recordando Melodyque no início dos anos 80 virou um episódio da série de TV The Hitchhiker.
  57. A convenção favorita de Martin é a Worldcon, à qual ele faltou a apenas uma edição nos últimos 30 anos. No evento, George tradicionalmente organiza a Hugo Losers Party (“Festa dos Perdedores dos Hugos”), cuja primeira edição foi em seu quarto de hotel, em 1976.
  58. Martin é um reciclador de ideias. Como ele mesmo afirmou “na minha ficção, assim como na vida real, eu nunca jogo nada fora”. Por esse motivo, é possível encontrar semelhanças em suas obras, tais como nomes, jargões e ações.
  59. George R. R. Martin e um lobo
    George com um dos lobos do santuário Wild Spirit. Fonte: Youtube.
    Parris e George apoiam o o santuário Wild Spirit, no Novo México, que resgata e acolhe lobos e cães-lobos. George já fez vários leilões beneficentes em favor do santuário, incluindo um em que o maior doador seria um personagem no próximo livro.
  60. Bastante expressivo sobre a questão dos refugiados, ele defende que os Estados Unidos foram construídos por imigrantes, e que essas pessoas deveriam ser recebidas de braços abertos, especialmente em Santa Fé, sua cidade atual.
  61. Sobre morte e violência em sua obra, expressa seu posicionamento comparando dois filmes: se identifica mais com a maneira que A Lista de Schindler lida com o tema, do que o jeito divertido em que vemos Indiana Jones aniquilando dezenas de nazistas em sua franquia.
  62. Quanto ao sexo, ele acredita se tratar de uma parte importante dos seres humanos – a maneira como interagimos uns com os outros, uma parte importante de quem somos. Não apenas o ato físico do sexo, mas nossos desejos sexuais e como nos vemos como criaturas sexuais.
  63. Martin se considera um “feminista de coração”. Ele disse que se declarou assim por um bom tempo, mas que se considerar que homens não podem ser feministas, então ele não é. Ele diz, porém, que entende o termo como tratar homens e mulheres de forma igual.
  64. Embora ele tenha afirmado ter sido católico, Martin não se considera religioso, mas um tipo de ateu agnóstico. No entanto, ele acha a temática da espiritualidade fascinante.
  65. A cena mais difícil que Martin já escreveu foi a do Casamento Vermelho em As Crônicas de Gelo e Fogo. Ele adiou o trabalho até escrever todo o resto em A Tormenta de Espadas.
  66. Na última estimativa, As Crônicas de Gelo e Fogo venderam mais de 70 milhões de cópias ao redor do mundo, colocando a obra como a série de fantasia épica mais popular publicada desde O Senhor dos Anéis. A editora HarperCollins originalmente esperava que A Game of Thrones vendesse apenas 5.000 volumes de capa dura.
  67. Martin não relê os próprios livros mais de uma vez, por diversão. Ele já disse que o máximo que faz é reler os últimos capítulos de algum personagem quando volta a escrevê-lo, para ajudar manter o mesmo tom.
  68. O fã clube oficial de George se chama “Brotherhood without Banners” (A Irmandade sem Bandeiras), que existe desde 2001. George pessoalmente “nomeava cavaleiros” os primeiros membros do grupo, depois que eles cumpriam certas tarefas.
  69. Ele apoia um coletivo de arte de Santa Fe chamado Meow Wolf, e contribuiu com mais de 2 milhões de dólares com o grupo para transformar um velho boliche em um centro artístico chamado The House of Eternal Return (“A Casa do Eterno Retorno”).
  70. O primeiro prêmio que Martin recebeu foi em 1975, um Hugo pela novela Uma Canção para Lya, quando tinha 27 anos. Ao longo da carreira, ele venceu mais três Hugos. Ao todo, já conquistou 16 Locus, três World Fantasy, dois Nebula, um Bram Stoker, e diversos outros prêmios, num total de 43. Além disso, venceu três Emmys com o crédito de produtor executivo em Game of Thrones.
George R. R. Martin
George R. R. Martin por Sanaa Al-Hassani.

Este é o fim de nossa nossa pequena homenagem, mas não de nossa admiração por George. E achamos que ela é compartilhada pelos leitores do site também, não é mesmo?

Assim, a equipe do Gelo & Fogo e seus leitores desejam um feliz dia de seu nome, George R. R. Martin!

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