Arquivos Teorias – Gelo & Fogo https://www.geloefogo.com/category/teorias Informações sobre a obra de George R. R. Martin Tue, 06 Oct 2020 00:04:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.1.6 140837471 Limo sem manto: a verdadeira identidade de Limo Manto Limão https://www.geloefogo.com/2020/09/limo-sem-manto-a-verdadeira-identidade-de-limo-manto-limao.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=limo-sem-manto-a-verdadeira-identidade-de-limo-manto-limao https://www.geloefogo.com/2020/09/limo-sem-manto-a-verdadeira-identidade-de-limo-manto-limao.html#comments Mon, 21 Sep 2020 22:53:45 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=107741 Buscar por significados em coisas aparentemente irrelevantes já é costume dos fãs de As Crônicas de Gelo e Fogo. Mesmo […]

O post Limo sem manto: a verdadeira identidade de Limo Manto Limão apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>

Buscar por significados em coisas aparentemente irrelevantes já é costume dos fãs de As Crônicas de Gelo e Fogo. Mesmo o menor dos personagens, por vezes, carrega pequenos indícios de fazer parte de algo muito maior, e isso é um dos grandes atrativos da série de livros de George R. R. Martin. As revelações de Arstan Barba-Branca, Fedor, Griff e Jovem Griff são algumas que nos deixam atentos, e geram especulações (com variados graus de probabilidade) sobre outros como Quaithe, Alleras, Lemore e Abel.

No entanto, um personagem que nunca me ocorreu que pudesse ter uma identidade o relacionando com um contexto completamente inesperado é o fora-da-lei Limo Manto Limão. No entanto, em algum momento do ano passado, descobri essa teoria no tumblr de Lady Gwynhyfvar (que também faz parte do podcast Radio Westeros) que me surpreendeu, justamente por apresentar evidências simples e bem fundamentadas. Resolvi então, entrar em contato com a autora e pedir sua autorização para traduzir sua especulação sobre Limo para o português. Confira o texto abaixo:


Introdução

Limo Manto Limão por David Demaret

Quem de nós nunca se perguntou sobre a verdadeira identidade do encantador Limo Manto Limão? Um dos líderes da Irmandade sem Bandeiras, Limo não tem um nome verdadeiro mencionado e nem uma história pregressa, apesar de nós sabermos o nome e história de muitos de seus companheiros, incluindo alguns muito mais insignificantes na narrativa. Algum tempo atrás, uma combinação inesperada de divagações, inspirada por perguntas de membros do fórum Westeros.org, me fez conectar Limo com outro personagem, cujo nome é mencionado apenas uma vez, e que é citado em só mais uma ocasião. Mas o que me levou a conectar Limo com Sor Richard Lonmount, outrora escudeiro e companheiro do Princípe Rhaegar Targaryen? Para ser honesta, de início, não foi nada além da cor de seus mantos, unida à convicção de que o cavaleiro das caveiras e beijos será importante. Mas no fim das contas, existe uma quantidade considerável de pistas textuais em favor dessa conexão. Inicialmente, eu fiz essa teoria sozinha, porém, boa parte do crédito deve ser dado aos membros do Westeros.org, que pegaram essa panela quebrada (N.T.: “cracked pot” é uma expressão em inglês para teorias com pouco embasamento) e a levaram a sério. Eu não acho que seja exagero dizer que, com a ajuda deles, essa panela agora pode ter água dentro.

“Prophecy”, por Patrick McEvoy © Fantasy Flight Games.

No capítulo 43 de A Tormenta de Espadas, a Fantasma do Coração Alto exige pagamento pelas notícias que deu:

— Um odre de vinho por meus sonhos, e, pelas notícias, um beijo do grande idiota com o manto amarelo. (…) A boca dele vai ter gosto de limões e a minha, de ossos. Sou velha demais. (A Tormenta de Espadas, cap. 43, Arya VIII).

Antes disso, a Fantasma também foi consultada sobre o paradeiro de Lorde Beric. Nesse encontro, a pequena mulher fala sobre todo mundo se referindo aos seus brasões e representações de suas casas. Ela tem essa interação com Limo:

— Sonhos — resmungou Limo Manto Limão -, de que servem os sonhos? Mulheres-peixe e corvos afogados. Eu também tive um sonho na noite passada. Estava beijando uma moça de taberna que conheci. Vai me pagar por isso, velha?

— A moça está morta — sibilou a mulher. — Só os vermes podem beijá-la agora. (A Tormenta de Espadas, cap. 22, Arya IV).

Com o bardo Tom das Sete, a referência nos dois encontros é uma canção. Com Limo, a referência é a… beijos.

O brasão da casa Lonmouth foi descrito como “partição em seis: lábios vermelhos sobre fundo amarelo, caveiras amarelas sobre fundo vermelho”. Foi essa conexão entre beijos, caveiras (ossos) e a cor amarelo que me deram o momento de “a-ha!”. Mas a conexões não param por aí.

Brasão da casa Lonmouth

Quando Arya o conhece, ela acha que ele tem a aparência de um soldado:

O homem que seguia ao seu lado era uns bons trinta centímetros mais alto, e parecia um soldado. De seu cinto de couro com rebites pendia uma espada longa e um punhal, fileiras de anéis de aço sobrepostos estavam costuradas em sua camisa, e sua cabea estava coberta por um meio elmo de ferro negro em forma de cone. Tinha dentes estragados e uma cerrada barba castanha, mas era o manto amarelo com capuz que chamava atenção. Grosso e peado, manchado aqui por mato e ali por sangue, puído ao longo da bainha e remendado com pele de veado no ombro direito, o manto dava ao homem o aspecto de um enorme pássaro amarelo (A Tormenta de Espadas, cap. 13, Arya II).

Pela falta de referência direta, é de se supor que ele não esteja entre o grupo original que partiu com Lorde Beric de Porto Real, sendo um dos que se juntou à Irmandade nas Terras Fluviais. Apesar disso, ele faz um comentário que possivelmente é revelador:

Anguy, o Arqueiro, disse:

— Somos homens do rei.

Arya franziu a testa.

— Qual deles?

— O Rei Robert — disse Limo, com seu manto amarelo (A Tormenta de Espadas, cap. 13, Arya II).

Como explicar esse homem grande, leal a Robert, que tem aparência de soldado, usa um característico manto amarelo e estava nas Terras Fluviais antes da missão de Lorde Beric? Vamos dar uma olhada nos fatos que temos sobre Richard Lonmouth. Sabemos que ele já foi companheiro e escudeiro do Príncipe Rhaegar:

O escudeiro do Príncipe Rhaegar foi Myles Mooton, e depois Richard Lonmouth. Quando ganharam suas esporas, foi ele mesmo quem os armou cavaleiros, e permaneceram companheiros próximos. (A Tormenta de Espadas, cap. 8, Daenerys I).

Também sabemos que a casa Lonmouth vem das Terras da Tempestade e que Sor Richard já foi, ao menos uma vez, companheiro de bebida do Lorde das Terras da Tempestade, Robert Batatheon:

O senhor da tempestade derrotou o cavaleiro dos crânios e beijos numa batalha de copos de vinho (A Tormenta de Espadas, cap. 24, Bran II).

Já que sabemos da reputação de Robert como um ávido beberrão, Sor Richard deveria uma tendência parecida, para deixá-lo tão envolvido na competição. Limo é um homem grande que gosta de beber:

Limo Manto Limão abriu caminho entre os outros. Ele e Barba-Verde eram os únicos homens com altura suficiente para olhar Cão de Caça nos olhos (A Tormenta de Espadas, cap. 34, Arya VI).

— Bem, eu mandei-os. Vocês deviam estar bêbados, ou dormindo.

— Nós? Bêbados? — Tom bebeu um longo trago de cerveja. — Nunca. (A Tormenta de Espadas, cap. 13, Arya II).

Nunca ficamos sabendo de que lado Sor Richard ficou na Rebelião de Robert. Myles Mooton lutou pelos Targaryens e foi morto no Septo de Pedra pelo próprio Robert Baratheon. Mesmo a última informação que temos sobre Lonmouth não nos dá uma indicação muito clara. Logo após a aparição do Cavaleiro da Árvore que Ri no torneio de Harrenhal:

Nessa noite, no grande castelo, tanto o senhor da tempestade como o cavaleiro dos crânios e dos beijos juraram que iriam desmascrá-lo, e o próprio rei exortou os homens a desafiá-lo, declarando que o rosto por trás do elmo não era seu amigo. (…) O rei ficou furioso , e até mandou o filho, o príncipe-dragão, procurar o homem, mas tudo que encontraram foi seu escudo pintado (A Tormenta de Espadas, cap. 24, Bran II).

Não temos indicação clara de com qual casa ele iria se alinhar: a de seu mentor e amigo Rhaegar Targaryen ou de seu parceiro de bebida e senhor Robert Baratheon. Mas talvez o lema da casa Lonmouth pode ser uma dica de que Sor Richard de fato escolheu um lado.

“A Escolha é Sua”

No seu papel de carrasco da Irmandade, Limo constantemente cumpre sentenças baseadas em escolhas. No caso de Merrett Frey, ele dá a escolha à Senhora Coração de Pedra:

— Ela não fala — disse o homem grande do manto amarelo. — Vocês, malditos bastardos, cortaram a garganta dela fundo demais para isso. Mas ela lembra-se. — Virou-se para a morta e disse: — O que diz, senhora? Ele participou? (A Tormenta de Espadas, cap. 81, Epílogo).

No “julgamento” de Brienne, a escolha é dada pelo nortenho, enquanto a sentença é executada por Limo:

O nortenho disse:

— Ela diz que deve escolher. Pegar a espada e matar o Regicida ou ser enforcada como traidora. A espada ou a corda, ela diz. Escolha, ela diz. Escolha (O Festim dos Corvos, cap. 42, Brienne VIII).

Limo está envolvido em escolhas dadas pela Irmandade, enquanto há também evidências que permitem especular outras escolhas fatídicas no seu passado. Enquanto “escolhas” podem ser vistas como um tema central em As Crônicas de Gelo e Fogo, o fato de que isso seja proeminente no lema de uma casa pequena parece quase como uma bandeira dizendo “olhe isso mais de perto”! E olhar mais de perto, nesse caso, definitvamente me levou a teorizações interessantes.

Pisando em território especulativo com o tema de “escolhas”, vou sugerir que Richard escolheu o seu senhor, Robert Baratheon, e lutou por ele na Rebelião. Logo depois que Arya, Gendry e Torta Quente são capturados pela Irmandade, a companhia chega à Estalagem do Ajoelhado. Aqui, a esposa do estalajadeiro serve cerveja para os jovens, porque ela não tem leite ou água para oferecer:

Limo, Arya Stark, Torta Quente e Gendry, por mustamirri

— A água do rio tem gosto de guerra, com todos os mortos que vem à deriva. Se lhes servisse uma tigela de sopa cheia de moscas mortas, vocês a tomariam?

— Arry tomaria — disse Torta Quente. — A Pombinha, quero dizer.

— E Limo também — sugeriu Anguy, com um sorriso manhoso. (A Tormenta de Espadas, cap. 13, Arya II).

Por que Anguy diria uma coisa dessas? Poderia ser que Limo já esteva à deriva no rio junto com cadáveres? Muito tempo depois, na Ilha Quieta, o Irmão Mais Velho conta a Brienne a história de quando praticamente morreu depois da Batalha do Tridente, mas foi levado pela correnteza, sobreviveu e nasceu para uma nova vida. Pode ser que algo parecido tenha acontecido com Limo?

Mais tarde, Limo revela ter conhecimentos locais que podem indicar que ele esteve na região quando esses eventos ocorreram:

— Os filhos de Lorde Lychester morreram na rebelião de Robert — resmungou Limo. — Alguns de um lado, outros do outro. Desde então, não anda bom da cabeça. (A Tormenta de Espadas, cap. 22, Arya IV).

E por fim, no Pêssego, o bordel que fica no Septo de Pedra, onde Robert pode ter se escondido antes da batalha, Tanásia tem algo a dizer para Limo:

— (…) Limo, é você? Ainda usa o mesmo manto maltrapilho, há? Eu sei por que é que nunca o lava, ah, se sei. Tem medo de que o mijo saia todo e a gente veja que na verdade é um cavaleiro da Guarda Real! (A Tormenta de Espadas, cap. 29, Arya V).

Se Limo é Richard Lonmouth, é possível que ele tenha estado no Septo de Pedra com Robert e seja conhecido de Tanásia por essa ocasião. Se ela sabia que ele era um cavaleiro a serviço do homem que se tornou rei, isso poderia explicar sua piada sobre a Guarda Real. Mas por que ele desapareceu então? Minha especulação nos leva de volta a O Festim dos Corvos, no capítulo de Brienne. No capítulo 25, Septão Meribald descreve para Brienne, Pod e Sor Hyle, a turbulência interna de um homem quebrado:

— (…) (A)té mesmo um homem que sobreviveu a cem batalhas pode ser quebrado como se a centésima fosse a primeira. Irmãos veem irmãos morrerem, pais perdem filhos, amigos veem amigos tentando segurar  suas entranhas depois de serem atingidos por um machado. (…)Eles adquirem uma ferida, e quando essa está quase se curando, adquirem outra. (…) E um dia eles olham ao redor e percebem que todos os seus amigos e parentes se foram. (…) E os cavaleiros vêm até eles, homens sem face vestidos em aço, e o trovão de ferro que carregam parece encher o mundo… e o homem se quebra (O Festim dos Corvos, cap. 25, Brienne V).

Meribald deixa claro que qualquer um pode quebrar, a qualquer momento. Todo homem tem seu limite, e é possível que Sor Richard tenha encontrado o seu após a Batalha do Tridente. Duas referências me fazem pensar que foi isso que aconteceu com Limo:

Limo Manto Limão por Mike Capproti

— Que se dane com isso — disse Limo Manto Limão — Ele também é o nosso deus, e vocês devem a nós suas miseráveis vidas. E o que tem ele de falso? Seu Ferreiro pode reparar uma espada quebrada, mas será que consegue reparar um homem quebrado? (A Tormenta de Espadas, cap. 39, Arya VII).

— Não é a única pessoa com ferimentos, Senhora Brienne. Alguns de meus irmãos eram bons homens quando isto começou… (O Festim dos Corvos, cap. 42, Brienne VIII).

Já sugeri que o comentário provocativo de Anguy pode indicar que Limo esteve no rio com cadáveres em algum momento. Suponhamos que Richard Lonmouth tenha caído no rio após a Batalha do Tridente, como aconteceu com o Irmão Mais Velho. Se ele foi recolhido e cuidado por uma pessoa boa e generosa, levaria algum tempo até que ele pudesse receber notícias sobre o que aconteceu na batalha e depois dela. Será que ele ficou devastado ao saber que seu amigo, o príncipe, havia sido morto por seu senhor? Será que a culpa de sua escolha se tornou um peso para ele? Isso com certeza seria o suficiente para fazê-lo quebrar. Mas eu acredito que haja ainda mais elementos em jogo aqui. Estou especulando que Sor Richard escolheu o lado vencedor, mas então, por que ele não apareceu em nenhum momento para receber a devida recompensa de seu senhor e novo rei? Assumindo que Limo seja Sor Richard, acredito que a explicação por trás de seu ódio pelos Lannisters seja a peça que faltava para completarmos o quebra-cabeça. Não sabemos exatamente por que Limo os odeia tanto, ou se Richard Lonmouth era casado, mas sabemos que Limo era casado, e teve uma filha:

— Quero minha mulher e filhas de volta — disse o Cão de Caça. — Seu pai pode me dar isso? (O Festim dos Corvos, cap. 42, Brienne VIII).

Se seguirmos assumindo que Limo e Richard são a mesma pessoa, vou propor que a família de Richard Lonmouth estava em Porto Real durante a Rebelião. Talvez sua esposa viesse de uma família lealista, ou talvez eles tenham pensado que seria um lugar seguro para se estar. Mas nós sabemos que os Lannisters saquearam a cidade e que não houve misericórdia para ninguém, da família real até a plebe mais pobre. Poderia ser que sua esposa e filha estivessem entre as vítimas? Isso poderia explicar a vontade dele de enforcar “leões” e, julgando pelo seu comentário, a associação deles com a perda da família. Então, com os Lannisters sendo a nova família adjunta de seu antigo senhor, pode ser que isso tenha tornado impossível para ele se revelar e servir Robert publicamente.

Uma revelação dessas iria requerer algum propósito narrativo. Então, voltemos ao Torneiro de Harrenhal e ao juramento do cavaleiro das caveiras e beijos de desmascarar o Cavaleiro da Árvore que Ri (que quase todos nós já assumimos ser Lyanna Stark). Sabemos que GRRM usa paralelos temáticos em sua narrativa com frequência. Nós também sabemos que Arya tem certa semelhança com sua tia:

— Lyanna poderia ter usado uma espada, se o senhor meu pai divesse permitido. Você por vezes faz com que me lembre dela. Até se parece com ela (A Guerra dos Tronos, cap. 22, Arya II).

“Knights of Hollow Hill” por C. Griffin © Fantasy Flight Games.

Olhando para algumas das interações entre Arya e Limo, um incidente em particular se destaca. Quando Arya descobre que ela é, na verdade, prisioneira da Irmandade, ela tenta fugir:

Em suas costas, os fora da lei praguejavam e gritavam-lhe para voltar. Fechou os ouvidos aos gritos, mas quando deu um olhar de relance por cima do ombro, quatro deles vinham em seu encalço, Anguy, Harwin e Barba-Verde lado a lado e, mais atrás, Limo, cujo comprido manto amarelo esvoaçava atrás dele enquanto cavalgava. (A Tormenta de Espadas, cap. 17, Arya III).

É fácil de imaginar uma cena parecida com Lyanna sendo perseguida em terreno similar por um grupo incluindo Sor Richard Lonmouth. Mais tarde, quase como que acenando com a cabeça para essa possibilidade, Tom canta para Arya:

Tom piscou o olho para ela e cantou:

E como sorriu e como ela riu,

a donzela do pinheiro.

Fugiu num rodopio e disse-lhe,

não quero o seu brasileiro.

Usarei um vestidos de folhas douradas,

a trança com ervas atada,

Mas você pode ser meu amor da floresta,

e eu a sua namorada. (A Tormenta de Espadas, cap. 22, Arya IV).

Aqui então, chegamos ao possível propósito narrativo de Limo ser Richard Lonmouth. Ele pode esclarecer o leitor sobre as primeiras interações de Rhaegar e Lyanna, e a razão pela qual Rhaegar coroou Lyanna como Rainha do Amor e da Beleza. Pode também, se ele tiver continuado como um dos confidentes do príncipe, esclarecer os eventos posteriores. No mínimo, ele seria um dos poucos presentes do torneio de Harrenhal que ainda está vivo. Isso o colocaria na mesma categoria de Howland Reed, a de “alguém que sabe demais”.

Concluindo, Ser Richard Lonmouth, cujas cores da casa são preto e amarelo, nunca mais é mencionado após sua rápida aparição no Torneio de Harrenhal. Durante a Guerra dos Cinco Reis, um fora-da-lei sem nome ou história conhecidos aparece nas Terras Fluviais, vestindo um característico manto amarelo de tecido pesado (e aparentemente, caro). Em sua jornada, Limo é associado com beijos e escolhas, o que sabemos serem temas da casa Lonmouth. Baseado nessas associações, podemos estabelecer uma conexão entre ambos. Uma leitura detalhada nos permite entrar em algumas especulações para preencher os detalhes dos anos intermediários. E por fim, quanto à importância dessa teoria, se ele foi uma parte do grupo que perseguiu o Cavaleiro da Árvore que Ri, e alguma revelação foi feita, Sor Richard poderia ter informações interessantes sobre a história de Rhaegar Targaryen e Lyanna Stark.

Adendo (de dezembro de 2014)

Com novas informações agora disponíveis em O Mundo de Gelo e Fogo, a Supreme Court of Westeros discutindo sobre a teoria e o episódio 09 do Radio Westeros apresentando a teoria em formato de áudio, parece o momento adequado para um rápido adendo. O Mundo de Gelo e Fogo revela que Ser Ricahrd Lonmouth estava entre os apoiadores de Rhaegar na corte quando houve uma óbvia divisão entre ele e Aerys:

O apoio do príncipe Rhaegar vinha dos homens mais jovens da corte, incluindo Lorde Jon Connington, Sor Myles Mooton de Lagoa da Donzela e Sor Richard Lonmouth. Os dorneses que vieram para a corte com a princesa Elia também eram da confiança do príncipe, em particular o príncipe Lewyn Martell, tio de Elia e irmão juramentado da Guarda Real. Mas o mais formidável de todos os amigos e aliados de Rhaegar em Porto Real ecertamente era Sor Arthur Dayne, a Espada da Manhã (O Mundo de Gelo e Fogo, O Ano da Falsa Primavera).

Já que essa descrição vem durante uma discussão sobre política da corte e conspirações em época próxima ao Torneio de Harenhal, a implicação parece ser que Lonmouth apoiava mudanças de regime. Também de O Mundo de Gelo e Fogo vem a forte sugestão de que Lonmouth acompanhou Rhaegar para as Terras Fluviais na fatídica missão que culminou no desaparecimento de Lyanna Stark:

Com a chegada do novo ano, o príncipe herdeiro pegara a estrada com meia dúzia de seus amigos e confidentes mais próximos, em uma jornada que acabaria por levá-los de volta às Terras Fluviais. A menos de sessenta quilômetros de Harrenhal, Rhaegar encontrou Lyanna Stark de Winterfell e a levou consigo, acendendo um fogo que consumiria sua casa, seus parentes e todos aqueles que ele amava — além de metade do reino. (O Mundo de Gelo e Fogo, O Ano da Falsa Primavera)

Vamos revisitar a informação dada por sor Barristan: “O escudeiro do Príncipe Rhaegar foi Myles Mooton, e depois Richard Lonmouth. Quando ganharam suas esporas, foi ele mesmo quem os armou cavaleiros, e permaneceram companheiros próximos“.  Tendo isso em mente, combinado com as informações de O Mundo de Gelo e Fogo, podemos supor que essa meia dúzia de companheiros eram provavelmente Arthur Dayne e Oswell Whent (como já revelado no aplicativo A World of Ice and Fire), Mooton e Lonmouth (ambos identificados como companheiros de Rhaegar em mais de uma ocasião), e talvez Connington e o príncipe Lewin Martell, que é indicado como um dos maiores apoiadores de Rhaegar em O Mundo de Gelo e Fogo.

Dado o resultado da situação de Rhaegar e Lyanna, com Aerys executando Rickard e Brandon Stark e pedindo a cabeça de dois de seus Senhores Protetores, propusemos que Richard Lonmouth tenha escolhido Robert na Rebelião com o objetivo de causar uma mudança de regime, o que foi indicado que ele apoiava. Lembremos que, no início, Rhaegar estava distante dos eventos, e a Rebelião era tecnicaente contra Aerys, objetivando remover um tirano progressivamente mais insano do poder. O envolvimento de Rhaegar em dado momento — sem dúvidas, por conta de seu senso de responsabilidade para com a sua casa e talvez para salvar seus filhos em Porto Real — iria cair como uma luva nos temas de “escolhas” e “homem quebrado” que discutimos antes.

Aliás, não parece que precisaremos esperar muito tempo para botar essa teoria à prova. Na última vez que vimos as Terras Fluviais em A Dança dos Dragões, uma pessoa que provavelmente conhecia Richard Lonmouth está em rota de colisão com Limo Manto Limão e é um forte candidato para fazer a revelação. Quando Jaime Lannister reaparecer, ele pode se encontrar em uma reunião surpresa com alguém de seu passado.

O post Limo sem manto: a verdadeira identidade de Limo Manto Limão apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
https://www.geloefogo.com/2020/09/limo-sem-manto-a-verdadeira-identidade-de-limo-manto-limao.html/feed 1 107741
O Festim, a Dança e o Sapo: pré-julgamentos de histórias não concluídas https://www.geloefogo.com/2020/07/o-festim-a-danca-e-o-sapo-pre-julgamentos-de-historias-nao-concluidas.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-festim-a-danca-e-o-sapo-pre-julgamentos-de-historias-nao-concluidas https://www.geloefogo.com/2020/07/o-festim-a-danca-e-o-sapo-pre-julgamentos-de-historias-nao-concluidas.html#comments Wed, 01 Jul 2020 23:06:28 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=106775 Leitores que se interessam por As Crônicas de Gelo e Fogo muitas vezes são fisgados de tal forma que não […]

O post O Festim, a Dança e o Sapo: pré-julgamentos de histórias não concluídas apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
A Grande Pirâmide de Meereen, Quentyn Martell e as Terras Fluviais assoladas pela guerra. Artes originais: Nicola Mancone, Kim Sokol e René Aigner.

Leitores que se interessam por As Crônicas de Gelo e Fogo muitas vezes são fisgados de tal forma que não querem parar de ler, nem sequer dar um intervalo entre os livros. O ritmo crescente dos três primeiros volumes da série tem seu ápice no Casamento Vermelho, provavelmente o momento mais emblemático do ciclo épico de George R. R. Martin.

A Tormenta de Espadas, é, de fato, o fim de um primeiro ato. A partir daí, é notável um arrefecimento no ritmo nos dois livros seguintes, O Festim dos Corvos e A Dança dos Dragões, o que resulta em insatisfação para muitos leitores que se acostumaram com a intensidade frenética dos primeiros. O descontentamento é tamanho que não é incomum nos depararmos com comentários no sentido de que as subtramas e personagens com ponto de vista introduzidos no quarto e no quinto livros seriam inúteis, “encheção de linguiça” ou descartáveis.

Essa é uma confusão comum, mas não por isso menos enganosa. Neste artigo tentarei argumentar por que na verdade ela representa um pré-julgamento, utilizando um personagem que surge com frequência nessas discussões, Quentyn Martell, e referências ao que vimos na adaptação televisiva Game of Thrones.

Como assim, pré-julgamento?

A percepção de que elementos e personagens que se desviam daqueles estabelecidos desde o início (no dito “primeiro ato” do ciclo) seriam inúteis denota um pré-julgamento acerca de algo que ainda não foi concluído. Se o leitor não sabe ou não percebeu onde vão resultar as novas subtramas e se as “recompensas” ainda não estão de fato presentes na história, é comum considerá-las necessariamente um recheio exagerado ou expansão de lore dispensável. Este, porém, é um curso de interpretação que considero um tanto perigoso.

O arco de Quentyn Martell, em particular, é um dos mais considerados por leitores como algo inútil ou uma grande perda de tempo (com efeito, foi um comentário nesse sentido em uma postagem aqui do site que me estimulou a escrever este artigo). Por essa mesma razão, o príncipe Martell serve bem a nossos propósitos no texto, para evidenciar como o fato de os efeitos de um arco talvez não serem óbvios numa primeira leitura e nem imediatos não significa que ele seja apenas “encheção de linguiça”.

Sem dúvida as consequências da trama de Quentyn ainda não estão claramente visíveis nos livros já publicados. Ele “acabou” de morrer, afinal, nos capítulos finais de A Dança dos Dragões. Acontece, porém, que é bastante possível inferir alguns significados para a inserção do personagem por parte do autor — e nem precisamos fazer um exercício sobre-humano de raciocínio para isso.

O diálogo com a fantasia

A nível temático, Quentyn parece ser mais um dos personagens de que Martin se utiliza para fazer um comentário e um diálogo com a literatura de fantasia de uma maneira geral. Nesse caso em específico, trata-se de uma desconstrução da ideia do “príncipe encantado que parte em uma aventura” — inclusive com uma bela dama para o final “felizes para sempre”. A questão aqui, é claro, é que o príncipe Martell e sua aventura não são nada disso.

Quentyn não é sequer encantador, e muito menos encantado: seu apelido por boa parte do livro em que aparece e morre é “Sapo”. Nem todas as aventuras têm um final feliz — e elas fedem, o que é simbolizado por Martin de maneira nada sutil com o navio Aventura, mencionado no primeiro parágrafo do primeiro capítulo de Quentyn. Nem todos os pretensos heróis estão destinados a grandes feitos e ao protagonismo de uma história do plano maior. Nem todos os príncipes que saem pelo mundo deveriam fazê-lo, principalmente não aqueles que nunca quiseram isso em primeiro lugar, como Quentyn.

Quentyn Martell, por Kim Sokol. © Fantasy Flight Games.

Para todos os grandes homens e mulheres cujos feitos heroicos são dignos de registro para a posteridade, há um sem-número de outros que tentaram empreitadas tão ou mais corajosas, mas não foram bem sucedidos (e concordo com Arthur Maia quando ele diz que o príncipe dornês foi, de fato, corajoso). O insucesso, porém, na maioria das vezes resulta no esquecimento.

Um ato temerário, mas valente, cujo objetivo não é atingido ou resulta em fracasso é posteriormente massacrado. Um ato igualmente temerário e valente que resulta em sucesso é exaltado. Quase sempre o que se vê é um julgamento não do ato em si, no momento da decisão e da motivação do agente, mas uma avaliação a posteriori condicionada ao sucesso ou insucesso da missão.

Admitindo que esse é mesmo o comentário e o diálogo que GRRM quer fazer com a fantasia clássica que veio antes de si, ainda poderíamos nos perguntar: “seria estritamente necessário que Martin fizesse essa metarreflexão à custa da fluidez de sua própria história?”.

Eu tenderia a responder que não, por preferência pessoal (isso se ignorasse completamente que a história é do autor e que ele é quem sabe e decide o que é ou não necessário). Ao mesmo tempo, no entanto, acredito que o mais provável é que George tenha aproveitado um personagem que já seria necessário para as tramas pré-existentes para inserir esse diálogo, e não o criado especificamente para esse fim crítico.

Interpreto a narrativa de As Crônicas de Gelo e Fogo como um ente em si mesmo, capaz de fazer e trazer “exigências” próprias ao autor, justamente pelas reiteradas declarações de Martin sobre ser um escritor jardineiro — aquele que não planeja todo o curso da história minuciosamente de antemão, tendo apenas uma grande semente na cabeça, mas sempre aberto a novos ramos para a árvore final. Dessa maneira, a narrativa pode ter “exigido” que Quentyn partisse em uma aventura, e GRRM teria então aproveitado essa necessidade para também fazer um metacomentário acerca da clássica jornada encontrada em tantas e tantas histórias antes da que resolveu contar.

As implicações práticas

A importância do arco de Quentyn não está, porém, restrita à tentativa de desconstrução de tropes de gênero literário por parte do autor: é possível perceber que a aventura do príncipe dornês e sua morte também reverberarão no plano maior da história. O personagem foi um dos elementos problemáticos do chamado “nó meereenês”, a enorme dificuldade que GRRM enfrentou para determinar quando vários personagens que se dirigiam a Daenerys finalmente a alcançariam em A Dança dos Dragões, o que dificultou sobremaneira a finalização da escrita do livro.

Uma hoste dornesa se prepara para a guerra. Arte: René Aigner.

Segundo o próprio autor, ele experimentou escrever a chegada do príncipe de Dorne na cidade de Meereen em diversos momentos diferentes: antes, durante e depois do casamento da rainha Targaryen. A versão final acabou sendo aquela em que ele chega quando Daenerys já considera o casamento com Hizdahr zo Loraq irrevogavelmente marcado. Isto, somado à falta de apelo para Daenerys no porte e na aparência de Quentyn e ao foco momentâneo dela na paz em Meereen, resulta no fracasso da missão do jovem Martell.

Por sua vez, esse fracasso leva a uma atitude desesperada por parte do príncipe, que, no afã de ser o herói da jornada que lhe foi imputada e não voltar para Dorne de mãos abanando — tendo falhado na missão — resolve-se a domar um dos dragões de Daenerys, e acaba morto pelo fogo de Rhaegal. É nesse fato em particular que residem as prováveis consequências da malfadada aventura de Quentyn. Tanto a morte do príncipe quanto a rejeição da proposta que Dorne levou à rainha Targaryen repercutirão enormemente no cenário político de Westeros.

À primeira vista, os Martell e Dorne como um todo seriam dos mais óbvios aliados de Daenerys Targaryen numa eventual invasão aos Sete Reinos. Não apenas a proximidade histórica (e recente) entre os Martell e os Targaryen seria um fator preponderante, mas os dorneses também têm motivos ainda mais pessoais para destronar a facção reinante no continente, a Casa Lannister, que afinal foi responsável pela morte de Elia e seus filhos. É muito provável, no entanto, que os eventos envolvendo Quentyn em Meereen farão com que esse apoio não exista.

E aí essa subtrama se liga com outras. Primeiro, há outro pretendente Targaryen no continente: Aegon, filho de Rhaegar e Elia (ainda que apenas na aparência, visto que são grandes as chances de ele ser falso). Coincidentemente ou não, Arianne Martell, a irmã que tem uma espécie de rivalidade unilateral com Quentyn, vai ao encontro do Jovem Griff para verificar sua legitimidade, e o príncipe Doran, o chefe da casa, ficou claramente balançado com a notícia da chegada do suposto sobrinho.

Em segundo lugar, quando as notícias dos eventos de Meereen chegarem a Westeros (e elas inevitavelmente chegarão, possivelmente por meio de Archibald Yronwood e Gerris Drinkwater), os Martell provavelmente não interpretarão a situação pelo ponto de vista da rainha Targaryen. O mais plausível é que eles simplesmente vejam os fatos crus: Quentyn foi vitimado por um dos dragões de Daenerys, que rejeitou a oferta de casamento e apoio oferecida por Dorne. Não é difícil imaginar que eles não mais a apoiarão, ainda mais com um concorrente de grande apelo logo à mão.

Daenerys Targaryen observa Meereen do topo da Grande Pirâmide. Arte: Tomáš Vachuda.

Há, ainda, uma outra subtrama que Quentyn pôs em andamento: o acordo do “time Daenerys” com o Príncipe Esfarrapado, por Pentos. A cidade, como se sabe, é onde reside o magíster Illyrio, antigo anfitrião de Viserys e Daenerys e responsável por arranjar o casamento entre ela e Drogo, ainda no primeiro livro. No quinto, porém, descobrimos que os planos de Illyrio são outros: ele e Varys na verdade conspiram a favor do Jovem Griff. Com a crescente cisão entre as facções de Daenerys e Aegon, especulo que Pentos também será um palco de confrontos entre esses dois times, possivelmente resultando do desesperado acordo de Quentyn com o comandante dos Soprados pelo Vento.

E as implicações não são apenas no nível do enredo em si. Não seria implausível, ainda, que eventos colocados em movimento pela morte de Quentyn repercutissem não apenas no plano político, mas também no psicológico de Daenerys. É possível que um apoio westerosi a Aegon (enquanto ela possivelmente seria vista como uma invasora perigosa e louca) seja um componente de sua tragédia a nível pessoal, cujo desenvolvimento corrido foi um dos pontos mais criticados da última temporada de Game of Thrones. Também abordei essa possível consequência no arco particular de Daenerys no ensaio “Dois lados da moeda Targaryen”, em que analiso o possível destino da personagem nos dois livros restantes de As Crônicas de Gelo e Fogo (e onde argui, também, que não haverá lados estritamente certos nesse imbróglio entre a Targaryen e os Martell).

O que a adaptação em Game of Thrones pode nos ensinar

Não é incomum, ainda, vermos os mesmos críticos dos livros quatro e cinco de As Crônicas de Gelo e Fogo demonstrarem também insatisfação com a última temporada (ou as últimas) da série Game of Thrones, o que me parece uma contradição enorme.

Porto Real incendiada, em “The Bells” (HBO).

Nesse sentido, considero sempre de bom tom lembrar que — ao contrário do que muitas vezes se diz Internet afora — a adaptação televisiva começou a caminhar com as próprias pernas muito antes de não haver mais material-fonte para adaptar: isto é, bem antes de a narrativa chegar ao fim de A Dança dos Dragões.

Enquanto as três primeiras temporadas correspondiam de forma razoavelmente fiel às tramas presentes em A Guerra dos Tronos, A Fúria dos Reis e A Tormenta de Espadas, os três primeiros volumes do ciclo de Martin, a partir da quarta as coisas na TV ficaram bastante diferentes de FestimDança. Os showrunners decidiram trilhar outro caminho, com arcos do material original de Martin excluídos e novas tramas criadas exclusivamente para a série televisiva, talvez vagamente inspiradas em eventos presentes nos livros.

Parece-me muitíssimo provável que são justamente essas tramas e os personagens menos “frenéticos” do miolo da história, aqueles que compõem o arrefecimento depois do auge do Casamento Vermelho, que darão um substrato emocional e logístico para diversos dos eventos mais “chocantes” e catárticos dos volumes finais, The Winds of WinterA Dream of Spring. Versões desses eventos desse calibre foram incluídos nas temporadas finais de Game of Thrones, mas muitos espectadores (incluindo não-leitores) os receberam com estranheza, e acredito que justamente pela ausência de uma base.

Durante anos, o comentário geral sobre várias subtramas e personagens relevantes de As Crônicas de Gelo e Fogo que foram excluídos de Game of Thrones foi “isso foi removido porque não é importante para o final”. Em certa medida isso estava certo, mas por outro lado, nem tanto. Sim, provavelmente personagens como o Jovem Griff, Arianne, Quentyn e Victarion são, a rigor, desnecessários para os eventos de uma parte do final acontecerem, se eles estiverem mortos. O que acontece, porém, é que as tramas que os envolvem são parte do caminho para se chegar ao fim idealizado por George R. R. Martin (sobre o qual discorri em um artigo publicado ainda antes do fim da oitava temporada da serie de TV).

É claro que foi possível que Game of Thrones atingisse pontos finais idealizados por Martin sem esses personagens e seus arcos e subtramas, mas isso aconteceu à custa de uma construção mais sólida, de um caminho mais bem trabalhado. Os personagens, elementos e subtramas introduzidos no meio da história fazem parte do enredo por uma razão, não são simplesmente expansão de lore aleatória. A longa e por vezes enfadonha temporada de Daenerys Targaryen em Meereen, por exemplo, existe para que haja uma catarse final que explique ações futuras dela (ainda que não as justifique). Excluindo-se os fundamentos do meio, os finais podem parecer corridos e sem sentido.

A linha de chegada

O intuito maior dessa reflexão, enfim, era mostrar que tachar alguma trama ou personagem em uma história não-concluída de “inútil” ou “encheção de linguiça” é um exercício bastante arriscado e temerário, diante de uma análise que vai um pouquinho só além do superficial e dos meros fatos e eventos daquela narrativa.

Game of Thrones, depois da quarta temporada, parece ter sido exatamente o que muitos dos leitores que rejeitam O Festim dos Corvos e A Dança dos Dragões gostariam que As Crônicas de Gelo e Fogo fosse: uma história “crua” e direta, sem muita “enrolação”, “perda de tempo” ou “fillers“, com momentos chocantes atrás de momentos chocantes, reviravoltas e mais reviravoltas, e pouco ou nenhum tempo para respirar. Não me parece que a rejeição à temporada final seja coincidência diante da falta de substrato depois do primeiro ato da série.

O Cotovia, o navio que levou Quentyn e seus companheiros de Lys a Volantis. Arte: Dimitri Bielak. © Fantasy Flight Games.

Analisando Quentyn Martell, podemos perceber como o personagem foi não apenas uma solução encontrada para dar base e servir de gatilho para eventos futuros, mas também “aproveitado” por George R. R. Martin para fazer um comentário metatextual.

Quentyn é apenas um entre vários outros exemplos de arcos que à primeira vista podem ser julgados como inúteis ou de pouco acréscimo à trama principal, se não se conhece o final ou no que aquilo vai dar. Poderíamos, igualmente, citar a temporada de Daenerys em Meereen, fundamental para sua jornada, ou a ressurreição de Catelyn Stark como a Senhora Coração de Pedra, que possivelmente também influirá no ciclo de Arya.

No entanto, esse “pré-julgamento” da necessidade ou desnecessidade de uma certa linha narrativa, além de não buscar compreender as razões que levaram o autor a inserir aquilo na história (que, afinal, é dele), não se sustenta sem se conhecer ou sequer tentar especular os fins de uma história.

Assim, meu conselho é no sentido de darmos crédito e, no mínimo, o benefício da dúvida ao autor. Não julguemos subtramas e personagens negativamente sem antes termos certeza da linha de chegada. A meu ver, George R. R. Martin já demonstrou ser mais do que capaz de entregar recompensas depois de seus fundamentos, ainda que por vezes (e ainda bem) não saibamos onde eles vão dar.


O Podcasteros analisa e faz uma leitura conjunta de FestimDança, baseada em uma ordem de capítulos em que os dois livros são lidos simultaneamente.

O post O Festim, a Dança e o Sapo: pré-julgamentos de histórias não concluídas apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
https://www.geloefogo.com/2020/07/o-festim-a-danca-e-o-sapo-pre-julgamentos-de-historias-nao-concluidas.html/feed 2 106775
Dois lados da moeda Targaryen: o destino de Daenerys em ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’ https://www.geloefogo.com/2020/01/dois-lados-da-moeda-targaryen-o-destino-de-daenerys-em-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=dois-lados-da-moeda-targaryen-o-destino-de-daenerys-em-as-cronicas-de-gelo-e-fogo https://www.geloefogo.com/2020/01/dois-lados-da-moeda-targaryen-o-destino-de-daenerys-em-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html#comments Tue, 14 Jan 2020 00:21:53 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=107296 “Livro é livro e série é série” foi uma máxima repetida à exaustão em discussões sobre As Crônicas de Gelo […]

O post Dois lados da moeda Targaryen: o destino de Daenerys em ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’ apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
Arte original: Donato Giancola.

“Livro é livro e série é série” foi uma máxima repetida à exaustão em discussões sobre As Crônicas de Gelo e Fogo e Game of Thrones ao longo dos últimos anos. Embora eu nem sempre gostasse do contexto em que ela era usada por muitos dos que a repetiam, em princípio sempre fiz questão de realmente separar as duas obras e seus cânones — principalmente diante da evidente confusão que alguns leitores tinham (e têm) sobre o que aconteceu em cada história.

Com o fim da série de TV, porém, é inevitável especular o que e quanto daquele final estarão também nos livros de George R. R. Martin. O próprio autor reiterou, inúmeras vezes, que os finais serão ao mesmo tempo iguais e diferentes. Essa questão foi objeto de outro artigo, que pode ser lido aqui.

Observando as reações um tanto extremas dos fãs torcedores de Daenerys Targaryen, que ficaram frustrados com o final da personagem em Game of Thrones e passaram a (previamente) criticar também GRRM por imaginarem que ela terá esse mesmo fim indesejado em As Crônicas de Gelo e Fogo, vieram a minha mente algumas ideias, talvez meras divagações, sobre o destino dela nos livros.

De saída, deixo claro que acredito, sim, que Daenerys morrerá no final dos livros, depois de alguns atos, digamos, extremos. O trajeto até chegar neles, porém, é o cerne da questão. Um dos pontos centrais dessas reflexões é que a série de David Benioff e D. B. Weiss realmente abordou vários dos eventos que ocorrerão com Daenerys na história de Martin, mas a abordagem deve ser fundamentalmente diferente.

O exercício aqui não será fazer uma análise extensa e completa, mas basicamente pegar o que aconteceu em Game of Thrones e tentar imaginar como aquilo pode ser melhor adequado ao estilo narrativo e às intenções temáticas de George R. R. Martin para a personagem que já pudemos observar em As Crônicas de Gelo e Fogo.

A situação atual

É bom, para que leitor e leitora compreendam essas minhas divagações, que recapitulemos os últimos eventos envolvendo Daenerys, além de alguns do que estou convicto de que ocorrerão em As Crônicas de Gelo e Fogo (ainda que não tenham acontecido em Game of Thrones).

No fim de A Dança dos Dragões, Daenerys finalmente abraçou o lema de sua casa, fogo e sangue, depois de conseguir a paz em Meereen sacrificando sua própria natureza e fazendo inúmeras concessões que a deixaram extremamente desconfortável. Adam Feldman tratou sobre essa questão e o arco meereenês como um todo em sua série de ensaios (que não me canso de recomendar, até porque foi de certa forma “aprovada” pelo próprio Martin) Untangling the Meereenese Knot (“Desatando o Nó Meereenês”).

“A Rendição de Meereen”, por Stephen Najarian.

No último capítulo do quinto livro, enquanto alucina no Mar Dothraki, Daenerys passa por uma experiência catártica de descoberta da própria identidade, e chega à conclusão de que “dragões não plantam árvores”.

Agora, isso quer dizer que Daenerys vai sair dali imediatamente como uma destruidora desgovernada? Muito provavelmente não, mas significa que ela realmente e finalmente se identificou com e se encontrou no perfil de conquistadora de sua Casa ancestral, e não vai mais tentar se adequar a uma natureza pacífica e de concessões que não é a sua.

Aqui, uma ressalva importante: embora muitos leitores tivessem (e ainda têm) a visão de que Daenerys é uma espécie santa salvadora em busca do bem maior, essa nunca foi sua verdadeira identidade em As Crônicas de Gelo e Fogo – apesar de também ser vista assim por diversos personagens (e totalmente ao contrário por outros, uma questão de perspectiva que abordaremos mais adiante).

A jornada da personagem não começa e nem segue como a de uma idealista, com objetivos ideológicos de reforma como motivação das ações. Embora ela de fato tenha empreendido atos benéficos para o “bem maior” em Essos (o ataque ao multimilenar sistema escravocrata vigente no continente), eles foram circunstanciais, não o ponto central de sua jornada.

Cenas dos próximos capítulos

Embora eu não acredite que Daenerys sairá do Mar Dothraki como uma assassina em massa sanguinária e cruel, acho que ela já empreenderá um ato bastante violento em seus primeiros capítulos de The Winds of Winter (“Os Ventos de Inverno”).

Daenerys deixa a tenda dos khals em Vaes Dothrak. Arte: Benjamin Cehelsky (ryky).

Em Game of Thrones a personagem foi capturada e mantida cativa pelos khals em Vaes Dothrak, e acabou por se livrar deles — e assumir o controle de todo o povo — ao realizar um massacre com fogo. Sou da opinião de que algo similar acontecerá em As Crônicas de Gelo e Fogo, e que o incêndio resultante será a segunda fogueira mencionada pelos Imortais em Qarth.

O fato de não ser uma idealista por excelência não significa, no entanto, que Daenerys não possa também eventualmente contribuir para o dito bem maior: é bastante provável que ela tenha um papel importante na guerra contra os Outros (e há alguns anos expliquei por que acreditava que ela seria Azor Ahai renascido).

É bom que lembremos que ela atualmente não tem qualquer consciência sobre a ameaça que reside para-lá-da-Muralha, mas isso também pode mudar a depender de suas novas relações em Westeros. Acredito que o infame par “Jonerys” será canônico também, já que parece ser algo grande demais para ser simplesmente uma invenção dramática de Weiss e Benioff.

O contato com Jon Snow pode também ser o elemento motivador da personagem para participar da nova Guerra pela Alvorada, mas tenho a impressão de que os sacrifícios que terá feito nesse conflito é que serão definidores de seus atos futuros.

Game of Thrones não estabeleceu muito bem uma importância crucial para Daenerys no confronto contra os Outros (a despeito de todo o alarde prévio quanto a “dragões versus seres de gelo”), e nem acho que tenha ficado claro o peso de suas perdas ali, mas penso que a significância dessas duas coisas ficará bem definida nos livros de Martin.

Outro ponto importante que esteve ausente da série de TV é o provável conflito de Dorne com Daenerys e o apoio da região a Aegon, resultante tanto da morte de Quentyn por um dos dragões quanto pela chegada do suposto filho de Rhaegar e Elia — o que abordarei mais adiante neste texto.

Daenerys quer ser amada

Parece a mim algo claro que o arco global de Daenerys, em todas As Crônicas de Gelo e Fogo, é idealizado por Martin para ser uma tragédia. Eliana Deli Llama tratou magistralmente sobre o assunto no ensaio Daughter of Death: A Song of Ice and Fire’s Shakespearean Tragic Hero (“Filha da Morte, o Herói Trágico Shakespeariano de As Crônicas de Gelo e Fogo“), publicado antes da exibição da última temporada de Game of Thrones.

Classicamente, o destino final de um personagem trágico (em Shakespeare, principalmente) é a morte. Antes disso, porém, entende-se que deve haver conflito de forças na alma desse herói, e ações humanas que resultem em uma calamidade. Tudo isso pode ser encontrado na jornada de Daenerys em As Crônicas de Gelo e Fogo (incluindo os pontos gerais de seu final na série de TV).

A compreensão das forças motivadoras de Daenerys ao longo da história são importantes para entendermos uma possível derrocada e “virada” dela contra certos grupos no final da história. Daenerys não quer apenas o Trono de Ferro, mas ser amada por aqueles que considera seus súditos, e anseia por ser valorizada como líder e figura de poder dessas populações.

Em Essos ela experimentou ser vista como uma líder admirada: embora rejeitada pelos representantes do status quo escravagista do continente, entre os comuns ficou conhecida como mhysa, a mãe, e sua fama de salvadora se estendeu até a regiões por onde ainda não passou — lembremo-nos das palavras da Viúva do Cais, em Volantis: “Diga que estamos esperando. Diga para ela vir logo”.

Daenerys Targaryen. Arte: Donato Giancola, para o calendário oficial de A Song of Ice and Fire 2015.

Outro ponto relevante é que a personagem também sempre anseia pelo retorno a um lugar onde poderia chamar de casa, uma volta ao lar. A Casa da Porta Vermelha, em Braavos, se torna simbólica nesse sentido – e George R. R. Martin já declarou que haverá mais revelações sobre isso em livros futuros.

A frustração por não conseguir nem uma coisa e nem outra em Westeros, não tendo sua atuação na luta contra os Outros valorizada pelos westerosi e sendo ativamente rejeitada por eles (em detrimento de outros, seus adversários em maior ou menor medida, sejam Cersei, Aegon ou Jon Snow) pode levá-la à conclusão de que aquelas pessoas, por quem ela sacrificou tanto, não “merecem” a salvação que ela quer lhes dar, e por isso, que merecem ser queimadas.

Acredito que o sentimento de Daenerys, no fim da história, seja o de alguém que terá sacrificado muito por um povo e um continente, e não percebe gratidão ou reconhecimento de seus esforços nesses seus (pretensos) súditos. Pelo contrário: ela só veria ingratidão e rejeição à sua pessoa, o que a levaria a concluir que eles não merecem mesmo a salvação que ela tenta trazer.

Uma questão de perspectiva

Outro ponto que acho que GRRM pode querer abordar com a história de Daenerys é o conceito de que, em muitos casos, lados certos não existem de verdade. Um eventual destino trágico de Daenerys pode ser a culminação de um conflito que decorre não de um lado mau e outro bom, mas simplesmente de várias partes com opiniões e interesses conflitantes: ela e os outros.

Um exemplo palpável disso pode ser a relação de Daenerys com os Martell (e Dorne como um todo). Presumivelmente eles seriam seus mais naturais aliados em Westeros, mesmo na ausência do pacto nupcial, pela relação de proximidade entre as Casas e pelas perdas dos dorneses na Rebelião de Robert. A jornada de Quentyn e seu malfadado resultado, porém, quase com certeza resultarão na rejeição de Daenerys por Dorne.

Não é que Daenerys seja estritamente culpada por não ter aceitado a proposta de Quentyn e nem por ele ter tomado a atitude temerária (e corajosa, como apontou Arthur Maia) de tentar domar um dragão, ansioso por se provar digno da missão que recebeu do pai, o que resultou em sua morte. O timing e fatores externos a essa relação entre ela e Dorne impediram que a situação tivesse uma resolução satisfatória.

Os dorneses, entretanto, provavelmente não vão querer saber das justificativas e motivos dela – e nem deveriam, porque para eles o destino e a política de Meereen realmente pouco importam. O que vai importar é que ela recusou a oferta de Dorne, de casamento e de apoio político e militar, e que o Príncipe Quentyn morreu por um dos dragões dela. Há alguém categoricamente errado aí? Eu diria que não. Mas tampouco há conciliação possível nessa situação.

O mesmo pode acontecer numa eventual tentativa de conquista dos Sete Reinos por parte de Daenerys. Do ponto de vista dela, seria uma “libertação” do continente de forças traidoras, representadas quer pelos Lannister ou pelo falso Aegon.

Nesse caso, não seria difícil para o leitor entender e simpatizar com essa racionalização: os Lannister, principalmente em Tywin e Cersei, são estabelecidos desde o primeiro livro como figuras eminentemente negativas a nível pessoal. A conspiração para promover o Jovem Griff como alguém que ele realmente não é também não seria vista com bons olhos por alguém que sabe a verdade: ela equivaleria a usurpação através da mentira e do ardil. É difícil ver isso como algo positivo, principalmente quando se acompanha as tribulações de outra personagem com o mesmo intento desde o começo.

“Ameaça do Leste”, por Tomasz Jedruszek. © Fantasy Flight Games.

No entanto, do ponto de vista da população westerosi, tampouco seria surpresa se eles estivessem satisfeitos em ser governados por essas pessoas, ou, no mínimo, mais satisfeitos do que estariam diante da filha de Aerys II Targaryen, o Rei Louco, que comanda três dragões, exércitos de bárbaros dothraki e eunucos essosi, cuja fama ao redor do mundo não é das melhores e que vem trazer guerra quando eles finalmente acreditam que atingiram a paz.

Pensando pragmaticamente, para o “bem do reino”, o fato de Aegon ser falso realmente importaria? Esse bem-estar geral não poderia de fato ser alcançado com um monarca cuja identidade não é verdadeiramente a que diz ser, da mesma forma que seria possível com um rei legítimo? Qual é realmente a diferença, principalmente se ele acredita ser quem é, e provavelmente ostentará vários símbolos do poder Targaryen (como Jeff “BryndenBFish” Hartline aponta neste texto)? Esse é outro questionamento que acredito que Martin pode colocar para o leitor.

Para uma pessoa que está tentando conquistar o reino, ver um impostor tomar seu lugar e receber os créditos, os louros, a glória e o amor do povo (sem ter se esforçado e sacrificado tanto para tal quanto ela mesma), no entanto, é visto algo completamente absurdo – e esse ponto de vista é totalmente compreensível, também.

A questão de perspectiva resume bem a máxima sobre os membros da Casa Targaryen, dita por Jaehaerys II a Barristan Selmy (que, por sinal, se parece muito com uma citação em uma série de que Martin é fã):

— Não sou um meistre para lhe citar história, Vossa Graça. Minha vida foram as espadas, não os livros. Mas qualquer criança sabe que os Targaryen sempre dançaram demasiado perto da loucura. Seu pai não foi o primeiro. O Rei Jaehaerys disse-me um dia que a loucura e a grandeza eram dois lados da mesma moeda. “Sempre que um novo Targaryen nasce”, disse ele, “os deuses atiram uma moeda ao ar e o mundo segura a respiração para ver de que lado cairá”.
(MARTIN, George R. R. A Tormenta de Espadas. São Paulo: Leya, 2011. Tradução de Jorge Candeias.)

“Nascida da Tormenta”, por Tomasz Jedruszek.

Para muitos personagens, dentro dos próprios livros, Daenerys Targaryen já é considerada louca por tudo o que empreendeu em Essos. Para outros, seus súditos, é uma grande líder que inspira afeição e devoção. Acredito que essa distinção só vá se acentuar conforme ela progrida rumo a Westeros e chegue no continente.

Eventuais atos brutais de um personagem podem ser interpretados como tendo explicação e sendo justificados ou não, a depender do observador (e isso no mundo real também). O que especulo é que uma das intenções de GRRM seja explorar essa dualidade usando o fato de sua personagem grande (para o bem ou para o mal) ter um ponto de vista.

O fator surpresa

Na série de TV, embora alguns dos atos cruéis de Daenerys tenham sido apresentados ao longo das temporadas, a “virada” em direção à crueldade máxima foi guardada para o final como uma grande reviravolta que realmente chocou os espectadores. Não acredito, no entanto, que o intuito de George R. R. Martin seja o mesmo nos livros.

Embora muito se diga que “as pistas estavam ali o tempo todo, e se você não gostou de como aconteceu a culpa é sua por não prestar atenção”, não é bem assim que as coisas funcionam (ou deveriam funcionar).

Um giro de 180° na personalidade de um personagem, ainda que algumas dicas já tivessem sido plantadas, pode ser efetivo em termos de twist, mas deixa um sabor amargo de história mal contada e de mau desenvolvimento. Como o canal Trope Anatomy bem explicou, foreshadowing não é desenvolvimento de personagem.

Quando digo que não acredito que Martin tenha o mesmo intuito nos livros, não estou me referindo à ideia de Daenerys realizar atos cruéis, mas a como isso ocorrerá. Não me parece razoável que o autor trate algo desse calibre como uma simples reviravolta para chocar e deixar os leitores boquiabertos de surpresa.

Nesse caso, o investimento do leitor na personalidade da personagem é estimulado por dezenas de capítulos com ponto de vista ao longo de diversos livros. Isso acaba por quase exigir que um ato que ela provavelmente não praticaria no passado, mas que realizará em dado momento futuro, tenha fundamento não só em indícios prévios, mas em experiências, interpretações e interações significativas (ainda que pouco tempo passe). Não deixa de ser uma reviravolta, mas ela não é instantânea.

Para que um arco trágico de Daenerys ou de qualquer outro personagem funcione de fato e com sucesso, todo o desenvolvimento até o final deve ser natural e orgânico, de forma que o leitor (ou espectador) percebam aquele fim como inevitável.

E então?

Daenerys, por Tomasz Jedruszek.

Como leitoras e leitores a essa altura devem ter percebido, este texto foi menos um ensaio bem estruturado e mais uma coleção de várias divagações e reflexões sobre a personagem e seu futuro, mas isso não quer dizer que os pontos apresentados não se interligam.

O ponto central das ideias apresentadas aqui é aquele que se aplica a várias linhas narrativas de Game of Thrones que estarão presentes também em As Crônicas de Gelo e Fogo: o desenvolvimento importa, e muito.

Assim, acredito que a Daenerys que Martin originalmente idealizou vai também realizar nos livros várias das ações de sua correspondente televisiva, mas as motivações e o trajeto para chegar a certos eventos e reviravoltas terão uma exploração mais profunda e que parecerá mais natural. As relações e interações da rainha Targaryen com os Outros e com os outros serão fundamentais para seu destino último, e não serão apenas abordadas de passagem.

Tenho plena consciência de que se o destino da Daenerys for mesmo esse, ele desagradará sua base de fãs mais fanáticos. Por mais pleonástico que isso possa parecer, me refiro aqui ao comportamento dos que consomem a obra como torcedores, de forma parcial para seus favoritos, de maneira que qualquer destino que não seja a “vitória” deles (como se se tratasse realmente de uma competição com vencedores e perdedores) é considerada uma má história.

Qualquer um que acompanha as declarações de Martin e sua escrita, por outro lado, pode chegar à conclusão de que ele não se importa e não se importará com isso ao escrever sua história. O autor não está (e não deveria estar) preocupado em atender a segmentos específicos da base de fãs com seus personagens e seus destinos: ele se propôs a escrever um épico de guerra com um pano de fundo fantástico e é o que está fazendo. Como ele mesmo já disse, “tentar agradar a todos é um erro terrível“.

Daenerys Targaryen será sem dúvida lembrada como uma das personagens que mais impacto causou no universo desse épico, tanto dentro dele (para os personagens) quanto fora (para os leitores). Seja qual for seu destino, ela será uma personificação do “coração humano em conflito consigo mesmo”, um dos motes de escrita de GRRM, e seu apelo enquanto personagem, para mim, reside justamente aí.

 

O post Dois lados da moeda Targaryen: o destino de Daenerys em ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’ apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
https://www.geloefogo.com/2020/01/dois-lados-da-moeda-targaryen-o-destino-de-daenerys-em-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html/feed 1 107296
Os descendentes de Sor Duncan em ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’ https://www.geloefogo.com/2019/09/os-descendentes-de-sor-duncan-em-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=os-descendentes-de-sor-duncan-em-as-cronicas-de-gelo-e-fogo https://www.geloefogo.com/2019/09/os-descendentes-de-sor-duncan-em-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html#comments Fri, 06 Sep 2019 23:47:43 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=106780 George R. R. Martin já disse que pelo menos um descendente de Sor Duncan, o Alto, pode ser encontrado em As Crônicas de Gelo e Fogo. Ele também confirmou que Brienne é um deles, mas ela pode não ser a única. Destrinchamos os possíveis descendentes de Dunk e suas pistas.

O post Os descendentes de Sor Duncan em ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’ apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
Duncan e seus possíveis descendentes. Créditos das artes: Ed Curtis, Marc Simonetti, Andreia Ugrai, Miguel Regodón, C. Griffin e Paolo Puggioni.

Os contos de Dunk e Egg foram a primeira obra derivada de As Crônicas de Gelo e Fogo criada por George R. R. Martin, muito antes dos livros de história imaginária (O Mundo de Gelo e Fogo e Fogo & Sangue). O primeiro conto do cavaleiro andante Duncan, o Alto, e seu escudeiro Aegon “Egg” Targaryen foi escrito por GRRM no intervalo entre as publicações de A Guerra dos Tronos (A Game of Thrones) e A Fúria dos Reis (A Clash of Kings), ainda em 1998.

Martin, na verdade, credita o conto como impulsionador da popularidade da série principal. A história foi publicada originalmente na antologia Legends, de Robert Silverberg, que incluía contos de vários autores consagrados. À época, muitos leitores tiveram seu primeiro contato com Westeros através de O Cavaleiro Andante nessa coletânea, e daí partiram para As Crônicas de Gelo e Fogo.

Depois da primeira história, mais duas foram publicadas: A Espada Juramentada, em 2003, e O Cavaleiro Misterioso, em 2010 (anos mais tarde elas seriam reunidas em um volume único, O Cavaleiro dos Sete Reinos). Como os contos foram criados e publicados durante a escrita dos livros da série principal, é possível para o leitor encontrar algumas coincidências e relações temáticas e de tramas entre a saga de Dunk e Egg e o épico de Gelo e Fogo, e que ficam mais notáveis quando se leva em conta a época em que cada um deles foi escrito.

Como as aventuras de Duncan não se passam muito tempo antes dos eventos das Crônicas – se levarmos em conta que há histórias de milhares de anos sobre Westeros e Essos – não demorou para que os leitores começassem a questionar relações bastante diretas entre as duas séries. Uma dúvida que surgiu bem no começo foi: será que podemos encontrar descendentes de Duncan em As Crônicas de Gelo e Fogo? A resposta, segundo George R. R. Martin, é que sim. Que tal especularmos – com vários níveis de certeza – quem seriam eles? Embarque conosco nesse pequeno salto temporal por Westeros.

Duncan, Egg e Cascodoce. Arte: Ted Nasmith.

As falas de George R. R. Martin

Como leitores e leitoras que acompanham nossos textos no Gelo & Fogo há algum tempo devem saber, em meus artigos procuro sempre, em primeiro lugar, buscar as fontes textuais e as declarações de George R. R. Martin a respeito do assunto. Neste caso não será diferente, até porque ele já disse algumas coisas bem interessantes a respeito.

Logo depois da publicação de O Cavaleiro Andante, ainda em 1998, alguns leitores já perguntaram a GRRM se Duncan havia constituído família e se ela poderia ser encontrada nas Crônicas. A resposta evasiva de Martin revela que ele ainda não havia pensado muito no assunto naquela época:

[sandrews pergunta se Duncan, do Cavaleiro Andante, foi pai de uma família, se a família existe na época dos livros, por que Aemon Targaryen não apareceu na história, e se Dany tem algum parente em Lys por causa do exílio de Aerion Chamaviva.]
Martin: As respostas para (i) e (ii) vão ter que esperar até que eu escreva mais histórias de Dunk e Egg, ou possivelmente até volumes posteriores em AS CRÔNICAS DE GELO E FOGO.
(Muitas Perguntas. Assim Falou Martin. Geloefogo.com, originalmente em Westeros.org. 14 de outubro de 1998.)

Aparentemente ele foi gradualmente passando a considerar essa ideia, porém, e alguns meses mais tarde o tom já foi diferente:

[ALANMAC perguntou se algum dos descendentes de Dunk aparecem em As Crônicas de Gelo e Fogo]
Martin: Oh, talvez.
(Descendentes de Dunk. Assim Falou Martin. Geloefogo.com, originalmente em Westeros.org. 7 de janeiro de 1999.)

Essa resposta, por mais curta que seja, já parecia indicar que Martin via com bons olhos a ideia de incluir algum descendente de Duncan na série principal. No ano seguinte, durante a turnê de autógrafos de A Tormenta de Espadas, a coisa ficou mais séria:

Tomei coragem para deixar escapar uma perguntinha de Gelo e Fogo, que era se encontraríamos algum descendente de Dunk nas Crônicas. Ele disse que sim.
(Mysterious Galaxy Signing. So Spake Martin. Westeros.org. 8 de novembro de 2000. Tradução minha.)

Desta vez a resposta foi bem direta e não deixou dúvidas: sim, encontraríamos algum descendente de Sor Duncan em As Crônicas de Gelo e Fogo. Ainda havia a dúvida, porém, se isso já havia ocorrido nos livros publicados ou se só teria lugar nos volumes futuros. Anos mais tarde, essa dúvida foi sanada no mínimo quanto a O Festim dos Corvos:

Perguntei se ele algum dia iria dizer qual personagem é descendente de Dunk. Recebi uma resposta meio azeda, “Dei uma dica bem forte no livro novo”, ao que respondi timidamente “É, mas eu li muito rápido, em três dias” Eu disse a ele que suspeitava de Brienne, mas que achava que ela era muito óbvia e que ele seria mais sutil, e ele disse “Você acha?”. Malandro reticente.
(US Signing Tour. So Spake Martin. Westeros.org. 10 de novembro de 2005. Tradução minha.)

A partir daí as coisas mudaram de figura, porque os leitores ficaram ainda mais ávidos quanto à questão e passaram a vasculhar o Festim mais especificamente. Ao longo dos anos, tornou-se uma “verdade não-confirmada” no fandom que a personagem em questão seria Brienne de Tarth (por motivos que abordaremos mais adiante). Em 2016 veio a confirmação: durante uma sessão de leitura na Balticon, GRRM foi perguntado se seria explicado como Brienne descende de Duncan, e respondeu que “sim, no momento certo“.

Os (possíveis) descendentes

Agora que já sabemos que há descendentes de Duncan em As Crônicas de Gelo e Fogo, e que pelo menos um deles pode ser encontrado em O Festim dos Corvos, vamos investigar quem seriam os principais candidatos, com base no texto dos livros. Antes de começarmos, é bom lembrarmos de algumas das principais características de Dunk.

A enorme estatura e a grande força física são dois atributos notáveis do cavaleiro à primeira vista. Duncan, que nasceu na Baixada das Pulgas, em Porto Real, foi criado por um cavaleiro andante chamado Arlan de Centarbor, que, embora fosse um bom senhor, costumava também fazer pouco da inteligência de seu escudeiro em certos momentos. Isso se reflete na personalidade humilde de Dunk, que quando se vê falhando em alguma tarefa lembra-se das palavras de Sor Arlan. Ele também é muitas vezes inocente e ingênuo, embora também obstinado, corajoso e caridoso.

Em muitos debates sobre esse assunto nos fóruns e sites de discussão, alguns leitores mencionam que Martin teria dito certa vez que existem quatro descendentes de Dunk em As Crônicas de Gelo e Fogo, e muitas vezes até tentam especular quem seriam eles com base nesse número. No entanto, não consegui de forma alguma encontrar na web alguma fonte primária de George dizendo isso, motivo pelo qual não tomarei essa alegação como verdadeira. Pelas falas de Martin não é possível determinar ao certo quantos descendentes de Duncan há nos livros, apenas que com certeza um existe.

Hodor e Bran. Arte: Miguel Regodón

Hodor

Um dos candidatos a ter em Duncan um ancestral é Walder, o simplório e muito alto cavalariço de Winterfell a quem todos chamam de Hodor. Desde A Guerra dos Tronos, o leitor já sabe que Hodor descende de outra figura emblemática de Winterfell: ninguém menos que a Velha Ama, que é sua bisavó.

Até o momento não há outras informações sobre a família de Hodor ou da Velha Ama, mas uma visão de Bran em A Dança dos Dragões pode indicar a relação deles com Duncan. Após ingerir a pasta de represeiro – que muitos acreditam ter também sangue de Jojen Reed, mas isso é assunto para outro artigo – e ter seus poderes de vidente verde potencializados, Bran experimenta uma série de visões pela árvore-coração de Winterfell.

Entre as visões, que aparecem em rápida sucessão, da mais recente para a mais antiga, o menino assiste ao pai Eddard em oração diante do represeiro, um menino e uma menina brincando de combate com pedaços de pau (que se acredita serem Benjen e Lyanna), e na sequência:

Depois disso, os vislumbres vieram cada vez mais rápidos, até Bran se sentir perdido e enjoado. Não viu mais seu pai, nem a menina que se parecia com Arya, mas uma mulher em gravidez adiantada emergiu nua e pingando da lagoa negra, ajoelhou-se diante da árvore e implorou aos deuses por um filho que a vingasse. Então veio uma garota de cabelos castanhos, esguia como uma lança, que ficou na ponta dos pés para beijar os lábios de um jovem cavaleiro tão alto quanto Hodor.
(A Dança dos Dragões. Capítulo 34, Bran III. Tradução de Marcia Blasques. Negrito meu.)

Nos três contos já publicados, o cavaleiro andante ainda não viajou por terras nortenhas, mas George R. R. Martin já comentou algumas vezes que iniciou a escrita de um quarto conto que se passaria no castelo dos Stark.  O título provisório dessa história seria The She-Wolves of Winterfell (“As Lobas de Winterfell”), e ela seria publicada na antologia Mulheres Perigosas, mas Martin acabou não terminando o conto a tempo e ele foi substituído por A Princesa e a Rainha, um excerto do material de história imaginária que posteriormente apareceu em versão completa em Fogo & Sangue.

As evidências para a relação entre Hodor e Duncan são circunstanciais, é verdade, mas combinam com o modo de Martin de dar pistas. Dada a menção a um cavaleiro e o fato de que essa visão cronologicamente poderia coincidir com uma época em que Duncan está vivo, acredita-se que ele seria a figura que está beijando a jovem esguia diante do represeiro. A partir daí se faz, através da comparação feita por Bran da altura do homem com a de Hodor, uma ligação com este personagem, via Velha Ama (que também estaria viva à época da visão).

Grenn, por Andreia Ugrai. © Fantasy Flight Games.

Grenn

Outro personagem residente do Norte à época dos eventos de As Crônicas de Gelo e Fogo também pode ser um descendente de Dunk, mas este por um embasamento diferente. Grenn, um recruta que entra para Patrulha da Noite com Jon Snow e Sam Tarly, tem algumas características semelhantes ao cavaleiro andante que viveu mais ou menos 100 anos antes.

O texto dos livros não informa a origem geográfica ou o passado de Grenn, mas a impressão geral que Jon Snow tem dele, pelo menos à primeira vista, é a de que ele é lento e desajeitado. Os colegas patrulheiros com frequência fazem piadas com seu aspecto e a aparente lentidão de raciocínio, características que Duncan, em seus contos, também diz aplicarem-se a si mesmo.

A maior evidência, porém, está em uma piada recorrente que Pyp faz sobre Grenn:

– Os Outros ficaram com a sua bota, Matador?
Ele também?
– Foi a lama. Não me chame disso, por favor.
– Por que não? – Grenn parecia honestamente surpreso. – É um bom nome, e arranjou-o com justiça.
Pyp costumava provocar Grenn por ter a cabeça dura como a muralha de um castelo, portanto Sam explicou pacientemente.
– É só uma maneira diferente de me chamarem de covarde – disse, apoiado na perna esquerda e esforçando-se para enfiar o pé direito novamente na bota lamacenta. – Estão caçoando de mim, da mesma maneira que caçoam do Bedwyck quando o chamam de Gigante.
(A Tormenta de Espadas. Capítulo 33, Samwell II. Tradução de Jorge Candeias. Negrito meu.)

Pode se tratar apenas de uma expressão comum em Westeros, mas ela é fortemente associada a Duncan. Sempre que julga que fracassou em algo, ele se lembra de como Sor Arlan de Centarbor, seu falecido mestre, dizia que ele tinha a cabeça tão dura quanto a muralha de um castelo. A expressão é repetida nos contos de Dunk & Egg nada menos que 19 vezes.

O mais interessante é que a menção a Pyp se referir a Grenn dessa maneira só surge a partir de A Tormenta de Espadas, publicado em 2000. A data coincide com a época em que Martin passou a responder “sim” quando perguntado se seria possível encontrar descendentes de Duncan nas Crônicas.

Paul Pequeno e outro patrulheiro. Arte: Paolo Puggioni. © Green Ronin Publishing

Paul Pequeno

O Norte ainda esconde outro patrulheiro com um caso similar ao de Grenn: Paul Pequeno. Suas duas características mais notáveis são ser um bocado simplório intelectualmente e sua enorme estatura. Ele faria parte do motim organizado por Chett e outros patrulheiros contra Jeor Mormont, não tivesse antes sido morto por um Outro e transformado em uma criatura.

Enquanto os rebeldes planejam a insurreição, em que o papel de Paul seria o de assassinar o próprio Senhor Comandante, e o seguinte diálogo tem lugar:

– Chett – disse Paul Pequeno enquanto avançavam penosamente por uma trilha pedregosa, aberta por animais entre árvores-sentinela e pinheiros marciais –, e o pássaro?
– De que merda de pássaro você está falando? – A última coisa de que precisava agora era de um cabeça oca perguntando de um pássaro.
– O corvo do Velho Urso – disse Paul Pequeno. – Se o matarmos, quem vai dar comida ao pássaro?
– Quem liga pra isso? Mate o pássaro também, se quiser.
– Não quero fazer mal a pássaro nenhum – disse o enorme homem. – Mas aquele é um pássaro que fala. E se ele contar a alguém o que fizemos?
Lark, o homem das Irmãs, soltou uma gargalhada.
Paul Pequeno, cabeça-dura como a muralha de um castelo – caçoou.
– Fica quieto – disse Paul Pequeno, num tom que denotava perigo.
(A Tormenta de Espadas. Prólogo. Tradução de Jorge Candeias. Negrito meu.)

Temos novamente, portanto, o caso de um gigante com fama de pouco inteligente sendo chamado pela expressão característica de Duncan.

Por acaso ou não, em uma busca das ocorrências da expressão “thick as a castle wall” (“cabeça dura como a muralha de um castelo”) em todos os livros já publicados, os resultados, além das 19 menções de Duncan, são apenas em referência aos personagens citados aqui, o que aumenta ainda mais a possibilidade de se tratar realmente de uma pista de GRRM.

Brienne de Tarth. Arte: C. Griffin. © Fantasy Flight Games.

Brienne de Tarth

Por último, Brienne de Tarth, cujo caso já passou do status de teoria, já que houve confirmação pelo próprio George R. R. Martin. Ainda assim é interessante sabermos quais foram as dicas que ele deixou para que os leitores descobrissem que ela tem um ancestral em Duncan. Os indícios mais fortes, como o próprio autor disse durante uma sessão de autógrafos de O Festim dos Corvos, estão neste volume.

No quarto livro, Brienne é enviada por Jaime Lannister em busca de Sansa Stark, para que ele cumprisse sua promessa a Catelyn. Além da espada de aço valiriano Cumpridora de Promessas e uma carta assinada pelo Rei Tommen, Jaime deixa para ela um escudo com as armas da Casa Lothston, que ele encontrara na armaria de Harrenhal. A fama dos Lothston, porém, não é das melhores: a Casa havia sido a sexta a governar Harrenhal, mas, como as anteriores, caíra em desgraça, como a donzela de Tarth não tarda a descobrir.

Quando ela chega a Valdocaso, o capitão do portão diz que sua irmã pode fazer uma nova pintura no escudo, para substituir o morcego da desgraçada casa. Brienne vai até a residência dela, onde pede a ela que pinte o escudo com armas que vira há anos na armaria de seu pai, em Tarth. Ao final do capítulo, ela reflete sobre o brasão em questão:

A irmã do capitão foi encontrá-la na sala comum, bebendo uma taça de leite e mel, com três ovos crus atirados lá para dentro.
– Fez um belíssimo trabalho – disse, quando a mulher lhe mostrou o escudo recém-pintado. Era mais um quadro do que um brasão propriamente dito, e vê-lo a levou de volta através de longos anos até a escuridão fria do armeiro do pai. Recordou como fizera passar as pontas dos dedos pela tinta lascada que se desvanecia, pelas folhas verdes da árvore e ao longo do trajeto da estrela cadente.
(O Festim dos Corvos. Capítulo 9, Brienne II. Tradução de Jorge Candeias. Negrito meu.)

Reprodução do escudo de Sor Duncan, o Alto, por Ed Curtis. Fonte: George R. R. Martin, site oficial.

Trata-se, obviamente, das armas de Sor Duncan, criadas por ele, Egg e Tanselle, evocando o momento em que Duncan estava escorado em um olmo à beira da lagoa e viu uma estrela cadente no céu, além da memória de Sor Arlan:

A garota olhou para o escudo e então para ele.
– O que quer pintado?
Dunk não havia pensado nisso. Se não o cálice alado do velho, então o quê? Sua cabeça estava vazia. Dunk, o pateta, cabeça-dura como uma muralha de castelo.
– Não… não tenho certeza. – Suas orelhas estavam ficando vermelhas, percebeu, infeliz. – Deve achar que sou um completo bobo.
Ela sorriu.
– Todos os homens são bobos, e todos os homens são cavaleiros.
– Que cor de tinta você tem? – ele perguntou, esperando que aquilo lhe desse alguma ideia.
– Posso misturar as tintas para fazer qualquer cor que desejar.
O marrom do velho sempre parecera sem graça para Dunk.
– O fundo deve ser da cor do pôr do sol – disse de repente. – O velho gostava do pôr do sol. E o símbolo…
– Um olmo – Egg falou. – Um grande olmo, como aquele na lagoa, com tronco marrom e galhos verdes.
– Sim – Dunk concordou. – Isso deve servir. Um olmo… mas com uma estrela cadente em cima. Pode fazer isso?
A garota assentiu.
– Dê-me o escudo. Vou pintá-lo esta noite mesmo e devolvo para você de manhã.
(O Cavaleiro Andante. In: O Cavaleiro dos Sete Reinos. Tradução de Marcia Blasques. Negrito meu.)

Isso não significa que as pistas se resumem ao quarto livro, porém. Como nos outros casos, a ideia de fazer de Duncan um ancestral de Brienne parece ter surgido a GRRM durante a escrita de A Tormenta de Espadas. Mais uma vez, a fala de Sor Arlan a Dunk é repetida:

– Isso foi indigno – murmurou. – Fui estropiado e estou amargo. Perdoe-me, garota. Protegeu-me tão bem quanto qualquer homem poderia proteger, e melhor do que a maioria.
Ela enrolou sua nudez numa toalha.
– Está zombando de mim?
Aquilo voltou a enfurecê-lo.
Terá uma cabeça tão dura como a muralha de um castelo? Isso foi um pedido de desculpas. Estou farto de lutar com você. O que diz de fazermos uma trégua?
(A Tormenta de Espadas. Capítulo 37, Jaime V. Tradução de Jorge Candeias. Negrito meu.)

O fato de essa fala ser usada também com Brienne se torna ainda mais interessante à luz da confirmação de sua ascendência por GRRM. Acaba por emprestar força à ideia de que nas outras ocorrências dela, com os outros personagens, tratava-se mesmo de uma pista deixada pelo autor, e não apenas a repetição de uma expressão comum em Westeros (embora habilmente funcione a esse nível também).

O caso de Brienne é ainda mais interessante por se tratar de uma casa nobre, ao contrário dos outros candidatos a descendentes, pois acaba por significar a bastardia da linhagem da Casa de Tarth, ainda que esse fato não seja público em Westeros. Duncan nunca se casou, e depois foi nomeado para a Guarda Real, chegando ao cargo de Senhor Comandante, que ocupou até a morte. Isso significa que a união dele com alguma mulher Tarth foi extraconjugal.

O que não sabemos é se essa Tarth já era casada, o que significaria que a paternidade de um eventual filho seria publicamente atribuída ao marido, ou se era solteira, o que resultaria em uma criança publicamente bastarda (que poderia ou não ser posteriormente legitimada). Como George já disse que no “momento certo” veremos a explicação de como Brienne descende de Duncan, podemos esperar algum esclarecimento quanto a isso.

Outros?

Não sabemos quantos seriam os descendentes de Duncan em Westeros e nos livros das Crônicas, mas é possível que outros existam também (é claro, presumindo que os citados realmente o são). Alguns candidatos frequentemente citados entre os leitores são personagens famosos por sua estatura, como os irmãos Gregor e Sandor Clegane, por exemplo.

Não há nenhum argumento que de fato impeça que outros personagens também sejam descendentes de Duncan, mas tampouco existem mais evidências nesse sentido como há para os quatro personagens mencionados anteriormente. No caso dos citados acima, além das coincidências físicas, as personalidades deles também são coerentes com a de Duncan, o que também seria uma forma de o autor deixar pistas para seus leitores.

E você, tem mais algum candidato a descendente de Duncan a propor? Considera que os argumentos elencados aqui não são suficientemente fortes? Compartilhe, discuta e debata nos comentários. Até mais!


O Cavaleiro dos Sete Reinos, coletânea que inclui os três contos de Dunk e Egg já publicados, pode ser adquirida por R$ 24,90 na Amazon.

O post Os descendentes de Sor Duncan em ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’ apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
https://www.geloefogo.com/2019/09/os-descendentes-de-sor-duncan-em-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html/feed 2 106780
Produtores revelam que planejaram desfecho de ‘The Long Night’ há três anos https://www.geloefogo.com/2019/04/profecia-arya-melisandre.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=produtores-revelam-que-planejaram-desfecho-de-the-long-night-ha-tres-anos https://www.geloefogo.com/2019/04/profecia-arya-melisandre.html#comments Tue, 30 Apr 2019 02:40:18 +0000 http://geloefogo.com/?p=105847 No Por Dentro do Episódio que discute as cenas do episódio 8.03 ‘The Long Night’, muitas revelações e considerações importantes […]

O post Produtores revelam que planejaram desfecho de ‘The Long Night’ há três anos apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>

No Por Dentro do Episódio que discute as cenas do episódio 8.03 ‘The Long Night’, muitas revelações e considerações importantes são feitas por David Benioff e Dan Weiss, showrunners de Game of Thrones.

Benioff ressalta que encontramos os mortos-vivos na primeira cena do primeiro episódio da série. E que este é o ponto culminante de uma das principais histórias apresentadas.

Sobre Arya, os produtores falam que sua jornada através de toda a série levou-a até este ponto, para esta batalha, para seu momento final. Benioff e Weiss refletem sobre a cena final, afirmando que ela foi decidida há menos tempo do que se imaginava.

Melisandre previu que Arya mataria o Rei da Noite?

Profecia Arya Melisandre
Arya e Melisandre em ‘The Long Night’

Durante seu breve tempo juntas em Winterfell, Melisandre repete a profecia que fez durante a primeira vez que encontrou Arya, no episódio 3.06; ‘The Climb‘.

Você disse que nos encontraríamos de novo. Você disse que eu fecharia muitos olhos para sempre. Você estava certo sobre isso também.

– diz Arya.

Olhos castanhos, olhos verdes e olhos azuis.

– responde a sacerdotisa.

 

Será que é correto afirmar que Melisandre previu que Arya mataria o Rei da Noite?

Se você prestou atenção no vídeo acima, percebeu que Benioff conta que decidiu que este seria o destino de Arya há três anos, e que escolher ela como o carrasco do Rei da Noite foi a opção mais correta para eles na sala de roteiros. A terceira temporada de Game of Thrones, no entanto, foi filmada há 7 anos. Esta é, portanto, uma continuidade retroativa (ou retcon). Portanto, este não foi o plano desde o começo, apesar da fala de Melisandre ser um gancho para que os roteiristas decidissem o que fazer depois.

Se esta discussão é importante ou não, ou se podemos validar um retcon como profecia, é necessário esclarecer: Arya tirou a vida de muitas pessoas em sua jornada. Vamos recordar cada uma delas?

Quantas pessoas Arya já matou em Game of Thrones?

Olhar para a profecia de Melisandre na 3ª temporada de Game of Thrones e tentar adivinhar o que ela enxergou para o destino de Arya tem sido discussão garantida nos fóruns e grupos de fãs pela internet há muito tempo.

Vamos tentar relembrar quantas pessoas ela já matou na série de TV?

O jovem cavalariço (1 ª temporada)
Na primeira morte da vida de Arya, ela usa Agulha para golpear um garoto dos estábulos enquanto fugia do Fortaleza Vermelha, já que os soldados Lannister estavam executando todas as pessoas da Casa Stark em Porto Real.

Cócegas (2ª temporada)
Após salvar a vida de Jaqen H’ghar, o Homem Sem Rosto oferece a Arya um pagamento: Nomear três pessoas para que Jaqen as mate. O primeiro nome que ela lhe dá é de Cócegas, o torturador de Harrenhal. Jaqen quebra seu pescoço em nome dela.

Sor Amory Lorch (2ª temporada)
O segundo nome que Arya dá a Jaqen é Amory Lorch, um cavaleiro da Casa Lannister. Lorch flagra Arya com uma pergaminho que ela roubou de Lorde Tywin. Antes que ele tenha a chance de contar a Tywin que ela é uma espiã, Jaqen o mata com um dardo envenenado.

Um soldado Frey (3ª temporada)
Não muito tempo depois de escapar das Gêmeas e do massacre do Casamento Vermelho, Arya e Sandor passam por quatro soldados da Casa Frey. Reunidos, eles conversam sobre como eles costuraram a cabeça do lobo gigante de Robb Stark, no corpo decepado do Rei do Norte. Arya se aproxima deles pedindo por comida, e então brutalmente apunhala um. Esta é a primeira morte que Arya comete após seu encontro com Melisandre.

Um soldado Lannister (4 ª temporada)
Viajando com o Cão de Caça, Arya passa por um grupo de soldados Lannister na Estalagem do Entroncamento. Arya os reconhece como alguns dos soldados que interceptaram ela e seus amigos em sua jornada para fora de Porto Real. Eles reconhecem Sandor e iniciam uma briga. Arya mata um deles.

Polliver (4 ª temporada)
Na mesma luta na Estalagem do Entroncamento, Arya recupera sua espada, Agulha, do homem que a roubou na 2ª temporada: Polliver. Ela transpassa sua espada pela garganta dele, da mesma forma que ele matou seu amigo Lommy anos antes.

Rorge (4 ª temporada)
Quando Arya conhece Jaqen H’ghar na 2ª temporada, ela está viajando com Yoren, um homem da Patrulha da Noite. Yoren tinha três prisioneiros na ocasião. Arya os liberta, estando entre eles Jaqen, e Rorge, que ameaça agredi-la.

Na 4ª temporada, Arya e o Cão são atacados por Rorge, e ela o esfaqueia no estômago com Agulha.

Sor Meryn Trant (5ª temporada)
Ser Meryn é o Guarda Real que mata Syrio Forel, professor de Arya, na 1ª temporada. Quando ele chega em Braavos, ela se vinga roubando um rosto da Casa de Preto e Branco e fingindo ser uma menina trabalhando em um bordel. Ela o apunhala nos olhos e depois corta sua garganta. Por este crime, os Homens Sem Rosto a cegam.

Criança Abandonada (6ª temporada)
Arya se recusa a assassinar a atriz Lady Crane para os Homens Sem Rosto, então Jaqen envia a garota sem nome conhecida como Criança Abandonada para matar Arya. A assassina persegue Arya através de Braavos, mas eventualmente cai em uma emboscada e é morta em um quarto escuro.

Lothar Frey e Black Walder Frey (6ª temporada)
Arya deixa Braavos, com a intenção de voltar a ser Arya Stark e abandonar seu treinamento. Ela se dirige para as Gêmeas, onde se vinga de Walder Frey. Ela mata os dois filhos de Lorde Walder, prepara uma torta com sua carne humana, e oferece como alimento ao pai deles.

Lorde Walder Frey (6ª Temporada)
Após revelar que o fez comer os próprios filhos, Arya corta a garganta de Lorde Walder.

Todos os homens da Casa Frey (7ª Temporada)
Após assassinar Walder e seus herdeiros, Arya usa seus poderes de Mulher Sem Rosto para montar uma armadilha. Ela reune todos os homens restantes da Casa Frey e, fingindo ser Lorde Walder, envenena todos eles.

Petyr Baelish (7ª Temporada)
Em um plot confuso com manipulações e conspiração, Arya executa Mindinho sob ordens de Sansa, cortando sua garganta na frente dos lordes nortenhos.

O Rei da Noite (8 ª temporada)
Ao aceitar o destino que Melisandre traçara para ela anos atrás, Arya consegue se esgueirar pelo castelo invadido por wights, correr até o bosque sagrado, e matar o Rei da Noite com sua adaga de aço valiriano, a mesma que foi usada para tentar matar Bran Stark há muitos anos, e a mesma que ela usou para matar Petyr Baelish.

É preciso entender que, afinal, Arya protagoniza muitas cenas violentas ao longo de sua vida. Ela cerrou muitos olhos, de muitas cores. E vestiu a morte, usando muitos rostos que sequer conhecia. Sua jornada como criança soldado é profundamente triste. Quando um exército inteiro de mortos invadiu sua casa, ela os exterminou. Mas ainda há dois nomes em sua lista.

Será que ela conseguirá riscá-los? As cores de seus olhos importam, alinhados a uma lista tão grande?

Vejo uma escuridão em você

– disse Melisandre.

Esta, talvez, tenha sido a previsão que importa.


Assista aos bastidores da batalha em Winterfell clicando aqui.

O post Produtores revelam que planejaram desfecho de ‘The Long Night’ há três anos apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
https://www.geloefogo.com/2019/04/profecia-arya-melisandre.html/feed 1 105847
Roteirista revela significado dos símbolos dos White Walkers https://www.geloefogo.com/2019/04/roteirista-revela-significado-dos-simbolos-dos-white-walkers.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=roteirista-revela-significado-dos-simbolos-dos-white-walkers https://www.geloefogo.com/2019/04/roteirista-revela-significado-dos-simbolos-dos-white-walkers.html#respond Sat, 20 Apr 2019 05:42:21 +0000 http://www.geloefogo.com/?p=105593 Dave Hill, roteirista do episódio 8.01 ‘Winterfell’, revelou o significado por trás dos símbolos dos White Walkers (Caminhantes Brancos). Em […]

O post Roteirista revela significado dos símbolos dos White Walkers apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>

Dave Hill, roteirista do episódio 8.01 ‘Winterfell’, revelou o significado por trás dos símbolos dos White Walkers (Caminhantes Brancos). Em entrevista ao New York Post na última quinta-feira, Hill resolveu explicar o conceito por trás das artes mórbidas idealizadas pelos monstros do inverno de Game of Thrones:

símbolos dos White Walkers
Cena do episódio 8.01 ‘Winterfell’

O padrão espiral era sagrado para as Crianças da Floresta, que criaram o Rei da Noite sacrificando um homem em uma formação de pedras. O Rei da Noite então adotou o símbolo como uma espécie de blasfêmia, como Satanás com a cruz de cabeça para baixo.

Ao longo de todas as temporadas da série da HBO, vimos muitas imagens com formações em pedra ou gelo, espirais ou círculos concêntricos. Selecionamos a seguir, todas elas:

símbolos dos White Walkers símbolos dos White Walkers símbolos dos White Walkers símbolos dos White Walkers símbolos dos White Walkers símbolos dos White Walkers símbolos dos White Walkers símbolos dos White Walkers símbolos dos White Walkers símbolos dos White Walkers símbolos dos White Walkers símbolos dos White Walkers símbolos dos White Walkers

Dave Hill, também admite que “há sempre muita pressão” para escrever Game of Thrones, apesar de ter sido especialmente desafiador escrever Jon descobrindo a verdade sobre sua ascendência

A entrevista completa do New York Post pode ser lida aqui: nyp.st/2KPzTwj


Escute aqui o podcast do episódio 8.01 ‘Winterfell’.

O post Roteirista revela significado dos símbolos dos White Walkers apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
https://www.geloefogo.com/2019/04/roteirista-revela-significado-dos-simbolos-dos-white-walkers.html/feed 0 105593
Um segredo da última cena de ‘Gelo & Fogo’ na HQ de ‘A Game of Thrones’ https://www.geloefogo.com/2019/04/um-segredo-da-ultima-cena-de-gelo-fogo-na-hq-de-a-game-of-thrones.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=um-segredo-da-ultima-cena-de-gelo-fogo-na-hq-de-a-game-of-thrones https://www.geloefogo.com/2019/04/um-segredo-da-ultima-cena-de-gelo-fogo-na-hq-de-a-game-of-thrones.html#comments Wed, 17 Apr 2019 22:50:25 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=98733 Daniel Abraham, roteirista da graphic novel de A Guerra dos Tronos, revelou que Martin lhe contou um segredo sobre o fim dos livros, e ele está na HQ.

O post Um segredo da última cena de ‘Gelo & Fogo’ na HQ de ‘A Game of Thrones’ apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
HQs de A Guerra dos Tronos
Capas e quadros das HQs de A Guerra dos Tronos. Arte: Tommy Patterson e Mike S. Miller

As Crônicas de Gelo e Fogo são adaptadas para os quadrinhos desde 2011, ano da primeira edição de A Guerra dos Tronos no formato graphic novel. Um fato relacionado com essa HQ que nem todos conhecem, porém, é que ela esconde um segredo sobre o final dos livros, revelado por George R. R. Martin a Daniel Abraham, roteirista responsável pela adaptação.

Abraham, colaborador frequente de Martin, revelou que teve que retrabalhar uma passagem do livro, porque o autor disse que ela seria importante para a última cena de A Dream of Spring (“Um Sonho de Primavera”), último livro de As Crônicas de Gelo e Fogo. Desde então, a tentativa de descobrir qual seria essa passagem gerou muitos debates e discussões entre leitores em fóruns na Web.

Essa questão é interessante por si só, e se torna ainda mais diante do fato de que o fim de outra adaptação, esta para a TV, está chegando: no dia 19 de maio de 2019, o mundo conhecerá o final de Game of Thrones. Embora Martin já tenha dito que o final do show terá diferenças em relação aos livros, uma cena tão importante provavelmente também estaria na TV, não é? E será que a tal cena final também estará em GoT?

Que tal, então, analisarmos o que Abraham realmente disse a respeito, e buscarmos outras dicas que podem ajudar na investigação de qual seria essa misteriosa passagem sobre o fim da história? Acompanhe conosco essa pequena viagem.

A fala de Daniel Abraham

Daniel Abraham é um escritor de fantasia e ficção científica, que já foi indicado aos prêmios Hugo, Nebula e World Fantasy, e em conjunto com Ty Franck (que era assistente pessoal de Martin) assina a série de livros The Expanse, que também ganhou uma adaptação televisiva. Daniel tem um longo histórico de colaboração com George R. R. Martin.

Antes de roteirizar a graphic novel de A Guerra dos Tronos, Abraham fora responsável pela adaptação de Sonho Febril e O Troca-Peles (outras duas história de GRRM) para os quadrinhos também. Além disso, é coautor de Caçador em Fuga, em conjunto com George e Gardner Dozois, e participou do universo compartilhado de Wild Cards.

James S. A. Corey
Daniel Abraham (direita), com Ty Franck, seu colega no pseudônimo James S. A. Corey, autores de The Expanse. Ambos já trabalharam com GRRM. Foto: Wikimedia Commons.

Não é surpresa, portanto, que ele tenha sido o escolhido para roteirizar a graphic novel de As Crônicas de Gelo e Fogo, e que Martin tenha confiado a ele informações privilegiadas para esse trabalho. Daniel revelou a questão sobre a passagem específica incidentalmente, em uma entrevista ao CBR.com, depois de ser perguntado sobre o processo criativo de trabalhar com George na adaptação:

Conversei com George bastante no processo. Os maiores problemas que tivemos foram questões de continuidade. Existem coisas nessa história que só ele sabe, e que não são todas óbvias. Houve uma cena que tive que retrabalhar porque há uma fala em particular – e não dá para saber só de bater o olho – que é importante na última cena de A Dream of Spring. Para esse tipo de problema, não existe substituto para simplesmente falar com o próprio homem.

É fato sabido entre os leitores que muitos dos presságios e foreshadowing de toda a história estão em A Guerra dos Tronos. Elio García e Linda Antonsson comentaram a esse respeito, e também da própria situação envolvendo Abraham e a adaptação, em uma entrevista há alguns anos:

Sabemos que a primeira intenção de Martin era escrever uma trilogia, então devemos assumir que um terço das pistas que nos levam ao final estão no primeiro livro?

Elio M. García Jr: Quando ele estava terminando o primeiro livro, ele percebeu que não era uma trilogia, mas uma série de quatro livros, então até parte de A Fúria dos Reis foi escrita originalmente para A Guerra dos Tronos, mas quando ele começou o segundo livro, ele disse: “Espera, isto está ficando ainda mais longo!”, então ele parou por um instante e visualizou a história toda antes de decidir finalmente que haveria seis livros, embora agora, por um bom tempo, ele tenha dito sete. Ainda assim, você tem razão. Uma boa parte das pistas sobre várias coisas que acontecerão no final mesmo estão no primeiro livro. Por exemplo, Daniel Abraham fez uma série de histórias em quadrinhos adaptando A Guerra dos Tronos e tem uma coisa interessante que George disse a ele: “Você tem que manter essa frase porque essa frase é importante para o que acontece no final.

Linda Antonsson: A última cena mesmo… Então tem algo no primeiro livro que encontrará eco ali.

De qualquer forma, pela resposta de Abraham, observamos que ele não percebera a importância de uma passagem em especial, foi informado da relevância dela por Martin, e teve de retrabalhar a cena por essa razão. Isso significa, é claro, que o “segredo” em questão não é exclusivo da HQ, e está também no próprio livro de A Guerra dos Tronos. E aí começa a curiosidade: afinal, que cena é essa?

Critérios de busca

HQ A Guerra dos Tronos vol 1
Volume 1 da HQ de A Guerra dos Tronos

Para tentarmos investigar que fala seria essa, é bom dissecar a declaração de Daniel. A entrevista é de setembro de 2011, quando a primeira edição da graphic novel foi publicada. Ele, é claro, havia escrito os roteiros algum tempo antes, mas essa data revela que Abraham ainda não estava muito adiantado na adaptação. Isso significa que a passagem tem lugar no começo de A Guerra dos Tronos, e está no volume um ou dois da HQ.

É importante observar também que ele revela que é uma fala. Não é, então, um pensamento de algum personagem. Além disso, Abraham diz que a passagem não é especialmente notável à primeira vista (“e não dá para saber só de bater o olho”). Assim, pode ser uma fala bastante simples e aparentemente sem muita importância.

Isso não quer dizer, porém, que seja impossível descobrir qual é. Devemos levar em conta que essa é impressão de Abraham sobre a fala em questão. Pode ser que a fala já fosse objeto de atenção de fãs que já leram e releram os livros várias vezes e discutiram sobre eles online. De qualquer forma, existe um número limitado de falas na HQ em relação ao livro, e saber que uma delas tem essa importância já faz toda a diferença.

De qualquer forma, Daniel disse também que teve que retrabalhar a cena, e isso pode significar duas coisas diferentes. As possibilidades são que, no roteiro inicial (antes da intervenção de Martin), Abraham tivesse abordado a fala de forma que uma parte essencial dela fora perdida, ou pode ser que ele tivesse suprimido a passagem completamente.

Está em Game of Thrones?

Partindo um pouco para a especulação, existe a dúvida sobre se a fala está na série de TV ou não. A adaptação de Abraham para os quadrinhos aconteceu de forma independente de Game of Thrones. Na entrevista ao CBR ele deixa isso bem claro, dizendo:

Eu já estava com vários scripts quando a coisa da HBO saiu, e fico bastante satisfeito que já estivesse. Eu já havia tomado um monte de decisões que eram um pouco diferentes do que eles estavam fazendo, e essa distância é importante para mim. A série é um trabalho ótimo, e eu a admiro, mas meu trabalho não é adaptar uma série de TV. É abordar o livro original. É realmente onde está meu foco.

Acontece, porém, que se George fez questão de alertar Daniel Abraham para essa fala em especial, seria razoável presumir que ele faria o mesmo com David Benioff e D. B. Weiss, os produtores da adaptação televisiva. É claro que Martin nunca teve poder decisório em Game of Thrones e sempre atuou mais como um consultor, mas na primeira temporada a proximidade dele como a série era notadamente maior do que se tornou ao longo dos anos.

Essa questão é controversa nos fóruns, mas pessoalmente acredito que a fala está também na série de TV, seja por intervenção de Martin ou porque simplesmente os roteiristas não a excluíram (ou alteraram) desde o começo, como Abraham fizera. É bom lembrarmos que Benioff já disse que o terceiro “momento chocante” dos planos revelados por George R. R. Martin a ele e Weiss é do “final mesmo“.

Abraham e os finais

Outra informação que pode se relacionar com o mistério surgiu por acaso em 2014, quando Anne Groell, a editora de Martin na Bantam, participou de uma sessão de perguntas e respostas no Suvudu. Ela foi questionada se sabia o final da história, como os produtores de Game of Thrones, e respondeu o seguinte:

Não. O George é um sujeito bem reservado, e guarda bem seus segredos. Sei de algumas coisas de Os Ventos do Inverno, mas principalmente porque tivemos que encurtar alguns elementos do livro [A Dança dos Dragões] porque já estava ficando muito longo, e ele tinha que revelar alguns segredos, então pude ajudá-lo a redirecionar partes do enredo um pouco. Sei o ponto final da história de Bran — e Daniel Abraham, que vem adaptando a graphic novel de A Game of Thrones para mim, sabe onde Tyrion termina. (Tenho inveja disso!) […] Tive um almoço muito divertido com Daniel, em que nós claramente não contamos um ao outro o que sabíamos.

Essa revelação de Groell gerou um certo consenso nas discussões sobre a fala misteriosa, nos fóruns e no reddit, no sentido de que ela se relacionaria com Tyrion (fosse proferida por ele mesmo ou por outro personagem em diálogo com ele). Restringir o universo de falas possíveis apenas a cenas que envolvem um único personagem facilitaria muito a busca.

Acontece que existe outra declaração de Abraham, menos conhecida, que complica um pouco as coisas nesse sentido. No livro Além da Muralha (Leya, 2015), uma coletânea de ensaios de vários autores sobre As Crônicas de Gelo e Fogo, Abraham escreveu sobre a processo de adaptação da HQ, e diz o seguinte:

Mas As Crônicas de Gelo e Fogo não é uma série aberta. Ela tem uma conclusão para a qual se move e, de fato, a última sequência do último livro já foi decidida.

[…]

Para mim, o fato mais importante sobre As Crônicas de Gelo e Fogo é que elas irão acabar. Daenerys Targaryen terá uma última cena e uma última palavra. Graças à minha participação nesse projeto, conheço o destino de vários personagens principais, e tenho uma boa ideia do ponto final do enredo.

A primeira passagem revela que Daniel sabe mesmo sobre a última sequência do último livro, mas a segunda deixa claro que ele não sabe apenas o final de Tyrion, mas de vários dos personagens principais de As Crônicas de Gelo e Fogo. Assim, restringir a busca pela fala apenas a passagens que envolvam Tyrion não é realmente uma boa ideia.

Em outra entrevista, esta para o MTV Geek, ele deixa claro que sabe mesmo coisas sobre o final de uma forma geral, uma vez que isso foi necessário para poder escolher o que seria mantido ou cortado no processo de adaptação:

Quais foram alguns dos outros desafios de levar essa obra às páginas dos quadrinhos?

Daniel Abraham: Extrair spoilers de George. Houve ocasiões em que precisei comprimir algumas partes de ação ou reduzir o número de personagens em uma cena, de forma que a página não ficasse tão confusa de se olhar, mas para isso acontecer, eu preciso saber o que é crítico para o enredo e o que não é. Como resultado, eu sei algumas coisas sobre como a série termina, e o que algumas das profecias no texto significam, coisas que eu levaria um tiro se contasse.

Candidatas?

Tudo bem, já vimos o que Abraham e outras pessoas disseram, mas afinal, que fala é essa? A verdade é que ninguém nunca chegou a uma conclusão definitiva sobre isso, embora muitas tenham sido sugeridas pelos fãs nas discussões online. Compilei aqui algumas passagens da HQ que imagino que possam estar relacionadas com a última cena de A Dream of Spring.

– Deveríamos regressar – insistiu Gared quando os bosques começaram a escurecer ao redor do grupo.

A primeira fala de todas em As Crônicas de Gelo e Fogo, do prólogo, e que foi reproduzida fielmente na adaptação da graphic novel. Se a história terminasse com um diálogo igual, mesmo que em circunstâncias não idênticas, isso poderia indicar uma natureza cíclica da história (que foi referenciada por Martin em alguns outros trechos). A cena, porém, foi alterada em Game of Thrones, e essa fala não é a primeira proferida na série de TV.

– Os invernos são duros – admitiu Ned. – Mas os Stark os suportarão. Sempre os suportamos.

Um diálogo entre Eddard e Robert Baratheon nas criptas de Winterfell. Os Starks são a primeira família apresentada em A Guerra dos Tronos, e não seria nada estranho que eles também protagonizassem também a última cena. O título do último livro trata a primavera como um sonho, e realmente seria um pouco estranho que o inverno chegasse e já terminasse ao fim da história, mesmo com a natureza inconstante das estações em Westeros. É uma frase bem marcante, porém, o que torna um pouco improvável que Abraham a ignorasse de início.

Costurará durante todo o inverno. Quando chegar o degelo da primavera, encontrarão seu corpo ainda com uma agulha bem presa entre os dedos congelados.

Um dos palpites favoritos dos leitores, pois poderia narrar metaforicamente todo o destino de Arya durante o inverno westerosi. A agulha a que Jon se refere nesta cena é realmente de costura, e só depois é que ele presenteia a irmã com a espada de mesmo nome, com a qual ela supostamente “costuraria” (mataria gente) durante o inverno. Um destino fatal para Arya também não seria exatamente inesperado. A fala, entretanto, também não está na série de TV.

Jaime sorriu.
– Espero que não esteja pensando em vestir o negro, querido irmão.
Tyrion soltou uma gargalhada.

Tyrion na Muralha? Não acho uma hipótese absurda. A descida de Tyrion a uma alma mais “obscura” e a tomada de atitudes mais moralmente questionáveis ficou notável em A Dança dos Dragões. Em Game of Thrones, embora ao invés disso ele tenha sido simplesmente relegado a um papel menos proeminente depois da falta dos livros, o destino dele na oitava temporada parece também não ser muito heróico (ou pelo menos não seria visto assim aos olhos do mundo). Só não sei se um destino de patrulheiro para Tyrion seria algo presente na última cena da história.

– Vou sentir sua falta, irmãzinha.
De repente, ela pareceu quase chorar.
– Queria que viesse conosco.
– Por vezes, estradas diferentes vão dar no mesmo castelo. Quem sabe?

Mais um diálogo entre Jon e Arya. Um reencontro dos Stark no futuro em Porto Real (para onde Arya se dirigia nesse momento) seria possível? Quem sabe? De qualquer forma, seria bem plausível que os lobos juntos – em qualquer “castelo” que fosse – fossem parte da última sequência de toda a história. É de se notar, porém, que houve uma pequena alteração do texto do livro para o quadrinho.

– Não quero mais histórias – Bran exclamou, com petulância na voz. […] – Detesto suas histórias estúpidas.
A velha mulher mostrou-lhe um sorriso sem dentes.
– Minhas histórias? Não, meu pequeno senhor, minhas, não. As histórias são, antes de mim e depois de mim, e antes de você também.
[…]
– Não me interessa saber de quem são as histórias – Bran respondeu –, eu as detesto – […]
– Sei uma história sobre um garoto que detestava histórias – a Velha Ama insistiu com seu sorrisinho estúpido, enquanto as agulhas se moviam, clic, clic, clic, e Bran sentiu-se capaz de gritar com ela.

É o que diz a Velha Ama a Bran, pouco antes da famosa fala “Ah, minha querida criança de verão…”. O primeiro capítulo de A Guerra dos Tronos é de Bran, se excetuarmos o prólogo, e também foi o primeiro que veio à mente de George R. R. Martin quando ele começou a escrever a série. Bran é, também, dono do arco mais mágico da história, que se relaciona com os “grandes mistérios” de gelo e fogo.

Sempre tendi a acreditar que um capítulo dele é que será o último em As Crônicas de Gelo e Fogo, ou algo que no mínimo faça referência a ele. Quem sabe a Velha Ama não sobrevive a todos os eventos e conta uma história sobre um garoto que detestava histórias, talvez a um novo Brandon? Ou para o próprio Bran?

Escrevendo o artigo e repassando a HQ cena por cena, essa passagem me convenceu mais do que qualquer das outras (até pela configuração do quadrinho, e por ser uma fala aparentemente bem bobinha). Por acaso, foi durante durante a pesquisa, quando até já tinha listado a fala como uma das possíveis, que encontrei a entrevista de Daniel no MTV Geek (que citei acima), e há outra resposta nela muito interessante:

Quais foram alguns dos personagens para os quais você foi atraído durante a escrita do livro [de histórias em quadrinhos]?

Daniel Abraham: Escolha difícil. Gostei de todos os personagens como leitor, anos antes de começar a adaptação. Quem não gosta de Jon ou Dany ou Tyrion? A coisa que adaptar os livros me fez apreciar mais foram os personagens menores. A Velha Ama, por exemplo, é na verdade uma personagem misteriosa e fascinante, mas ela é parte de uma grande tapeçaria. É fácil deixá-la passar, e pessoas como ela.

Acredito, assim, que a “passagem secreta” que se relaciona com a última cena de Um Sonho de Primavera, possivelmente em um capítulo de Bran, esteja nesse diálogo entre ele e a Velha Ama, em que ela fala sobre a natureza das histórias e como elas existem e são contadas independentemente do tempo, talvez especialmente sobre uma história que começou com um garoto que detestava histórias, As Crônicas de Gelo e Fogo.

Talvez descubramos no dia 19 de maio, com o fim de Game of Thrones. Ou não, e aí teremos que esperar até que George escreva e publique A Dream of Spring. Aguardemos… Enquanto isso, nossos comentários estão abertos para discussões e debates sobre essa misteriosa fala.


 A HQ de A Guerra dos Tronos está à venda na Amazon: volume 1, volume 2, volume 3, volume 4. A editora Suma relançará todas as edições.

 

 

O post Um segredo da última cena de ‘Gelo & Fogo’ na HQ de ‘A Game of Thrones’ apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
https://www.geloefogo.com/2019/04/um-segredo-da-ultima-cena-de-gelo-fogo-na-hq-de-a-game-of-thrones.html/feed 2 98733
Afinal, o final de ‘Game of Thrones’ vai ser igual ao de ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’? https://www.geloefogo.com/2019/04/o-final-de-game-of-thrones-vai-ser-igual-ao-de-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=afinal-o-final-de-game-of-thrones-vai-ser-igual-ao-de-as-cronicas-de-gelo-e-fogo https://www.geloefogo.com/2019/04/o-final-de-game-of-thrones-vai-ser-igual-ao-de-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html#respond Fri, 05 Apr 2019 20:32:50 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=104823 Explicamos por que os finais da série de TV e dos livros serão ao mesmo tempo iguais e diferentes, com base em falas de George R. R. Martin, David Benioff e D. B. Weiss.

O post Afinal, o final de ‘Game of Thrones’ vai ser igual ao de ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’? apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
George R. R. Martin, David Benioff e D. B. Weiss
George R. R. Martin, David Benioff e D. B. Weiss.

Olá! Os leitores e as leitoras que nos acompanham há mais tempo sabem que minha especialidade por aqui é escrever sobre os livros de George R. R. Martin, mas hoje falarei também sobre a série de TV. Desta vez, o assunto é: afinal, o final de Game of Thrones e o fim de As Crônicas de Gelo e Fogo serão iguais ou diferentes?

A resposta simples para a pergunta é que os finais dos livros e da série serão iguais em linhas gerais, mas também terão diferenças substanciais, pelos caminhos diferentes tomados nas duas obras. Isso já é sabido há muitos anos, mas na semana passada a indústria do clickbait fez parecer que uma simples fala de George R. R. Martin a esse respeito era uma grande novidade.

Até o sensacionalismo pode, porém, motivar boas ideias, e mais uma vez a baixa qualidade da cobertura sobre Martin na web (incluindo veículos geek e especializados em cultura pop) criou a oportunidade para um artigo de esclarecimento aqui no Gelo & Fogo.

Acompanhe, a seguir, a repercussão da “notícia” que circulou recentemente, e depois nos debruçaremos sobre praticamente tudo o que já foi dito por Martin, David Benioff e D. B. Weiss – os produtores da série de TV – sobre os finais de GoT e de ASoIaF.

Muito barulho por nada

Na semana passada, uma pequena fala de George R. R. Martin viralizou como se fosse uma notícia bombástica. As manchetes em dezenas (ou centenas) de sites, blogs e portais davam a entender que o autor de As Crônicas de Gelo e Fogo fora à imprensa declarar se os finais de Game of Thrones e de seus livros seriam diferentes ou iguais.

A fala de George apareceu originalmente em uma enorme matéria de capa na Rolling Stone, que sequer era sobre ele mesmo – era sobre Maisie Williams e Sophie Turner. A verdade, porém, é que a declaração do autor foi curtíssima e incidental, e não trouxe nada de realmente novo. Ela dizia o seguinte:

Os pontos principais do final serão coisas que eu contei a eles cinco ou seis anos atrás. Mas também pode haver mudanças, e haverá muitas coisas adicionadas.

Isto, na verdade, é uma não-notícia. É GRRM simplesmente repetindo o que já vinha dizendo há vários anos – e o que qualquer pessoa que acompanha com o mínimo de atenção as notícias sobre ele, seus livros e a série poderia concluir. E nem precisamos pesquisar entrevistas antigas: no começo de março deste ano, o mesmo assunto viera à tona em uma matéria da Entertainment Weekly, de forma até mais completa. Por razões que desconheço, porém, essa declaração (que também abordaremos mais adiante) não viralizou.

A fala reproduzida na Rolling Stone foi tão simplória que sequer houve consenso em como noticiá-la, entre os veículos que decidiram fazê-lo (quase todos, porque Martin gera cliques e quando alguém começa, ninguém quer ficar de fora, não é?). Alguns preferiram colocar em suas manchetes que os finais serão diferentes, outros que os pontos principais serão iguais (dependendo da linha editorial e do que chama mais a atenção para seu público). A inconsistência só prova como isso não foi algo realmente novo ou substancial.

Mesmo sendo muito barulho por nada, a fala viralizou, e aí as especulações de muitos fãs vão às alturas:

  • “Será que isso foi Martin dizendo que vai deliberadamente mudar coisas nos livros?”
  • “Será que ele vai esperar o final da série de TV para ver como vai ser a recepção, e eventualmente alterar seus planos?”
  • “Será que ele ocultou enredos de propósito dos produtores?
  • “Será que ele está chamando tudo em Game of Thrones de fanfic?”

A resposta para todas essas perguntas é não. É tudo muito mais simples.

Quando se tornou palpável a possibilidade de a série alcançar A Dança dos Dragões, quinto livro de As Crônicas de Gelo e Fogo, Martin contou seus planos gerais para o final para D.B. Weiss e David Benioff, os produtores de Game of Thrones. Eles, então, passaram a escrever a série com base nesse outline geral, escolhendo, a partir dele, como conduziriam a história (como sempre haviam feito, aliás).

Várias tramas e personagens dos livros foram excluídos da TV, outros foram substancialmente alterados e simplificados, enredos originais foram criados pelos produtores na série. A conclusão lógica disso é que é narrativamente impossível que série e livros tenham um final idêntico – já o próprio trajeto divergiu consideravelmente. Ainda assim, em linhas gerais, haverá semelhanças.

Para explicar melhor a questão, compilei e comentei um histórico de citações, entrevistas e falas de Martin, Benioff e Weiss ao longo dos anos. Continue acompanhando para saber o que autor e produtores (sempre) disseram sobre o assunto.

2013: a reunião de GRRM e D&D

GRRM and D&D
GRRM, Benioff e Weiss na premiere da última temporada de ‘Game of Thrones’. Foto: Jeff Kravitz/FilmMagic para a HBO (via NME).

Quando Game of Thrones começou a ser produzida pela HBO, no final da década de 2000, e durante suas primeiras temporadas, nos anos 2010, tanto George R. R. Martin quanto os produtores da série acreditavam que ele poderia escrever os dois livros restantes de As Crônicas de Gelo e Fogo antes que a adaptação o alcançasse.

Em 2011, ano da primeira temporada, Martin dizia à Entertainment Weekly que o risco de ser ultrapassado pela série só existia se o material dos livros fosse muito condensado na adaptação, por exemplo. Em 2012, em entrevista ao Making Game of Thrones, ele disse o seguinte:

A forma como escrevo é um processo lento, especialmente em livros deste tamanho, grandes e complexos como são. Ainda é um processo lento. Estou ciente de que a série de TV está vindo atrás de mim como uma locomotiva gigante, e sei que tenho que ir mais rápido, talvez, porque a locomotiva logo vai estar me atropelando. O que menos quero é que a série de TV me alcance. Tenho uma vantagem considerável, mas a produção está indo mais rápido do que consigo escrever. Espero que terminemos a história mais ou menos ao mesmo tempo… vamos ver.

Talvez muita gente hoje se esqueça (ou nem saiba), mas por um bom tempo a apreensão sobre o que aconteceria se a série ultrapassasse os livros existia não só entre os leitores e espectadores, mas também para os produtores. Ao final da terceira temporada, os showrunners e a HBO se preocupavam com isso, principalmente por conta dos atores que haviam iniciado a série como crianças e agora estavam crescendo. Martin, porém, ainda continuava otimista e cético:

“Finalmente entendo o medo dos fãs, que eu não entendia há uns dois anos: E se a história alcançar os livros?”, diz o presidente de programação da HBO, Michael Lombardo. “Esperemos e oremos todos para que isso não seja um problema”.

[…]

“Acho que eu não ficaria feliz com isso,” diz o autor [George R. R. Martin]. E nem os produtores. “Ainda estamos com os dedos cruzados para que George chegue lá,” diz Weiss. “É o que seria melhor para nós, melhor para os fãs. Vamos lidar com isso quando a hora chegar.” Benioff acrescenta: “O ideal é que os livros saiam primeiro.”

Embora Weiss tenha dito que a questão seria resolvida quando realmente chegasse a hora, ele e Benioff já haviam se precavido a esse respeito. Em 2013, quando o receio da ultrapassagem se tornou mais palpável, os produtores e Martin se reuniram para tratar do assunto. À Vanity Fair, em 2014, Martin disse (otimista como sempre):

“Posso dar a eles os pontos gerais do que quero escrever, mas os detalhes ainda não estão ali,” diz Martin. “Estou otimista de que consigo não deixá-los me alcançar. E a minha esperança é que antes que eles tenham me alcançado, terei publicado The Winds of Winter, o que me daria mais uns dois anos. Pode ficar apertado no último livro, A Dream of Spring, com eles vindo como um rolo compressor.”

Nessa fala, já podíamos perceber que, embora Martin fosse revelar seus planos de uma forma geral para os produtores, o caminho que ligaria vários dos pontos principais que ele tinha em mente ainda não estava traçado. Na mesma matéria, Benioff revelou a reunião entre o autor e os produtores, que ficaria famosa nos anos seguintes:

“No ano passado, fomos a Santa Fe por uma semana, só para sentar com ele e falar sobre aonde as coisas iriam, porque não sabemos se vamos alcançá-lo, e onde exatamente isso aconteceria. Se você sabe o final, então pode estabelecer as bases para ele. Então queremos saber como tudo termina. Queremos poder montar as coisas. Então sentamos com ele e literalmente passamos por todos os personagens.”

Assim, a HBO já havia resolvido seu lado: se Martin conseguisse terminar Os Ventos do Inverno e publicá-lo antes que o rolo compressor de Game of Thrones o alcançasse, melhor para todos (embora surgisse o mesmo problema para o sétimo volume). Se o autor não fosse capaz disso, a série de TV continuaria, usando como base para os roteiros os planos gerais revelados por George aos produtores em 2013.

2016 a 2019: uma tormenta de spoilers?

Nos anos seguintes, não houve grandes problemas: a quarta e quinta temporadas de Game of Thrones adaptaram material de A Tormenta de Espadas, O Festim dos CorvosA Dança dos Dragões. Embora algumas tramas já fossem substancialmente alteradas e alguns spoilers dos livros seguintes já começassem a surgir, o grosso do roteiro ainda vinha dos livros já publicados por Martin.

Foi só no final da quinta temporada, quando alguns spoilers dos livros começaram a ser revelados na série, como a morte de Shireen Baratheon, que a ficha caiu para muita gente. Na sexta temporada, a hora finalmente chegou: algumas tramas do quarto e quinto livros ainda estavam em aberto, mas o corpo da temporada deveria adaptar Os Ventos de Inverno, que ainda não estava pronto.

Cenas que “a HBO contou antes”.

A partir da quinta temporada, tanto os produtores de GoT quanto Martin passaram a ser questionados com frequência sobre a ultrapassagem do show em relação aos romances em entrevistas. As respostas deles já diziam exatamente o mesmo que a pequena fala de George à Rolling Stone, que tanto repercutiu na semana passada.

Em uma aparição na Oxford Union, em 2015, Benioff disse que nunca fora a intenção dos produtores dar spoilers aos leitores, e que esperavam que os livros acabassem antes. Porém, eles não tinham o poder de apressar Martin, ao mesmo tempo que não podiam deixar a série em standby, por causa do elenco. Acrescentou:

Por sorte, temos falado sobre esse assunto com George há muito tempo, desde quando vimos que isso poderia acontecer, e nós sabemos pra onde as coisas [nos livros] estão indo. Assim, nós basicamente seguiremos pelo mesmo caminho que George; podem existir alguns desvios no trajeto, mas nós estamos seguindo para o mesmo destino. Eu gostaria que algumas coisas não fossem reveladas antes da hora, mas nós estamos meio entre a cruz e a espada. O show precisa continuar… e é isso que nós faremos.

D.B. Weiss, no mesmo evento, comentou também sobre as diferenças entre os dois meios:

Eu acho que o divertido para George será proporcionar surpresas para as pessoas, mesmo que elas tenham assistido à série até o fim. Existem algumas coisas que acontecerão nos livros que serão diferentes na série, e eu acredito que pessoas que amam a série e querem saber mais — sobre os personagens que aparecem na série e as diferentes figuras que foram cortadas — terão que se voltar para os livros.

Assim, já ficava claro que o plano dos showrunners era seguir com o que Martin lhes revelara em 2013, mas que certamente haveria pontos diferentes nesse trajeto, e talvez no próprio destino.

Ainda em 2015, em uma sessão de perguntas e respostas na Suécia, Martin foi perguntado por um leitor que não acompanhava a série – provavelmente motivado pelos primeiros spoilers, que surgiram na época – sobre a possibilidade de a audiência da TV agora ter certo “poder” sobre os leitores. O autor respondeu o seguinte:

Até certo ponto, sem dúvida. Mas por outro lado, a série de TV e os livros estão divergindo cada vez mais, o que, é claro, é algo que tenho dito que aconteceria já há uns cinco anos. Mesmo assim, agora que está acontecendo, as pessoas estão surpresas, mas venho falando sobre o “efeito borboleta” desde a primeira temporada. Sabe, quando se introduz qualquer mudança, ela cria mudanças maiores mais adiante. Você faz uma mudança pequena que parece insignificante, e aí tem que fazer uma mudança maior, porque fez essa mudança pequena, e tem que fazer uma ainda maior, e logo se está em território completamente não familiar. A série agora deve ter uns dez personagens, talvez uns vinte, que estão mortos na TV, mas vivos nos livros.

[…]

Então é claro que vai haver enormes diferenças. Assim, vocês podem ver coisas extremamente chocantes aparecendo na série na próxima temporada, ou nas próximas, mas não sei se poderia considerá-las spoilers, porque elas nunca vão acontecer nos livros. Elas não podem acontecer nos livros, porque a série e os livros tomaram caminhos diferentes.

De fato George já mencionava o “efeito borboleta” em Game of Thrones há um bom tempo. Trata-se de uma referência ao conceito homônimo da teoria do caos, ilustrado com o bater de asas de uma borboleta, que pode resultar em um furacão do outro lado do mundo. Em entrevista à Vulture, em 2011, Martin fora perguntado sobre suas preocupações quanto à série, e dissera:

A outra coisa que me preocupa é o que chamo de efeito borboleta. Se você conhecer o conto de Ray Bradbury, sabe o que quero dizer. Na TV, vimos a morte de Mago, mas ele vai ser visto nos livros – ele ainda está vivo. Isso vai ter que ser diferente no livro e na série, porque o mataram na TV. Esse tipo de efeito cascata pode acontecer.

Para a sexta temporada, portanto, os produtores já escreviam seus roteiros largamente sem base em um livro de Martin, e a ultrapassagem de Game of Thrones era iminente. Ainda assim, o autor se esforçou bastante para terminar The Winds of Winter em 2015, de modo que ele pudesse ser publicado antes de a sexta temporada ir ao ar, no ano seguinte – o que mitigaria um pouco o “efeito spoiler”. No final, sabemos o que aconteceu: ele não conseguiu escrever o livro a tempo disso.

Em janeiro de 2016, o autor publicou um grande e decepcionado post em seu blog sobre o assunto, e abordou longamente a questão dos possíveis spoilers que a série daria. A princípio, tentei resumir o enorme post de George, mas ele trata do tema central deste artigo de forma tão completa que acabei traduzindo mais da metade dele:

Com a proximidade da temporada 6 de Game of Thrones, e com tantos pedidos por informações pipocando, vou quebrar minhas próprias regras e falar um pouco mais, já que aparentemente centenas dos meus leitores, talvez milhares ou dezenas de milhares, estão muito preocupados com essa questão dos ‘spoilers‘ e com a série alcançar os livros, revelar coisas ainda não reveladas neles etc.

Minhas editoras e eu estamos cientes dessas preocupações, é claro. Discutimos algumas delas na última primavera, quando a quinta temporada da série da HBO estava se encerrando, e criamos um plano. Todos queríamos que o sexto livro de As Crônicas de Gelo e Fogo saísse antes que a sexta temporada da série da HBO fosse ao ar. Presumindo que a série voltaria no começo de abril, isso significava que Os Ventos do Inverno tinha que ser publicado antes do fim de março, no mínimo. Para isso acontecer, segundo minhas editoras, elas precisariam do manuscrito completo antes do fim de outubro. Parecia bem factível para mim… em maio. Assim, esse foi o primeiro prazo: o Dia das Bruxas.

Infelizmente, a escrita não andou tão rápido ou tão bem quanto eu gostaria. […] Quando a primavera se tornou verão, eu estava tendo mais dias ruins do que bons. Mais ou menos em agosto, tive que encarar os fatos: eu não teria terminado no Dia das Bruxas. Não consigo dizer a vocês o quanto essa conclusão me deprimiu.

No começo de agosto fui ao leste [dos Estados Unidos] para o casamento do meu sobrinho, e para uma aparição com os Staten Island Direwolves. Aproveitei a visita para sentar de novo com minhas editoras (as pessoas e as empresas) e disse a elas que achava que não conseguiria entregar até o Dia das Bruxas. Achei que elas ficariam irritadas… mas tenho que dizer, minhas editoras são ótimas, e receberam a notícia com uma tranquilidade surpreendente (talvez elas soubessem antes de mim). Elas já tinham preparado uma alternativa. Tinham feito planos para acelerar a produção. Me disseram que se eu conseguisse entregar Os Ventos do Inverno até o fim do ano, ainda conseguiriam lançá-lo antes do fim de março.

[…]

E aqui estamos, em primeiro de janeiro. O livro não está terminado, não foi entregue. Não há palavras que mudem isso. Eu tentei, dou minha palavra a vocês. Falhei. Furei o prazo do Dia das Bruxas, e agora furei o prazo do fim do ano. E isso quase com certeza significa que não, Os Ventos do Inverno não vai ser publicado antes da estreia da sexta temporada de Game of Thrones, em abril (fomos informados de que é no meio de abril, não no começo, mas essas duas semanas não vão me salvar).

[…]

Dito isso tudo, sei qual será a próxima pergunta, porque centenas de vocês já me fizeram. A série vai ‘spoilar‘ os livros?

Talvez. Sim e não. Vejam bem, eu nunca achei que a série poderia possivelmente alcançar os livros, mas alcançou. A série andou mais rápido do que eu previ, e eu andei mais devagar. Houve outros fatores também, mas esse foi o principal. Dado o ponto em que estamos, inevitavelmente, haverá certos plot twists e revelações na sexta temporada de Game of Thronesque que ainda não aconteceram nos livros. Durante anos, meus leitores estiveram à frente da audiência. Este ano, em relação a algumas coisas, o contrário será verdade. Como vocês vão querer lidar com isso… bem, isso cabe a vocês.

O caso de Game of ThronesAs Crônicas de Gelo e Fogo talvez seja único. Não consigo pensar em nenhum outro exemplo em que o filme ou a série de TV saíram enquanto o material fonte ainda estava sendo escrito. Então quando vocês me perguntam se “a série vai spoilar os livros”, tudo o que posso dizer é: “Sim e não”, e resmungar mais uma vez sobre o efeito borboleta. Aquelas borboletas bonitinhas se tornaram dragões enormes. Alguns dos ‘spoilers‘ que vocês podem encontrar na sexta temporada podem nem ser spoilers… porque a série e os livros divergiram, e vão continuar divergindo.

Pensem só. Mago, Irri, Rakharo, Xaro Xhoan Daxos, Pyat Pree, Pyp, Grenn, Sor Barristan Selmy, Rainha Selyse, Princesa Shireen, Princesa Myrcella, Mance Rayder e o Rei Stannis estão todos mortos na série, e vivos nos livros. Alguns deles vão morrer nos livros também, sim… mas não todos, e outros podem morrer em momentos diferentes e de formas diferentes. Balon Greyjoy, por outro lado, está morto nos livros, e vivo na série. Os irmãos dele, Euron Olho de Corvo e Victarion ainda não foram introduzidos (eles vão aparecer? Não sei dizer). Enquanto Jhiqui, Aggo, Jhogho, Jeyne Poole, Dalla (e seu filho) e sua irmã Val, a Princesa Arianne Martell, o Príncipe Quentyn Martell, Willas Tyrell, Sor Garlan, o Galante, Lorde Wyman Manderly, o Cabeça Raspada, a Graça Verde, Ben Mulato Plumm, o Príncipe Esfarrapado, Bela Meris, Barba de Sangue, Griff e Jovem Griff, e muitos, muitos mais nunca foram parte da série, e ainda assim permanecem sendo personagens dos livros. Vários são personagens com pontos de vista, e até aqueles que não são podem ter papeis significativos na história que está por vir em Os Ventos de Inverno e Um Sonho de Primavera.

Diante das outras citações que abordamos anteriormente, o post pode até ser repetitivo, mas, bem, está basicamente tudo aí. O efeito borboleta, a presença de personagens nos livros que não estão na série, destinos diferentes para os mesmos personagens. Tudo isso faz parte da resposta “sim e não” que Martin e os produtores sempre deram em relação aos possíveis spoilers.

Além disso, os showrunners já faziam mudanças consideráveis em relação ao material fonte mesmo quando ainda havia livros para adaptar – os principais exemplos são o enredo de Dorne e os destinos de Sansa Stark e do Norte. Isso significa, é claro, que os produtores também não estiveram obrigados a seguir literalmente os planos que George lhes revelou em 2013, e que diferenças podem surgir daí também. Quanto a isso, Martin disse em 2017, ao portal russo Meduza:

[Os showrunners] são independentes. Eles podem fazer o que quiserem. Eu não tenho nenhum poder… nenhum direito contratual para [impedi-los]. Eu troco ideias com eles. Falo com eles regularmente. É claro, anos atrás, tivemos uma série de encontros bem longos, em que contei a eles alguns dos grandes twists e eventos enormes que viriam nos últimos livros. Então eles vêm abordando alguns deles, e fazendo algumas revelações, mas eles também vêm divergindo de diversas formas.

De fato, embora muitos eventos e revelações que já aconteceram em Game of Thrones muito provavelmente ocorrerão também em As Crônicas de Gelo e Fogo, isso não é verdade para todos eles, e os contextos para tanto podem ser diferentes. As diferenças são reconhecidas pelos próprios produtores, como indica uma fala recente de Benioff:

[A preocupação] era de que os livros spoilariam a série para as pessoas – e por sorte isso não aconteceu, na maioria das vezes. Agora que a série está à frente dos livros, parece que a série pode arruinar os livros para as pessoas. Então uma coisa sobre a qual falamos com George é que não vamos contar às pessoas quais são as diferenças, então quando os livros saírem, as pessoas podem ter a experiência pura deles.

Embora essa intenção de Benioff seja louvável, alguns dos primeiros eventos novos da série em relação aos livros foram revelados pelos produtores como vindo diretamente de George, o que deixou muitos fãs insatisfeitos. Eles disseram, por exemplo, que a morte de Shireen tinha vindo diretamente do que Martin lhes contara, bem como a revelação sobre o nome de Hodor.

Embora haja dúvidas quanto ao contexto que levará à morte de Shireen em As Crônicas de Gelo e Fogo, o fato de eles terem dito expressamente que se tratava de um evento revelado pelo autor foi efetivamente um spoiler dos livros. Talvez a postura atual de Benioff seja uma resposta a isso.

Enfim, acho que com todas essas citações já deu para compreender por que eu disse, ainda no começo do texto, que a resposta à pergunta sobre os finais serem iguais ou diferentes era simples (e por que eu disse que a fala que repercutiu recentemente não tinha nada de novo), não é? Vamos, agora, analisar como Martin projeta seu final de As Crônicas de Gelo e Fogo, e se haverá alguma influência o final de Game of Thrones nele.

O final de Martin

GRRM espada de gelo
GRRM segura uma espada dos Outros. Foto: HBO.

Tudo bem, agora já vimos inúmeras declarações dizendo que os finais de As Crônicas de Gelo e FogoGame of Thrones serão iguais e diferentes ao mesmo tempo, principalmente por conta dos caminhos diferentes que as duas obras trilharam ao contar sua história. Existe, porém, um outro ponto que deve ser levado em consideração: a forma de Martin escrever.

Historicamente, o autor se descreveu como um escritor “jardineiro”, em oposição aos “arquitetos”. Deixemos que ele mesmo explique como entende esses conceitos, em uma entrevista ao Guardian, de 2011:

Acho que existem dois tipos de escritores, os arquitetos e os jardineiros. Os arquitetos planejam tudo antes, como um arquiteto construindo uma casa. Eles sabem quantos cômodos a casa vai ter, que tipo de telhado vai ser, por onde os fios vão passar, que tipo de encanamento haverá. Eles têm tudo desenhado e projetado antes que a primeira tábua seja pregada. Os jardineiros cavam um buraco, jogam um semente e aguam. Eles meio que sabem que semente é, sabem se plantaram uma semente de fantasias, ou uma semente de mistério, ou qualquer que seja. Mas conforme a planta vai nascendo e sendo regada, eles não sabem quantos ramos vai ter, eles descobrem enquanto ela cresce. E sou muito mais um jardineiro que um arquiteto.

Logo após o fim da sexta temporada de Game of Thrones, quando a série oficialmente ultrapassou As Crônicas de Gelo e Fogo, Ana Carol Alves escreveu aqui no Gelo & Fogo um belo artigo sobre o estilo jardineiro de George e as consequências que isso trouxe para a adaptação, e os possíveis spoilers.

Fica claro, portanto, que outra razão pela qual haverá diferenças entre os finais de Game of ThronesAs Crônicas de Gelo e Fogo é justamente porque o autor dos livros não tem o enredo exatamente planejado nos mínimos detalhes. Na matéria da Entertainment Weekly que mencionamos anteriormente, Benioff até reitera que, mesmo tendo recebido informações de George, eles mesmos não sabem tudo o que o autor escreverá.

Os produtores observam que não têm certeza total dos enredos futuros de Martin, de qualquer forma (“George descobre muita coisa enquanto escreve”, diz Benioff). Mas ainda mais surpreendente é que, similarmente, Martin também está bastante no escuro em relação ao final da série. “Não li os scripts da última temporada, e não pude visitar o set porque estava trabalhando em Winds“, revela Martin. “Sei algumas das coisas. Mas há muitas [histórias de] personagens menores que eles vão inventar por conta própria. E, é claro, eles me passaram há vários anos. Pode haver discrepâncias importantes.”

Por essa fala e pelas anteriores, já podemos depreender que Martin realmente vê as duas obras como independentes e que não se importa muito com como a série de TV retratará o final. Dessa forma, já poderíamos concluir que as teorias no sentido de Martin deliberadamente fazer sua história ser diferente da de Game of Thrones não fazem muito sentido. Porém, nada melhor do que verificarmos o que ele mesmo já disse sobre isso.

Em 2016, nos comentários do grande post no blog que transcrevi acima, uma leitora até já havia sugerido que ele fizesse o final de As Crônicas de Gelo e Fogo diferente do da série propositalmente, e a resposta dele foi essa:

Em uma história como essa, o conceito de “final” é complexo. Cada personagem tem seu próprio final, de certa maneira, assim como cada vida tem seu próprio fim no mundo real. O livro e a série terão o mesmo “final”? Em alguns aspectos, sim. Em outros, não, de forma alguma.

Em uma entrevista à Time, em 2017, o jornalista Daniel D’Addario perguntou literalmente se ele tentava se distanciar intencionalmente da série. A resposta está transcrita a seguir, mas optei também por transcrever a questão anterior, que dá um contexto maior e também é pertinente para entendermos a questão do final e dos spoilers como um todo:

Daniel D’Addario: Para você, escrever ainda tem algo de improvisação? Mesmo com um ponto final na cabeça, você ainda sente que está descobrindo coisas sobre o mundo de Westeros?

George R. R. Martin: Sim. E isso não é algo exclusivo de Westeros ou Game of Thrones. É simplesmente a maneira como trabalho e sempre trabalhei.

No caso de qualquer um de meus romances, sei meu ponto de partida, sei meu ponto de chegada, mais ou menos. Sei algumas das grandes curvas pelo caminho, as coisas na direção das quais desenvolvo, mas muitas coisas se descobre pelo caminho. Personagens crescem e parecem mais importantes, e você chega ao que achava ser uma grande virada e… a coisa em que pensou dois anos antes na verdade não funciona tão bem, e aí você tem uma ideia melhor! Sempre existe esse processo de descoberta, para mim. Sei que nem todos os autores trabalham assim, mas sempre foi como trabalhei.

Daniel D’Addario: Essas novas ideias pelo caminho acontecem como uma reação à série de TV Game of Thrones? Você se pega tentando complicar ou divergir do que está indo ao ar na TV, ou mergulhando em personagens que não são tão proeminentes na série?

George R. R. Martin: Não penso nisso dessa forma. A série é a série, e desenvolveu vida própria a essa altura. Estou envolvido com a série, é claro, e estive desde o começo, mas meu foco principal tem de ser os livros. Você tem que lembrar que comecei a escrever essa história em 1991, e me encontrei com David e Dan pela primeira vez em 2007. Eu estava vivendo com esses personagens e esse mundo por 16 anos antes que sequer começássemos a trabalhar na série. Eles estão bem fixos na minha cabeça, e não vou mudar nada por causa da série, ou reações à série, ou o que os fãs acham. Eu ainda estou só escrevendo a história que comecei a escrever no começo dos anos 1990.

Para complementar, mais uma fala, de uma entrevista a Adrià Guxens, em 2012, na qual fala sobre reações dos fãs ao final:

Você sabe que o final não vai agradar todo mundo, não sabe?

É claro que vou desapontar alguns de meus fãs porque eles estão fazendo teorias sobre quem vai finalmente sentar no trono: quem vai viver, quem vai morrer… e eles até imaginam pares românticos. Mas já experimentei esse fenômeno com O Festim dos Corvos e de novo com A Dança dos Dragões, e, repetindo as palavras de Rick Nelson: “Não dá pra agradar todo mundo, então você tem que agradar a si mesmo”. Então vou escrever os últimos dois livros o melhor que consigo, e acho que a grande maioria dos meus leitores vai ficar feliz com isso. Tentar agradar todo mundo é um erro terrível; não digo que você tem que irritar seus leitores, mas arte não é democracia, e nunca deve ser democracia. A história é minha, e essas pessoas que ficam irritadas deveriam sair e escrever suas próprias histórias; as histórias que elas querem ler.

A não ser que consideremos que Martin está mentindo na cara dura (o que não temos razões para acreditar), não restam quaisquer dúvidas a esse respeito, não é mesmo? Está claro que o autor não vai mudar seus planos para o final de As Crônicas de Gelo e Fogo por causa da série de TV ou de reações dos fãs. Ele é, acima de tudo, um escritor, afinal.

Agora, o fato de Martin dizer que descobre muitas coisas à medida em que escreve significa que ele não tem nada planejado e que tudo surge no meio do caminho? É claro que não. Na carta de 1993, em que descrevia em linhas gerais o que seriam As Crônicas de Gelo e Fogo, ele já falava sobre isso com seu agente:

Como você sabe, eu não faço esboços de meus romances. Considero que se sei exatamente para um onde um livro está indo, perco todo o interesse em escrevê-lo. Tenho, porém, noções fortes sobre a estrutura geral da história que estou contando, e o destino final de muitos dos principais personagens no drama.

E qual seria esse final? O autor é perguntado há anos sobre isso, desde que começou a escrever a série de livros, e, embora obviamente não responda, sempre diz que busca um final agridoce.

Em 2005, por exemplo, um fã relatou o seguinte:

Quando perguntado se sabia o final, [Martin] respondeu que seria agridoce. Ele desenvolveu, falando sobre o expurgo do Condado [em O Senhor dos Anéis]. Quando leu O Senhor dos Anéis pela primeira vez aos 12 anos, ele não entendeu o final. Porém, quando se tornou um leitor mais maduro, ele passou a apreciar que o triunfo sempre tem um custo.

Não vou me delongar aqui em uma análise sobre o que ele quer dizer com isso – só deixo claro que não acredito simplesmente que seria algo simplório como “a humanidade venceu os Outros, mas Fulano/a de Tal morreu” – até porque no final de O Retorno do Rei, o exemplo que ele gosta de usar, os heróis da história estão todos vivos. Em outro relato sobre Martin, dez anos depois do citado acima, ele explica um pouco melhor sua ideia:

“Acho que se deve ter alguma esperança”, disse [Martin], fazendo referência às maneiras com que sagas terminam. “Todos ansiamos por finais felizes, de certa forma. De minha parte, sou atraído pelo final agridoce. As pessoas me perguntam como Game of Thrones vai terminar, e não vou contar… mas sempre digo que esperem algo agridoce no fim, como em J. R. R. Tolkien. Acho que Tolkien fez isso de forma brilhante. Eu não entendi quando era menino – quando li O Retorno do Rei.” Agora, porém, ele observa que o uso de alegoria por Tolkien para revelar as verdades mais duras da vida (a tragédia da Grã Bretanha do pós-guerra no final dos anos 40 e começo dos 50, no caso de O Senhor dos Anéis), até frente a uma vitória merecida, é brilhante. “Você não pode simplesmente cumprir uma missão e aí fingir que a vida é perfeita”, disse. “A vida não funciona assim.”

No final das contas, percorremos um longo (e às vezes repetitivo, admito) caminho para concluir o que foi dito no começo: o final de Game of Thrones será ao mesmo tempo diferente e igual ao de As Crônicas de Gelo e Fogo. E, analisando falas do próprio George R. R. Martin ao longo dos anos, observamos que ele não tem qualquer intenção de mudar seus planos em resposta à série de TV ou a reações ao final dela, e conseguimos perceber como o discurso sempre foi consistente ao longo dos anos.

O fim de GoT é iminente: no dia 19 de maio o mundo conhecerá o destino da Westeros da TV. Quanto ao final de As Crônicas de Gelo e Fogo, infelizmente, não temos como prever. Fica aqui a esperança de que George também possa nos presenteá-lo com ele em breve – é claro, sem sacrificar a qualidade na atenção aos detalhes, um dos pontos mais fortes e apaixonantes da série de livros. Por fim, um pequeno comentário de Martin sobre o jornalismo caça-cliques, tão comum atualmente:

Há dias em que acho que o jornalismo morreu no dia em que a Internet nasceu.

George R. R. Martin talks about journalism

O post Afinal, o final de ‘Game of Thrones’ vai ser igual ao de ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’? apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
https://www.geloefogo.com/2019/04/o-final-de-game-of-thrones-vai-ser-igual-ao-de-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html/feed 0 104823
Afinal, haverá Cleganebowl em ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’? https://www.geloefogo.com/2019/02/afinal-havera-cleganebowl-em-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=afinal-havera-cleganebowl-em-as-cronicas-de-gelo-e-fogo https://www.geloefogo.com/2019/02/afinal-havera-cleganebowl-em-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html#respond Sun, 10 Feb 2019 22:23:22 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=104250 Um combate épico entre dois dos mais formidáveis espadachins de Westeros, personagens emblemáticos que, por acaso ou não, são irmãos […]

O post Afinal, haverá Cleganebowl em ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’? apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>

Um combate épico entre dois dos mais formidáveis espadachins de Westeros, personagens emblemáticos que, por acaso ou não, são irmãos com uma rivalidade mortal. Este é o infame Cleganebowl, o hipotético confronto entre Sandor e Gregor Clegane, o Cão de Caça versus a Montanha que Cavalga.

Esse pretenso duelo se tornou uma das teorias mais abraçadas pela base de fãs de As Crônicas de Gelo e Fogo e Game of Thrones, mas será que ele acontecerá mesmo na obra de George R. R. Martin? Neste artigo aponto por que acredito que o Cleganebowl não é tão provável nos livros. Acompanhe e descubra se todo o hype se justifica ou não.

A teoria

É sabido que em Game of Thrones tanto Gregor quanto Sandor Clegane estão claramente vivos à altura da última temporada, mas nossa análise é relativa a As Crônicas de Gelo e Fogo, então nos ateremos ao texto de GRRM.

Ao final de A Dança dos Dragões, os irmãos Clegane estão, à primeira vista, mortos. Mas pode não ser bem assim. Vejamos como eles aparentemente morreram e como podem estar vivos (ou quase).

As mortes dos Clegane

Dias após lutar contra Oberyn Martell (e vencê-lo) no julgamento por combate de Tyrion Lannister, Gregor Clegane agoniza em decorrência de veneno aplicado pelo dornês em sua lança. Pycelle tenta curar o Montanha – uma ordem de Tywin, que planejava executá-lo publicamente para satisfazer os Martell –, mas não tem sucesso.

Após ser objeto de experimentos de Qyburn, que conclui que Oberyn o envenenara com manticora, o Clegane mais velho acaba mesmo por morrer, e sua cabeça é enviada a Doran Martell em Dorne. É essa a versão oficial sobre o destino de Gregor.

Arya Stark abandona Sandor Clegane ferido à beira do Tridente
Arya Stark abandona Sandor Clegane ferido à beira do Tridente. Arte: “The Hound gets no mercy”, por Mark S. Miller.

O Clegane mais novo não tem sorte muito melhor. Em uma altercação com homens de Gregor na estalagem do entroncamento, Sandor é ferido em diversas partes do corpo, e também fica muitíssimo debilitado. Arya Stark tenta tratar dos ferimentos, mas eles infeccionam, e a menina o deixa para morrer sob uma árvore à beira do Tridente.

Posteriormente, relatos sobre o Cão de Caça aterrorizando as Terras Fluviais circulam pela região, e a maioria dos personagens acreditam se tratar ainda de Sandor. No entanto, Brienne de Tarth e seus companheiros visitam a septeria de Ilha Quieta, e o líder do local diz que Sandor não pode estar vivo, uma vez que ele o enterrou pessoalmente. Mais tarde, Brienne descobre que Rorge é quem passara a usar o elmo em forma de cão e a aterrorizar a região (e ele acaba morto por ela).

Uma leitura só um pouco mais apurada, porém, indica que os destinos de Gregor e Sandor provavelmente não são tão definitivos como o texto faz parecer à primeira vista.

Sandor vivo?

Ao que tudo indica, a Ilha Quieta tem mais a oferecer sobre Sandor Clegane do que simplesmente o que diz o líder do local, conhecido simplesmente como Irmão Mais Velho – e até as palavras dele podem significar mais do que aparentam.

Isto é o que o homem diz a Brienne quando fala sobre o destino do Cão de Caça:

– O homem que persegue está morto.
Aquilo foi outro choque.
– Como foi que ele morreu?
– Como viveu, pela espada.
– Tem certeza disso?
– Fui eu mesmo quem o enterrou. Posso lhe dizer onde fica a sepultura, se quiser. Cobri-o com pedras para evitar que os necrófagos desenterrassem sua carne, e pousei o elmo no topo do monte, para identificar o local de seu último descanso. Este foi um grave erro. Outro viajante qualquer descobriu minha marca e ficou com ela. O homem que violou e matou em Salinas não foi Sandor Clegane, embora talvez seja igualmente perigoso. As terras fluviais estão cheias desse tipo de devoradores de carniça. Não os chamarei lobos. Estes são mais nobres do que isso… e os cães também, julgo eu. Sei um pouco sobre esse homem, Sandor Clegane. Foi escudo juramentado do Príncipe Joffrey durante muitos anos, e até aqui ouvíamos falar de seus feitos, tanto os bons como os maus. Se metade do que ouvimos é verdade, tratava-se de uma alma amarga e atormentada, de um pecador que troçava igualmente dos deuses e dos homens. Ele servia, mas não encontrava orgulho no serviço. Lutava, mas não obtinha alegria da vitória. Bebia para afogar a dor num mar de vinho. Não amava, e tampouco era amado. Era o ódio que o movia. Embora cometesse muitos pecados, nunca procurava perdão. Enquanto outros homens sonham com amor, ou com riqueza, ou glória, esse Sandor Clegane sonhava matar o próprio irmão, um pecado tão terrível que me faz estremecer só de falar nele. E, no entanto, era esse o pão que o nutria, o combustível que mantinha suas fogueiras queimando. Por ignóbil que fosse, a esperança de ver o sangue do irmão em sua espada era tudo aquilo para que vivia aquela triste e furiosa criatura… E até isso lhe foi roubado, quando o Príncipe Oberyn de Dorne apunhalou Sor Gregor com uma lança envenenada.
– Parece ter pena dele – disse Brienne.
– E tive. Você também teria se apiedado dele, se o tivesse visto no fim. Deparei com ele junto ao Tridente, atraído por seus gritos de dor. Suplicou-me que lhe desse a misericórdia, mas jurei não voltar a matar. Em vez disso, banhei-lhe a testa febril com água do rio, dei-lhe vinho e fiz um cataplasma para o ferimento, mas meus esforços foram pequenos e tardios demais. Cão de Caça morreu ali, em meus braços. Talvez tenha visto um grande garanhão negro em nossos estábulos. Era seu cavalo de guerra, Estranho. Um nome blasfemo. Preferimos chamá-lo de Trazido Pela Correnteza, uma vez que foi encontrado junto ao rio. Temo que o animal tenha a natureza do antigo dono.
[…]
– Então é verdade – Brienne disse sem emoção na voz. – Sandor Clegane está morto.
– Repousa – o Irmão Mais Velho fez uma pausa.
(O Festim dos Corvos, cap. 31, Brienne VI. Tradução de Jorge Candeias, adaptada pela editora Leya.)

Brienne e o Irmão Mais Velho
Brienne conversa com o Irmão Mais Velho. Arte: pojypojy.

Observa-se que o Irmão Mais Velho conhece bastante sobre Sandor Clegane, mais do que seria esperado para alguém que vive praticamente isolado do mundo no meio das Terras Fluviais. É possível inferir, assim, que ele conversou bastante com o próprio Sandor. Teria sido possível uma conversa com tantos detalhes quando o Cão de Caça já estava moribundo à beira do Tridente?

É digno de nota, também, que no final do relato o Irmão Mais Velho sempre se refere a “Cão de Caça”, e não a “Sandor Clegane”. Além disso, quando Brienne diz categoricamente que “Sandor Clegane está morto”, o homem responde simplesmente que ele “repousa”. É possível presumir que o Irmão Mais Velho vê uma diferença entre Sandor Clegane e a persona Cão de Caça.

Na continuação desse diálogo, o homem passa a contar que ele mesmo fora um cavaleiro, cuja “vida era escrita em vermelho, em sangue e vinho” (uma descrição que poderia ser um resumo do relato que fez da vida de Sandor). Brienne pergunta ao Irmão quando foi que ele mudou, ao que ele responde:

– Quando morri na Batalha do Tridente. […] Uma flecha atravessou minha coxa e outra trespassou-me o pé, e meu cavalo foi morto entre minhas pernas, mas continuei lutando. […] Não cheguei a ver o golpe que me derrubou. Ouvi cascos atrás de mim e pensei: um cavalo!, mas, antes de ter tempo para me virar, algo se esmagou contra minha cabeça e me atirou ao rio, onde deveria ter me afogado. Em vez disso, acordei aqui, na Ilha Quieta. O Irmão Mais Velho me disse que tinha dado à costa na maré, nu como no dia de meu nome. Só posso imaginar que alguém me tenha encontrado nos baixios, despido-me de armadura, botas e calções, e voltado a me empurrar para águas mais profundas. O rio fez o resto. Todos nascemos nus, de modo que suponho que seja adequado que eu tenha chegado à minha segunda vida de forma idêntica. Passei os dez anos seguintes em silêncio.
– Compreendo – Brienne não sabia por que o homem lhe contara tudo aquilo, ou que outra coisa deveria dizer.
– Ah, sim? – ele se inclinou para a frente, com as grandes mãos nos joelhos. – Se compreende, desista dessa sua demanda. Cão de Caça está morto e, seja como for, ele nunca teve a sua Sansa Stark.
(O Festim dos Corvos, cap. 31, Brienne VI. Tradução de Jorge Candeias, adaptada pela editora Leya.)

Brienne não compreende por que o homem lhe conta toda essa história, mas poderia o Irmão Mais Velho estar indicando que concedeu a outro guerreiro desgraçado a dádiva que ele mesmo recebera de um Irmão Mais Velho anterior? É uma hipótese muitíssimo possível, quando vemos os vários irmãos de Ilha Quieta. Entre eles, há um em especial cujas características são bastante peculiares:

Nas vertentes mais elevadas viram três rapazes conduzindo ovelhas, e ainda mais acima passaram por um cemitério, onde um irmão maior do que Brienne lutava para cavar uma sepultura. Pelo modo como se movia, era evidente que o homem era coxo. Ao atirar uma pá de solo pedregoso por sobre um ombro, um punhado caiu sobre os pés do grupo.
– Mais cuidado com isso – repreendeu-o Irmão Narbert. – Septão Meribald podia ter ficado com a boca cheia de terra – o coveiro abaixou a cabeça. Quando Cão foi farejá-lo, deixou cair a pá e coçou-lhe uma orelha.
(O Festim dos Corvos, cap. 31, Brienne VI. Tradução de Jorge Candeias, adaptada pela editora Leya.)

Como é sabido, Brienne é excepcionalmente alta (e não apenas para os padrões femininos). Uma pessoa mais alta que ela tem também de ser alguém notável por esse traço, e Sandor Clegane é um dos personagens que se encaixa nessa situação.

Nos livros, Sandor é descrito como bastante alto, mas não se poderia saber só com essa informação se seria mais alto que Brienne. Felizmente, George R. R. Martin já havia esclarecido a questão fora dos livros (em 2001, antes da publicação de O Festim dos Corvos, que ocorreu quatro anos depois):

Só de cabeça, eu diria que Brienne é mais alta que Renly e Jaime, e consideravelmente mais pesada que ambos, mas nem de perto do tamanho de Gregor Clegane, que é o verdadeiro gigante da série. Mais baixa que Hodor e que o Grande Jon, talvez um pouco mais baixa que o Cão de Caça, talvez mais ou menos da mesma altura que Robert.
(So Spake Martin: Brienne of Tarth. Linda Elane em Westeros.org. Tradução e grifos meus.)

Apenas a altura, porém, não seria argumento suficiente para identificar o coveiro como Sandor – que é, naturalmente, o que está sendo sugerido aqui. A menção ao homem ser coxo também é coerente com os vários ferimentos que Sandor recebeu no confronto na estalagem do entroncamento.

Outro ponto importante é a presença do cavalo de Sandor – outrora chamado Estranho e rebatizado pelo Irmão Mais Velho como “Trazido pela Correnteza” – em Ilha Quieta. O cavalo é extremamente violento, e um dos irmãos diz que ele feriu dois de seus colegas quando tentaram tratar dele. Como o Irmão Mais Velho teria sido capaz de levar esse animal tão indócil pelo difícil trajeto até a ilha? Seria um tanto estranho que ele tivesse feito isso sozinho, mas a presença de Sandor poderia explicar facilmente essa questão.

Coveiro e Cão em Ilha Quieta
Quiet Isle, por Alridpath.

Além disso, um dos pontos mais notáveis a favor da hipótese, e que é bastante coerente com a forma de George R. R. Martin de dar dicas, é o fato de que quando o cachorro Cão vai até o homem, este se abaixa para fazer carinho no animal. É claro que a sugestão é o simbolismo da associação entre Sandor e cães, tanto por seu apelido Cão de Caça quanto pelo brasão de sua Casa, que ostenta três cachorros negros em um campo amarelo.

De minha parte, somando toda a conversa entre o Irmão Mais Velho e Brienne com a descrição do coveiro, sou plenamente convicto de que se trata mesmo de Sandor Clegane, que deixou a persona violenta e atormentada do Cão de Caça e vive uma vida penitente na septeria de Ilha Quieta.

Gregor (morto-)vivo?

No caso do destino de Gregor, talvez “vivo” não seja a palavra mais adequada para descrevê-lo. Embora a versão oficial sobre o Montanha seja a de que ele morreu em decorrência do veneno aplicado por Oberyn Martell, o fato de ter sido tratado por Qyburn indica que há algo a mais nessa história.

Qyburn fora um meistre da Cidadela extremamente habilidoso nas artes de cura. No entanto, ao invés de conduzir experimentos da forma habitual, abrindo cadáveres para aplicar o que aprendesse nos vivos, ele passou a abrir corpos de pessoas vivas para estudar a morte. Foi, por isso, expulso da ordem, e se juntou aos Bravos Companheiros em Essos. Em Harrenhal, era dito que ele possuía conhecimentos de necromancia e magia negra.

Após acompanhar Jaime Lannister a Porto Real, Qyburn permanece na cidade e acaba caindo nas graças de Cersei, que lhe pede, entre outras coisas, que examine o moribundo Gregor. Qyburn o transporta para as celas negras da Fortaleza Vermelha, onde passa a estudá-lo. Segundo Qyburn, o Montanha acaba mesmo por morrer, e o ex-meistre é quem prepara sua cabeça para ser enviada aos dorneses.

Qyburn, que fora nomeado também Mestre dos Sussurros, convence a rainha a lhe fornecer cobaias (preferencialmente mulheres) para outros experimentos macabros nas celas negras. Entre as vítimas entregues por Cersei a ele estão a antiga criada Senelle, marionetistas que realizaram uma peça “traidora”, e a nobre Falyse Stokeworth.

Robert Strong
Sor Robert Strong, por Robert O’Leary.

Presumindo que uma vaga na Guarda Real poderia se abrir quando Loras Tyrell parte para tomar Pedra do Dragão, Qyburn sugere a Cersei um certo campeão contra o qual nenhum homem teria chance, para quem manda fazer uma enorme armadura. Mais tarde, quando Cersei está presa pela Fé dos Sete, Qyburn informa à rainha que esse campeão está pronto.

Como não há vagas na Guarda Real, o tal campeão invencível não poderia defender Cersei, mas a oportunidade surge quando chegam notícias sobre a morte de Arys Oakheart em Dorne. O cavaleiro finalmente é visto e apresentado como Sor Robert Strong na caminhada da vergonha da rainha, quando a toma nos braços e a carrega para a segurança da Fortaleza Vermelha.

Segundo Qyburn, Robert Strong fez um voto de silêncio “até que todos os inimigos de Sua Graça [o Rei Tommen] estejam mortos e o mal seja expulso do reino”, uma explicação bastante conveniente para o silêncio desse misterioso cavaleiro. Mais tarde, no final de A Dança dos Dragões, o Regente Kevan Lannister e o Pequeno Conselho conversam sobre Sor Robert:

– Minha sobrinha escolheu julgamento por combate, segundo me informou. Sor Robert Forte será seu campeão.
– O gigante silencioso. – Lorde Randyll fez uma careta.
– Diga-me, sor, de onde veio esse homem? – exigiu saber Mace Tyrell. – Por que nunca ouvimos seu nome antes? Ele não fala, não mostra seu rosto, nunca é visto sem sua armadura. Sabemos com certeza que é mesmo um cavaleiro?
Não sabemos nem se está vivo. Meryn Trant afirmava que Forte nunca comia ou bebia, e Boros Blount ia além, dizendo que nunca vira o homem usar a latrina. Por que deveria? Mortos não cagam. Kevan Lannister tinha uma forte suspeita de quem este Sor Robert realmente era embaixo daquela reluzente armadura branca. Uma suspeita que Mace Tyrell e Randyll Tarly sem dúvida partilhavam. Qualquer que fosse o rosto escondido atrás do elmo do Forte, devia permanecer oculto por enquanto. O gigante silencioso era a única esperança de sua sobrinha. E rezemos para que seja tão formidável quanto parece.
(A Dança dos Dragões, epílogo. Tradução de Marcia Blasques.)

Os indícios de que Strong na verdade seria uma versão morto-vivo de Gregor Clegane (ou pelo menos de seu corpo, visto que a cabeça parece mesmo ter sido enviada a Dorne) já eram fortíssimos. Com essa passagem, que revela as desconfianças dos próprios personagens dentro da história, George R. R. Martin praticamente soletrou a questão para seus leitores.

Elmos dos irmãos Clegane
Os elmos da Montanha e do Cão de Caça (que não estariam em um confronto entre Robert Strong e Sandor Clegane). Arte: Alexey Lipatov.

O Cleganebowl

A intensa rivalidade e o ódio mútuo entre os irmãos Clegane é fato notório em As Crônicas de Gelo e Fogo, conhecido desde o primeiro livro da série. Durante o Torneio da Mão, em A Guerra dos Tronos, o leitor descobre o passado dos Clegane através do próprio Sandor, em diálogo com Sansa Stark:

[…] Era mais novo do que você, com seis anos, talvez sete. Um marceneiro montou uma loja na aldeia que ficava abaixo da fortaleza de meu pai e, para comprar favores, enviou-nos presentes. O velho fazia brinquedos maravilhosos. Não me lembro do que recebi, mas era o presente de Gregor que eu desejava. Um cavaleiro de madeira, todo pintado, com cada articulação presa em separado e fixada com cordas para que se pudesse pô-lo a lutar. Gregor é mais velho que eu cinco anos, o brinquedo não significava nada para ele, já era um escudeiro com quase um metro e oitenta e musculoso como um touro. Portanto, tirei dele o cavaleiro, mas posso lhe dizer que não houve nenhuma alegria nisso. Tive medo o tempo todo, e realmente ele me encontrou. Havia um braseiro na sala. Gregor não disse uma única palavra, limitou-se a me colocar debaixo do braço e a enfiar o lado da minha cara nos carvões em brasa, deixando-me lá enquanto eu gritava sem parar. Viu como ele é forte. Mesmo naquele tempo, foram precisos três homens fortes para afastá-lo de mim. […]
(A Guerra dos Tronos, cap. 29, Sansa II. Tradução de Jorge Candeias, adaptada pela editora Leya.)

No segundo dia do torneio, os irmãos se enfrentam, quando Gregor tenta matar Loras Tyrell por ter usado uma égua no cio, que desorientou seu garanhão e o atrapalhou na justa:

[…] Sor Gregor brandiu a espada, um violento golpe a duas mãos que atingiu o rapaz no peito e o derrubou da sela. O corcel fugiu em pânico, enquanto Sor Loras jazia atordoado no chão. Mas, quando Gregor ergueu a espada para o golpe fatal, uma voz áspera advertiu: “Deixe-o em paz”, e uma mão revestida de aço atirou-o para longe do rapaz.
A Montanha rodopiou numa fúria sem palavras, brandindo a espada num arco mortífero com toda a sua maciça força posta no golpe, mas Cão de Caça aparou o golpe e contra-atacou, e durante o que pareceu uma eternidade, os dois irmãos trocaram golpes, enquanto um entontecido Loras Tyrell era ajudado a pôr-se em segurança. Três vezes Ned viu Sor Gregor lançar violentos golpes no elmo da cabeça de Cão, mas nem uma vez Sandor deu uma estocada ao rosto desprotegido do irmão.
Foi a voz do rei que pôs fim àquilo… a voz do rei e vinte espadas. Jon Arryn dissera-lhes que um comandante precisa de uma boa voz de batalha, e Robert provara no Tridente que era verdade. Era essa a voz que usava agora.
– PAREM COM ESTA LOUCURA – trovejou – EM NOME DO SEU REI!
Cão de Caça caiu sobre um joelho. O golpe de Sor Gregor cortou o ar, e por fim caiu em si. Deixou cair a espada, olhou intensamente para Robert, cercado por sua Guarda Real e uma dúzia de outros cavaleiros e guardas. Sem uma palavra, virou-se e afastou-se em passo rápido, abrindo caminho junto a Barristan Selmy com um encontrão.
(A Guerra dos Tronos, cap. 30, Eddard VII. Tradução de Jorge Candeias, adaptada pela editora Leya.)

Hound vs Mountain
Gregor vs Sandor Clegane. Arte: Tomasz Jedruszek. © Fantasy Flight Games.

Assumindo que ambos estão vivos (ou mais ou menos, no caso de Gregor), foi simples para o fandom teorizar que um novo confronto entre os dois pode acontecer. O momento para esse encontro seria um duelo que acontecerá, provavelmente, em Os Ventos do Inverno: o julgamento por combate de Cersei Lannister. A Fé dos Sete a acusa de vários crimes capitais, e o gigante Robert Strong será o campeão dela nesse confronto.

Com Sandor em um retiro da própria Fé nas Terras Fluviais, a sugestão de que ele poderia representar a ordem religiosa no julgamento (e defrontar o irmão) veio facilmente às mentes de muitos leitores.

Uma passagem do primeiro livro também é frequentemente usada como argumento para essa hipótese. Trata-se de uma visão de Bran Stark, em contato com o Corvo de Três Olhos, em que supostamente os dois irmãos apareceriam juntos:

Havia sombras a toda volta. Uma das sombras era escura como cinzas, com o terrível rosto de um cão de caça. Outra estava armada como o sol, dourada e bela. Sobre ambas erguia-se um gigante numa armadura de pedra, mas, quando abriu a viseira, nada havia lá dentro exceto escuridão e um espesso sangue negro.
(A Guerra dos Tronos, cap. 17, Bran III. Tradução de Jorge Candeias.)

A ideia é que a primeira sombra, naturalmente, representaria Sandor, e a última, Gregor (ou Robert Strong). A do meio é geralmente associada a Oberyn Martell (uma vítima de Gregor).

Extrapolando ainda mais, alguns proponentes da teoria sugerem que como Sandor é o irmão mais novo dos Clegane, poderia se enquadrar como valonqar. Segundo essa ideia, ao derrotar Gregor ele causaria a ruína de Cersei, e cumpriria também a profecia de Maggy, a Rã.

Quanto ao nome pelo qual o hipotético confronto ficou conhecido, segundo o Know Your Meme, a primeira menção registrada do termo “Cleganebowl” aconteceu em 2013, no 4chan:

Cleganebowl
A primeira menção registrada do termo Cleganebowl, no 4chan, em 2013. Fonte: Know Your Meme.

“Cleganebowl” faz referência ao Super Bowl XLVII, jogado em 2013. Essa edição foi disputada entre os Baltimore Ravens e os San Francisco 49ers, cujos treinadores eram os irmãos John e Jim Harbaugh, respectivamente. O jogo foi, por isso, apelidado de “Harbowl”, e a piada foi aproveitada no hipotético confronto entre os Clegane.

Nos anos seguintes, o nome se popularizou entre a base de fãs, e ganhou notabilidade no Reddit, tanto no subreddit de As Crônicas de Gelo e Fogo, o r/asoiaf (“get hype!“), quanto com a criação de um subreddit próprio, o r/cleganebowl.

Um usuário chegou a perguntar ao próprio George R. R. Martin sobre o Harbowl, tentando sutilmente contextualizá-lo com o possível Cleganebowl. George chegou a responder à pergunta, mas ou não entendeu o que estava sendo sugerido, ou preferiu ignorar:

GRRM Cleganebowl
Um fã tenta perguntar a George sobre o Cleganebowl fazendo referência ao Harbowl.

Reddit Cleganebowl: Boas festas George,

Sou um leitor de longa data, comentando pela primeira vez. Essa pergunta é sobre futebol americano, mas um pouco fora do assunto do jogo de domingo.

Sobre o Superbowl 2013, entre os Ravens e os 49ers: do seu ponto de vista, como fã de longa data de futebol americano, você acha que a rivalidade entre os irmãos Jim e John Harbaugh confirmou o status de evento 100% único no esporte? Isso é similar a como uma rivalidade entre irmãos pode proporcionar um clímax de uma história épica.

O foco da imprensa nos Harbaughs foi um exemplo de hipérbole máxima?

Obrigado pelos romances e pelas ideias interessantes no blog.

GRRM: A imprensa procura sempre um ponto de vista que torne esse último jogo especial e empolgante. A rivalidade entre irmãos era um ângulo diferente, então é claro que a usaram.

A teoria como um todo se estendeu também à série Game of Thrones, e foi impulsionada com o retorno de Sandor Clegane na sexta temporada, após sua aparente morte dois anos antes. Além disso, Gregor nunca chegou a deixar completamente a série. Robert Strong não existe na TV, e é o próprio Montanha quem é trazido de volta por Qyburn (com uma aparência um tanto macabra).

Embora livros e série televisiva tenham se distanciado consideravelmente – a ponto de serem efetivamente obras distintas – a presença explícita dos dois personagens em Game of Thrones também serviu de combustível para os proponentes da teoria em As Crônicas de Gelo e Fogo.

Cleganebowl
“A Sin so Terrible”, por Ertaç Altinöz.

Os problemas

Não compro a ideia de um Cleganebowl por várias razões. Não é apenas porque considero a raiz da hipótese uma glorificação genérica, por parte dos fãs, de um combate “épico” e “foda” (tão coerente com os intuitos da série de TV, mas pouco em relação aos livros de Martin). Existem também motivos de natureza lógica que me fazem concluir que a teoria não faz lá muito sentido em As Crônicas de Gelo e Fogo.

Logística

Em primeiro lugar, existem problemas para explicar como se chegaria, na prática, a esse duelo. A certeza de que Robert “Gregor” Strong será o campeão de Cersei no julgamento de combate contra a Fé dos Sete já existe. Mas será que o fato de Sandor estar recolhido a um retiro religioso nas Terras Fluviais o torna automaticamente apto a ser o campeão da Fé nesse confronto? Na verdade, parece (muito) que não.

A septeria de Ilha Quieta, como já dito, é um retiro para penitentes, homens que querem expiar seus pecados. Os residentes fazem um voto de silêncio, exceto quando confessam, e as confissões só são feitas quando algum septão andante (como Meribald) passa pelo local, pois não há um que resida na ilha.

Ilha Quieta
A localização de Ilha Quieta nas Terras Fluviais. Mapa adaptado de Atlas das Terras de Gelo e Fogo (Leya).

Ilha Quieta está localizada na foz do Tridente, relativamente perto de Harrenhal, mais perto ainda de Salinas. O acesso a ela é bastante demorado e complicado (exceto na maré baixa, quando barcos podem ser usados), e os residentes vivem largamente isolados do mundo exterior. O Irmão Mais Velho propositalmente oculta as piores informações que recebe do exterior, para que a tranquilidade do ambiente não seja perturbada.

A conclusão a que se chega é que o contato da septeria com a estrutura religiosa da Fé em Porto Real não é muito frequente – se é que de fato ocorre. Se existe algum contato entre os residentes de Ilha Quieta e os religiosos do exterior, ele é feito principalmente pelo Irmão Mais Velho, que “filtra” o que chega aos outros irmãos.

Assim, dois grandes problemas se afiguram para a logística da seleção do coveiro Sandor como Campeão da Fé em Porto Real: como ele ficaria sabendo do julgamento por combate, e por que a Fé saberia que ele ainda vive?

Vamos, primeiro, analisar a situação do ponto de vista da Fé. A instituição sabe que Sandor Clegane faz parte de uma pequena septeria isolada nas Terras Fluviais? É muito provável que não. Sandor era uma figura notória nos Sete Reinos, que certamente chamaria a atenção da Fé, se fosse sabido que ele havia se tornado um homem penitente. Ainda que não para o julgamento por combate, ele seria politicamente útil de alguma forma para a organização.

As falas do Irmão Mais Velho dão a entender que a intenção é que Sandor fique no retiro anonimamente, justamente para poder ter paz. Não existe, assim, razão para que a Fé vá ativamente atrás de Sandor para que ele seja seu campeão no julgamento, se a organização sequer sabe dessa possibilidade.

Aliás, os irmãos de Ilha Quieta têm ativamente procurado desinformar a capital sobre o paradeiro de Sandor. No casamento de Tommen e Margaery Tyrell, o seguinte diálogo tem lugar entre Kevan Lannister e Cersei:

– As terras fluviais estão ainda muito perigosas. A escumalha de Vargo Hoat continua a monte, e Beric Dondarrion tem andado a enforcar Freys. É verdade que Sandor Clegane se juntou a ele?
Como ele sabe disso?
– Há quem diga que sim. Os relatórios são confusos – a ave tinha chegado na noite anterior, vinda de uma septeria erguida numa ilha situada perto da foz do Tridente. A vila vizinha de Salinas fora selvaticamente atacada por um bando de fora da lei, e alguns dos sobreviventes afirmavam que um brutamontes rugidor, com um elmo em forma de cabeça de cão, encontrava-se entre os assaltantes.
(O Festim dos Corvos, cap. 12, Cersei III. Tradução de Jorge Candeias, adaptada pela editora Leya.)

A ilha em questão é a própria Ilha Quieta, certamente. A essa altura, presumivelmente Sandor já era um dos irmãos do local, e esse corvo enviado a Porto Real tinha claramente a intenção de sugerir às “autoridades” que o Cão de Caça estava à solta pelas Terras Fluviais. Como era a própria septeria quem estava fazendo a denúncia, ela seria o último lugar em que ele seria procurado, e ele poderia continuar vivendo por lá tranquilamente como o coveiro.

Agora, vejamos a questão pelo outro lado, o de Sandor. Para ele ter ciência dessa situação, o Alto Septão e a Fé teriam que divulgar a todos os Sete Reinos que estariam buscando um guerreiro para um julgamento por combate. E simplesmente não parece que esse seja um modus operandi lógico para esse tipo de situação. O mais razoável é a instituição selecionar algum homem que já faz parte de suas fileiras militares (da Fé Militante ou da Santa Centena), ao invés de enviar comunicados a todos os rincões de difícil acesso dos Sete Reinos, como a septeria de Ilha Quieta, para tentar encontrar algum possível ótimo campeão.

Ainda que se admita que a Fé tomaria essa atitude de escolher algum guerreiro aleatório para representá-la em um julgamento por combate tão importante, a forma como o Irmão Mais Velho fala sobre Sandor dá a entender que ele pretende que Clegane viva um período de paz e penitência em Ilha Quieta – ele sugere a Brienne, por exemplo, que desista da demanda de encontrá-lo. Se a notícia sobre uma convocação para julgamento por combate chegasse à ilha, certamente o Irmão Mais Velho não a contaria a Sandor.

Além disso, como seria essa notícia? O leitor e alguns dos membros do Pequeno Conselho (e provavelmente outros membros da corte em Porto Real) suspeitam que Robert Strong seja na verdade Gregor Clegane, mas essa não é uma informação publicamente conhecida, e nem há razões para que seja (afinal, o cavaleiro acabou de aparecer).

Certamente uma hipotética convocação da Fé ou a mera notícia do julgamento não mencionaria que Strong é Clegane. Isso significa que, na remotíssima hipótese de a informação chegar a Sandor, ele sequer saberia que o campeão da rainha no julgamento por combate é na verdade (uma versão de) seu irmão.

Assim, do ponto de vista da logística interna, é altamente improvável que Sandor vá sair de um santuário pacífico no meio das Terras Fluviais, que recebe poucas notícias do mundo exterior e do qual o mundo exterior parece sequer ter muito conhecimento, para ser o Campeão da Fé em um julgamento em Porto Real contra um adversário de identidade desconhecida.

Temática

Além de vários empecilhos de ordem prática que tornam o Cleganebowl bastante improvável, a hipótese também encontra obstáculos no campo temático. O hipotético combate entre os irmãos Clegane seria um evento épico, a culminação de uma longa história de ódio, violência e rivalidade. Mas será que é isso mesmo o que George R. R. Martin quer para esses personagens?

Elmo do Cão de Caça
O elmo do Cão de Caça, símbolo de violência. Arte: Alberto Arribas.

No capítulo em Ilha Quieta, em que o leitor descobre o paradeiro de Sandor e ouve o que o Irmão Mais Velho tem a dizer sobre o personagem e sua situação, o tom não é de vingança e violência – pelo contrário. O que se vê em Sandor na septeria é justamente o “enterro” da persona Cão de Caça, a personalidade raivosa, vingativa e violenta, que teria ficado para trás junto com o elmo.

Essa persona, aliás, continua viva, mas em outras pessoas que não Sandor Clegane. O elmo característico do Cão de Caça, que simboliza todos esses sentimentos violentos, passa primeiro a Rorge. Já dono de um passado cruel, ele passa a aterrorizar as Terras Fluviais, sendo responsável, por exemplo, pelo massacre de Salinas.

Rorge acaba morto pelas mãos de Brienne, e o elmo troca de dono novamente. Desta vez quem o recolhe é Limo Manto Limão, da Irmandade sem Bandeiras, que também decide usá-lo. Thoros de Myr reconhece que o elmo é um símbolo de violência, e se opõe à ideia:

Conheço esse homem, Brienne pensou.
– É o Cão de Caça.
Ele abriu um sorriso. Seus dentes eram horríveis; tortos e com manchas marrons devido à cárie.
– Suponho que seja. Visto que a senhora tratou de matar o último – virou a cabeça e escarrou.
Brienne recordou o relâmpago estalando, a lama sob os seus pés.
– Quem eu matei foi Rorge. Ele tirou o elmo da tumba de Clegane, e você o roubou de seu cadáver.
– Não estou ouvindo ele protestar.
Thoros prendeu a respiração, consternado.
– Isso é verdade? O elmo de um morto? Caímos assim tão baixo?
O grandalhão lançou-lhe um olhar carrancudo.
– É bom aço.
– Não há nada de bom nesse elmo, nem nos homens que o usaram – disse o sacerdote vermelho. – Sandor Clegane era um homem atormentado, e Rorge, um animal em pele humana.
– Não sou nem um nem outro.
– Então para que mostrar ao mundo a cara deles? Selvagem, a rosnar, retorcida… é isso o que
quer ser, Limo?
– Vê-la vai encher de medo meus inimigos.
– Vê-la me enche de medo.
– Então feche os olhos – o homem do manto amarelo fez um gesto brusco. – Traga a puta.
Brienne não resistiu.
(O Festim dos Corvos, cap. 42, Brienne VIII. Tradução de Jorge Candeias, adaptada pela editora Leya.)

Nota-se que Limo não rejeita a ideia de ser identificado como o Cão de Caça (mesmo com toda a carga negativa que essa figura representa nos Sete Reinos), e que faz pouco caso da oposição de Thoros ao uso do elmo. Embora o sacerdote vermelho não o identifique como um homem tão problemático quanto Sandor ou Rorge, as atitudes de Limo demonstram que uma mudança (para pior) se operou nele desde a última vez em que foi visto – embora isso também possa ser atribuído à mudança geral de tom da própria Irmandade, sob a liderança da Senhora Coração-de-Pedra.

De qualquer forma, me parece claro que a ideia de GRRM foi mesmo a de mostrar que o Cão de Caça continua vivo, embora não na pessoa de Sandor Clegane. Um eventual combate contra o irmão (ou parte dele) seria um total retorno a tudo o que o Irmão Mais Velho descreveu como a vida atormentada de Sandor. Tentando pensar como o autor, isso não faria muito sentido. Embora em Game of Thrones a vingança seja de certa forma glorificada – com cenas em que os personagens “do bem” praticam atos cruelmente violentos contra seus maldosos inimigos exibidas para os urros de êxtase da audiência – o mesmo não acontece em As Crônicas de Gelo e Fogo.

Coveiro de Ilha Quieta
O coveiro de Ilha Quieta. Arte: pojypojy.

No final das contas, me parece que o arco de Sandor já chegou a seu fim em As Crônicas de Gelo e Fogo – que, afinal, está no quinto livro de sete. A passagem em Ilha Quieta envolvendo o coveiro e as falas do Irmão Mais Velho seriam apenas uma forma menos óbvia de mostrar aos leitores mais atentos o destino do personagem.

Esse easter egg, porém, não significa necessariamente que Sandor vá reaparecer e ter mais participações na história, principalmente pela questão da cisão com a personalidade anterior. Fico com a impressão de que a ideia é justamente fechar o arco do personagem indicando que ele agora teria alcançado a paz. Nem tudo em As Crônicas de Gelo e Fogo tem que terminar em um combate “épico”.

Além disso, o caso do outro irmão também é problemático. Na obra de Martin, o Guarda Real tecnicamente não é Gregor Clegane, mas Robert Strong, uma espécie de morto-vivo gigante, diferente de um ser humano convencional. Sem sentimentos, emoções, reações, atitudes ou necessidades naturais de uma pessoa. Gregor, aparentemente, é só a carcaça utilizada para a criação desse guerreiro. Assim, até sob o ponto de vista temático da vingança (se essa fosse a intenção) o confronto teria sido esvaziado, já que Sandor sequer estaria lutando contra o próprio irmão.

O retorno de Sandor à antiga vida e o Cleganebowl seriam o clímax “épico” de um arco de vingança e violência, o que significaria que toda a subtrama criada por Martin – sobre a sobrevivência pacífica de Sandor e a continuidade da violência do Cão de Caça em outras pessoas – teria sido em vão e esvaziada de significado.

Conclusão

Embora a ideia de um confronto grandioso entre dois dos maiores guerreiros dos Sete Reinos possa parecer, à primeira vista, um fechamento épico para toda a rivalidade histórica entre os dois irmãos, no final das contas ela encontra vários problemas, tanto de natureza logística quanto temática.

De saída, a teoria incorre em inúmeros empecilhos práticos para explicar como o coveiro de um isolado refúgio religioso, passaria a ser o campeão da Fé dos Sete em Porto Real, em um dos maiores julgamentos por combate do reino. Existem problemas para que a notícia desse julgamento chegue até Ilha Quieta, para que as informações cheguem a Sandor, e na própria natureza dessas notícias (pois elas sequer mencionariam Gregor).

Mesmo admitindo-se que esses problemas logísticos fossem contornados pela narrativa de Martin, a teoria ainda encontra um obstáculo talvez ainda mais crucial: falta a ela substância temática, e, na verdade, o Cleganebowl contradiz frontalmente o significado de um arco já existente em As Crônicas de Gelo e Fogo.

O modo como Martin apresenta o coveiro (e as falas do Irmão Mais Velho a respeito dele) somado à sobrevivência da persona violenta do Cão de Caça em outros personagens soa muito como o fechamento do arco de Sandor Clegane. Um eventual confronto entre ele e Robert Strong – que sequer é Gregor Clegane propriamente dito – desconstruiria toda essa trama, o que seria um enorme desperdício, e contraproducente do ponto de vista narrativo.

O post Afinal, haverá Cleganebowl em ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’? apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
https://www.geloefogo.com/2019/02/afinal-havera-cleganebowl-em-as-cronicas-de-gelo-e-fogo.html/feed 0 104250
Vinhos de gelo e fogo: mentiras e o dourado da Árvore https://www.geloefogo.com/2018/09/vinhos-de-gelo-e-fogo-mentiras-e-o-dourado-da-arvore.html?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=vinhos-de-gelo-e-fogo-mentiras-e-o-dourado-da-arvore https://www.geloefogo.com/2018/09/vinhos-de-gelo-e-fogo-mentiras-e-o-dourado-da-arvore.html#comments Thu, 06 Sep 2018 23:53:24 +0000 https://www.geloefogo.com/?p=98367 Através da leitura dos romances de As Crônicas de Gelo e Fogo, nos deparamos com uma infinidade de situações em […]

O post Vinhos de gelo e fogo: mentiras e o dourado da Árvore apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>

Através da leitura dos romances de As Crônicas de Gelo e Fogo, nos deparamos com uma infinidade de situações em que nada é o que sugere ser. A história é temperada por muitos diálogos políticos e narrativas especulativas, enigmas, profecias, elementos sobrenaturais alegóricos, intrigas, segredos, conchavos, traições e revelações. E é claro, tem muita gente mentindo o tempo todo.

Robert Baratheon e seu vinho. Arte por Joshua Cairós © Fantasy Flight Games.

Sento-me naquela maldita cadeira de ferro e ouço-os se queixarem até ficar com a mente embotada e o rabo em carne viva. Todos querem alguma coisa, dinheiro, terra ou justiça. As mentiras que contam… e os meus senhores e senhoras não são melhores. Estou cercado de aduladores e idiotas. Aquilo pode levar um homem à loucura, Ned. Metade deles não se atreve a me dizer a verdade, e a outra metade não é capaz de encontrá-la. Há noites em que desejo que tivéssemos perdido no Tridente.
(A Guerra dos Tronos, capítulo 4, Eddard I)

Robert foi um homem que viveu enganado, reinando em uma corte composta por – para dizer o mínimo – uma rede de falsidades: Os filhos que criou como herdeiros não eram dele, tampouco estabeleceu relação afetiva com seus bastardos, negando (ou sendo privado) de fazer parte ativa dessas histórias e vidas. A mulher amada, a quem ele dedicou guerras e revoluções inteiras, possivelmente jamais o amou de volta. A paz que conquistou lhe custou a alcunha de usurpador. Suas duas Mãos trabalharam na busca de parte destas verdades, e morreram pagando o preço por elas.

Robert, Ned e Jon Arryn morreram para que mentiras fossem acobertadas. No processo, muitas revelações vieram à tona. E todos os outros personagens se equilibram em cordas bambas feitas do mesmo material: Theon, Daenerys, Jon Snow, Arianne, Arya, Davos, Sansa, Tyrion, e tantos outros. O leitor é sempre colocado em uma situação em que tenta desvendar as tramas nas quais esses personagens são colocados. Na maioria das vezes, acabamos analisando exageradamente as situações em uma espécie de busca insaciável por clareza dos fatos.

Vez ou outra, percebemos que há em diversas situações apresentadas muitas camadas que valem a pena serem descobertas. Neste artigo, iremos explorar mais uma dessas camadas, e ela fala sobre o que a atividade preferida de Robert pode nos dizer sobre as mentiras ditas em As Crônicas de Gelo e Fogo.

Vinhos em Westeros

Arte: Raprika

Em Westeros e em Essos, a gastronomia é um universo a parte. Descrições de pratos apetitosos e bebidas diversas são muito comuns através dos capítulos das Crônicas. Temos inclusive livros específicos sobre o tema. Dentro da história, refeições e banquetes são parte fundamental de cenários das tramas. E as bebidas que as acompanham revelam facetas de personalidades, condições socioeconômicas de povos e famílias, e principalmente o estado emocional de muitos personagens. Muitos são ou tornam-se alcoólatras.

Personagens desfrutam de uma infinidade de bebidas apresentadas nos livros, entre vinhos, hidromel, licores, rum, cervejas e preparos exóticos. Mas Martin desenvolve uma espécie de ideia fixa sobre vinhos. Ele sempre está ali, se destacando, quase como um personagem.

A presença de vinhos na história vez ou outra está ligada à ideia de subserviência, luxúria, e morte. Jon Arryn é morto por ter seu vinho batizado com lágrimas de Lys, e o crime é cometido pela própria esposa. Robert teve o vinho alterado com alto teor alcoólico, o que o tornou entorpecente e facilitou sua derrota no encontro com o javali. Daenerys sofre tentativa de envenenamento através da bebida, mas é salva por Jorah, um dos responsáveis pela traição. Meistre Cressen tenta matar Melisandre envenenada com o estrangulador, mas morre envenenado por um truque reverso que Melisandre realiza em sua taça de vinho. Dontos é torturado com vinhos por Joffrey e quase morto, mas salvo no último segundo por Sansa e Sandor Clegane. Tyrion utiliza poções no vinho de Cersei para mantê-la afastada das atividades da corte. Joffrey tem sua taça de vinho envenenada com o estrangulador no dia de seu casamento por aqueles que juraram lealdade a ele. Walder Frey é deliberadamente generoso com as bebidas durante o Casamento Vermelho, para que os nortenhos se embebedem e percam os sentidos antes de serem mortos.

Cerveja, vinho e hidromel fluíam tão depressa quanto o rio, lá fora. Grande-Jon já estava para lá de bêbado. O filho de Lorde Walder, Merrett, estava competindo com ele, taça atrás de taça, mas Sor Whalen Frey desmaiou tentando acompanhar os dois. Catelyn teria preferido que Lorde Umber tivesse achado por bem permanecer sóbrio, mas dizer ao Grande-Jon para não beber era como lhe pedir para não respirar durante algumas horas.
(A Tormenta de Espadas, capítulo 51, Catelyn VII)

A relação com a bebida nos livros de George é bem diversa: abre o paladar, aguça ou entorpece os sentidos, podendo te fazer relaxar ou te colocar em situações limite de embriaguez. Por outro lado, em muitos casos, vinhos ferventes são usados para tratar ferimentos, por exemplo.

Com uma bacia e uma lâmina afiada, Qyburn limpou o coto enquanto Jaime emborcava vinho-forte, babando-se todo enquanto ingeria. A mão esquerda não parecia saber como encontrar sua boca, mas havia uma vantagem nisso. O cheiro de vinho na barba encharcada ajudava a disfarçar o fedor do pus. Nada ajudou quando chegou o momento de desbastar a carne apodrecida. Jaime gritou e esmurrou a mesa com o punho bom, uma vez e mais outra. Voltou a gritar quando Qyburn despejou vinho fervendo sobre o que restava do coto. Apesar de todas as suas promessas e de todos os seus temores, perdeu os sentidos durante algum tempo. Quando acordou, o meistre estava costurando seu braço com uma agulha e tripa de gato.
(A Tormenta de Espadas, capítulo 31, Jaime IV)

Bebidas alcoólicas sempre foram preferidas na Idade Média. Eram vistas como mais nutritivas e benéficas para a digestão do que a água. O vinho era consumido diariamente na maior parte da França e em todo o Mediterrâneo ocidental, onde quer que uvas fossem cultivadas. Mais ao norte, o vinho era a bebida preferida que a burguesia e nobreza podiam pagar, e era muito menos comum entre camponeses e trabalhadores. A bebida dos plebeus no norte da Europa era principalmente cerveja. Perceba, Martin incorpora todas essas ideias em As Crônicas.

Estalagem nas Terras Fluviais, por MAX-BERMAN

Os vinhos mais conhecidos e apreciados em Westeros são produzidos no sul do continente, em Dorne e na ilha da ÁrvoreEspecialistas comparam os vinhos da Campina com os franceses, e os de Dorne com os portugueses e espanhóis, por exemplo.

Os vinho dornês, conhecido como “o tinto de Dorne”, é geralmente ácido, embora ocasionalmente tenha riqueza em suas notas. Vinhos mais fortes em Dorne são tão escuros quanto sangue, com um sabor doce.

Já a ilha da Árvore produz os vinhos mais cobiçados, tintos, doces e secos, bem como vinhos brancos, sendo o mais conhecido o chamado “dourado da Árvore”. O dourado é adquirido principalmente pela classe dominante e rica, e é considerado um deleite sempre que consumido. E certamente é possível encontrar outros produtores de vinho tinto na região da Campina. A Casa Redwyne, como sugere o próprio nome, lucra muito com os produtos locais, ostentando em seu brasão um cacho de uvas púrpuro simbolizando suas famosas vinícolas. Além disso, Jardim de Cima produz a famosa bebida hippocras, que nada mais é do que uma mistura de vinho e especiarias. No Norte, uma bebida parecida é preparada com safras de menor qualidade usando os mesmos ingredientes, resultando no vinho quente temperado que vemos comumente sendo consumido em Castelo Negro e Winterfell.

A Gift of Arbor Red, por Nicholas Gregory – © FFG

No nosso mundo real, o vinho branco, descrito como rico e frutado, transforma sua cor lentamente em amarelo dourado à medida que envelhece. Parece ser o caso do dourado da Árvore. George R. R. Martin, em uma entrevista de 2012, mencionou que na Roma Antiga os vinhos mais doces eram os mais procurados, os considerados vinhos de sobremesa nos dias de hoje. Na Europa Medieval e outras sociedades antigas, alimentos doces eram muito raros. Martin fala que estamos acostumados com coisas doces porque temos açúcar em toda parte, e o xarope de milho rico em frutose está em toda a nossa comida, assim como outros adoçantes diversos. Na Europa, o mel era o único adoçante. Frutas diversas só poderiam ser obtidas durante o verão, dependendo da sua localização geográfica. Se você vivesse na Escócia, por exemplo, nunca provaria um pêssego ou uma laranja. Assim, a doçura dos vinhos fazia produtos como os falernianos e os chianos serem valorizados.

Martin também conta que um especialista em vinhos lhe contou que não é possível obter ótimos vinhos em uma ilha, o que é o caso da Árvore em Westeros. Há algo sobre o vento predominante e o tipo de solo, e que grandes vinhos exigem um certo clima para serem produzidos. Para Westeros, onde as quatro estações são extremamente instáveis, podendo durar gerações, anos ou meses, Martin criou seu próprio ecossistema, onde os melhores vinhos são possíveis em ilhas e dragões existem.

O fato é que o dourado da Árvore é considerado o melhor vinho de Westeros e um dos melhores do mundo, por isso é provavelmente o vinho mais doce do continente. E por ser um dos melhores vinhos, é bastante caro. A bebida requintada é frequentemente mencionada em cerimônias e celebrações, quando grandes senhoras e senhores estão tentando construir alianças, em situações diplomáticas, ou para ostentar legados. E é com este olhar que esticaremos o assunto para confabular.

O termo “vinho” por si só é referenciado com bastante frequência em As Crônicas (1080 vezes). Mas “dourado da Árvore” surge no fluxo da história em contextos específicos. É um vinho apreciado, desejado. E precisamente por isso é uma ferramenta de sedução muito eficaz.

O dourado da Árvore em As Crônicas de Gelo e Fogo

Mindinho, por xin xia

Em uma dessas hipóteses muitos interessantes, que você encontrará dando uma rápida busca em sites como Westeros.org ou reddit, defende-se que sempre que o dourado da Árvore é apreciado em alguma ocasião dentro dos livros, há segredos em andamento na cena, com farsas desenhadas, ou intenções escondidas. É como se o dourado da Árvore fosse usado para servir mentiras. Um leitmotif.

O texto fonte mais famoso e referido dentro desta hipótese está no livro O Festim dos Corvos, em um capítulo no qual Sansa e Mindinho trazem a bebida à tona um bom punhado de vezes, abertamente usando-a como alegoria.

As mentiras de Alayne

Mindinho e Sansa planejam oferecer a bebida em reunião com os Senhores Declarantes no Vale. Petyr os manipula durante todo o capítulo (e todo o livro), mentindo sobre a morte de Lysa e assegurando-se no controle do castelo ao distribuir títulos e colocar os lordes uns contra os outros, fazendo Sansa tanto aluna quanto cúmplice de sua estratégia de poder.

— Algumas mentiras são por amor. — Petyr assegurou-lhe. Ela se lembrou disso.
— Quando nós mentimos para Lorde Robert foi apenas para poupa-lo. — Ela disse.
— E essa mentira pode nos poupar. De outra forma eu e você deixaremos o Ninho da Águia pela mesma porta de saída que Lysa usou. — Petyr pegou sua pena novamente. — Vamos servir-lhe mentiras e dourado da Árvore e ele [Nestor Royce] beberá e pedirá por mais, eu prometo.
Ele está me servindo mentiras da mesma forma, Sansa percebeu. Porém, elas eram mentiras reconfortantes, e ele as dizia com boa intenção. Uma mentira não é tão ruim se é dita com boa intenção. Se somente ela pudesse acreditar…
(O Festim dos Corvos, capítulo 10, Sansa I)

Nestor Royce e seu filho chegam ao Ninho da Águia para investigar o assassinato de Lysa Arryn. Embora esteja com medo, Sansa conta aos Royce que Marillion matou Lysa Arryn. Seu desconforto em mentir e ser quem não é (Alayne), misturado com as lágrimas pelo terror vivido a tornam ainda mais convincente. Então Marillion é conduzido à cena e confessa que matou sua amante porque não suportava a ideia de vê-la casada com Petyr.

Os Royce nunca gostaram de Marillion e não questionam sua confissão, concordando em mantê-lo preso nas celas do céu, para que morra eventualmente.

Um fogo baixo queimava no solar, onde um frasco de vinho os esperava. Dourado da Árvore. Sansa encheu o copo de Lorde Nestor enquanto Petyr incitava as toras com um atiçador de ferro.
Lorde Nestor sentou-se ao lado do fogo.
— Este não será o fim disso. — ele disse a Petyr, como se Sansa não estivesse ali. — Meu primo pretende interrogar o cantor ele mesmo.
(O Festim dos Corvos, capítulo 10, Sansa I)

No trecho acima, Nestor Royce alerta Petyr sobre Yohn Royce, seu primo, que tem planos de questionar a culpa de Marillion na morte de Lysa, e a posição de Mindinho como governante do Vale.

Mindinho já sabe disso e não se incomoda. Como recompensa por seus serviços, ele apresenta a Nestor um documento que faz dele e de seus descendentes os herdeiros dos Portões da Lua. Os Portões da Lua são as terras e castelo secundários que sempre estiveram na posse da linhagem principal dos Arryn. Nestor havia sido nomeado castelão do local, mas agora irá adquirir o castelo por direito próprio. De acordo com Petyr, Lysa já havia decidido dar o castelo para Nestor, mas foi assassinada antes que ela pudesse assinar o contrato. Quando Nestor Royce e seu filho saem, Mindinho explica a Sansa que os Royces agora estarão do seu lado.

Depois, muito depois, após a jarra de dourado da Árvore estar seca, Lorde Nestor despediu – se para juntar-se a sua companhia de cavaleiros. Sansa estava dormindo em pé naquela hora, querendo apenas rastejar para a sua cama, mas Petyr a pegou pelo pulso.
Você vê as maravilhas que podem ser conseguidas com mentiras e dourado da Árvore?
Por que ela teve vontade de chorar? Era algo bom que Lorde Nestor estivesse do lado deles.
— Era tudo mentira?
— Nem tudo.
(O Festim dos Corvos, capítulo 10, Sansa I)

No documento expedido para Nestor, Petyr faz questão de assinar o acordo a próprio punho, não permitindo que o pequeno Robin Arryn seja responsável pelo contrato. Dessa maneira, será de interesse de Lorde Nestor manter Mindinho como Protetor do Vale. Se Mindinho viesse a cair, ele cairia junto.

— Sou tentado a dizer que este não é um jogo que jogamos, filha, mas é claro que é. O Jogo dos Tronos.
Eu nunca pedi para jogar. O jogo era perigoso demais. Um escorregão e eu estou morta.
(…)
Não confie em ninguém. Uma vez eu disse isso a Eddard Stark, mas ele não me ouviu. Você é Alayne, e você deve ser Alayne o tempo todo. — ele colocou dois dedos em seu seio esquerdo. —  Mesmo aqui. Em seu coração. Você pode fazer isso? Você pode ser minha filha em seu coração?
— Eu…
Eu não sei, meu senhor, ela quase disse, mas não era isso que ele queria ouvir. Mentiras e dourado da Árvore, ela pensou.
— Eu sou Alayne, Pai. Quem mais eu seria?
Lorde Mindinho beijou sua bochecha.
— Com a minha inteligência e a beleza de Cat o mundo será seu, doçura. Agora vá para a cama.
(O Festim dos Corvos, capítulo 10, Sansa I)

A partir deste capítulo do livro, que de fato é bastante simbólico, leitores foram garimpando todas as outras ocasiões em que a bebida é servida. Listamos a seguir todos os exemplos, além do efeito que o vinho supostamente tem sobre cada situação.

As senhoras da Batalha do Água Negra

No Salão de Baile da Rainha, Sansa observa Cersei aproveitar a bebida enquanto todas as mulheres nobres ali presentes fingem aproveitar a música e a comida oferecida, pois estão em desespero com a invasão de Stannis.

Cersei acenou ao pajem por outra taça de vinho, uma safra de ouro da Árvore, frutada e rica.
A rainha estava bebendo muito, mas o vinho só parecia torná-la mais bela; tinha as faces coradas, e nos olhos, um calor brilhante e febril ao ver o salão. Olhos de jogo vivo, Sansa pensou.
Músicos tocaram, malabaristas fizeram malabarismos. O Rapaz Lua cambaleou pelo salão sobre pernas de pau, caçoando de todo mundo, enquanto Sor Dontos perseguia criadas montado em seu cavalo de cabo de vassoura. Os convidados riam, mas eram risos sem alegria, o tipo de riso que pode se transformar em soluços em meio segundo. Têm os corpos aqui, mas os pensamentos estão nas muralhas da cidade e os corações também.
(A Fúria dos Reis, capítulo 60, Sansa VI)

No fim do capítulo, Cersei incentiva Sansa a provar em abundância um vinho doce de ameixa, e Sansa não consegue tomar a bebida de maneira graciosa, engasgando-se no processo. Irritada, Cersei revela, para total desespero de Sansa, que Sor Ilyn está de guarda para matar todas as mulheres presentes caso Stannis ganhe a batalha.

Neste caso, defende-se que Cersei aproveitou o dourado enquanto estava ali agindo como mártir, esperando pelo melhor, algo que ela mesmo confessa para Sansa. Conforme se embriaga, suas atitudes mudam, e ela torna-se cada vez mais violenta, algo que Sansa não compreende por completo. Desdenha de Sansa, diz que lágrimas não são a única arma de uma mulher, e que a melhor arma está entre suas pernas, algo que Sansa precisa aprender a usar. O jogo vira e Cersei parece parar de beber, já que a batalha aparentemente piora para o lado Lannister. Ao ouvir que Tyrion está lutando com seu machado na mão no Portão de Lama, Cersei imediatamente convoca Joffrey para a segurança.

E então outro vinho entra na cena, o de ameixa. É como se o vinho de mentiras cumprisse seu papel, mas conforme ele perde o efeito ou muda o sabor, Cersei resolve revelar a verdade.

Um brinde à saúde de Joffrey

O conselho de Joffrey se reúne para discutir os problemas do reino após a Batalha do Água Negra. Muitas coisas são negociadas neste capítulo, como a nova posição de Tyrion, a vindoura união entre Petyr e Lysa, novas estratégias contra Robb Stark, e até Daenerys e seus dragões – que são vistos como piada ou mentira.

Extensões menores de terra foram oferecidas a Lorde Rowan e separadas para Lorde Tarly, Senhora Oakheart, Lorde Hightower e outros ilustres que não se encontravam presentes. Lorde Redwyne pediu apenas trinta anos de perdão nos impostos que Mindinho e seus feitores vinícolas tinham feito cair sobre certos dos melhores vinhos da Árvore.
Quando isso lhe foi concedido, [Redwyne] declarou-se plenamente satisfeito e sugeriu que mandassem vir um casco de vinho dourado da Árvore, a fim de brindar ao Rei Joffrey e à sua sábia e benevolente Mão. Ao ouvir aquilo, Cersei perdeu a paciência.
— É de espadas que Joffrey precisa, não de brindes. — exclamou. — Seu reino continua empesteado de candidatos a usurpadores e autoproclamados reis.
(A Tormenta de Espadas, capítulo 19, Tyrion III)

Por último, o conselho trata dos espólios da guerra após a derrota de Stannis. O vinho é citado para que seja feito um brinde aos castelos e terras distribuídos a diversas famílias da Campina, em nome da saúde do rei Joffrey e de Tywin Lannister.

O exemplo mostra didaticamente como os líderes da Campina (Mathis Rowan, Paxter Redwyne, Mace Tyrell), usam a bebida para ostentar alianças e bajulações em geral. Cersei, no entanto, não compra o gesto. A maior parte do conselho é constituída por Tyrells, que, como sabemos, estremecerão a aliança livros mais tarde. Fica implícito que a mentira está justamente em brindar à saúde do rei que seria morto por aliados do reino aqui presentes.

O Casamento de Tyrion e Sansa

Sansa serve a bebida a Tyrion em sua noite de núpcias. Todos acham que os dois irão consumar o casamento, mas a verdade sobre isso permanece apenas entre eles. Mais do que isso, Sansa mantém seus verdadeiros sentimentos escondidos de Tyrion, já que planeja fugir de Porto Real com a ajuda de Dontos.

Para a noite de núpcias, tinham – lhes concedido o uso de um quarto arejado no alto da Torre da Mão. Tyrion fechou a porta com um pontapé depois de entrarem.
Há um jarro de bom dourado da Árvore no aparador, Sansa. Quer fazer a gentileza de me servir uma taça?
— Será isso sensato, senhor?
— Não há nada mais sensato. Não estou realmente bêbado, compreende? Mas pretendo ficar.
Sansa encheu uma taça para cada um. Será mais fácil se eu também estiver bêbada. Sentou – se na beira da grande cama de dossel e ingeriu metade do conteúdo de sua taça em três longos goles. Sem dúvida que o vinho era muito bom, mas estava nervosa demais para saborea – lo. A bebida deixou sua cabeça flutuando.
(A Tormenta de Espadas, capítulo 28, Sansa III)

Uma amizade de Myr

Taena de Myr bebe a iguaria na companhia de Cersei. A nobre torna-se uma das pessoas de maior confiança para a rainha. No entanto, Taena e Orton Merryweather são os primeiros a fugir quando Cersei é presa pelo Alto Pardal por luxúria, fornicação, deicídio e alta traição.

— Temos vinho?
—  Temos, Vossa Graça. — Orton Merryweather não era um homem bem parecido, com o seu grande nariz de aspecto pesado e o desordenado matagal ruivo alaranjado que tinha na cabeça, mas nunca era menos que cortês. — Temos tinto de Dorne e dourado da Árvore, e um belo hipocraz doce de Jardim de Cima.
—    O dourado, me parece bom. Acho os vinhos de Dorne tão amargos como os dorneses. — Enquanto Merryweather lhe enchia a taça, Cersei disse: — Suponho que, já agora, podemos começar por eles.
(O Festim dos Corvos, capítulo 17, Cersei IV)

Lá fora se levantava um vento frio. Ficaram acordadas até tarde, madrugada adentro, bebendo vinho dourado da Árvore e contando histórias uma a outra. Taena embebedou-se bastante e Cersei arrancou-lhe o nome do seu amante secreto. Era um capitão naval de Myr, meio pirata, com cabelo negro até aos ombros e uma cicatriz que lhe marcava a cara do queixo a orelha.
— Disse-lhe cem vezes que não, e ele dizia que sim — disse-lhe a outra mulher — até que por fim também eu estava a dizer que sim. Ele não era o tipo de homem que podia ser recusado.
— Conheço o gênero — disse a rainha com um sorriso perverso.
— Vossa Graça alguma vez conheceu um homem assim?
— Robert – mentiu Cersei, pensando em Jaime.
(O Festim dos Corvos, capítulo 17, Cersei IV)

A Torta Frey

Em Winterfell, Wyman Manderly sugere saborear as tortas de porco preparadas por sua comitiva, acompanhando o dourado da Árvore na festa de casamento de Ramsay Bolton e Jeyne Poole. É possível que as tortas tenham sido feitas com cadáveres de homens da Casa Frey.

 – A melhor torta que já provaram, meus senhores – o gordo senhor declarou. – Empurrem tudo para baixo com um dourado da Árvore e apreciem cada pedaço. Eu sei que vou.
Fiel à sua palavra, Manderly devorou seis porções, duas de cada uma das três tortas, estalando os lábios, batendo na barriga e se enchendo até a frente de sua túnica ficar meio marrom com manchas de molho e sua barba salpicada de farelos da massa.
(A Dança dos Dragões, capítulo 37, O Príncipe de Winterfell)

Wyman Manderly é um homem que, até aqui, já praticou sua boa dose de enganações e confabulações. Seu filho Wendel morreu durante o Casamento Vermelho, com uma flecha atingindo sua boca. Bastante entusiasta da gastronomia westerosi, Lorde Manderly apresenta um dos números mais macabros escritos nestes romances, e a presença da bebida luxuosa ajuda muito a indicar a natureza de suas intenções.

Movendo para outras citações, temos alguns exemplos onde a bebida não está presente em cena, mas é citada. É o caso do prólogo de O Festim, que se passa em uma famosa taverna local da Cidadela.

Os segredos da Cidadela

No Pena e Caneca, da Cidadela, Pate, Mollander, Alleras, Armen, Roone e Leo conversam. A cena é regada por enigmas: as lendas sobre Marwyn, o Mago, o fascínio ao redor das velas de obsidiana, revelações sobre a legitimidade de Daenerys e seus dragões e muito mais. É provável que o aprendiz Alleras (que tem o apelido de Esfinge) seja, na verdade, Sarella, filha de Oberyn Martell. E Pate, personagem central do capítulo, será morto momentos mais tarde, ao entregar um dos segredos da instituição a um assassino misterioso.

Embora houvesse uma dúzia de mesas vazias na varanda, Leo sentou-se na deles. — Compre para mim uma taça de dourado da Árvore, Salto de Rã, e eu talvez não informe o meu pai sobre o teu brinde. As pedras viraram-se contra mim na Sorte Xadrez e desperdicei o meu último veado no jantar. Leitão com molho de ameixas, recheado de castanhas e trufas brancas. Um homem tem de comer. O que vocês comeram rapazes?
— Carneiro. — resmungou Mollander. Não soava nada satisfeito com isso. — Partilhamos um quarto de carneiro cozido.
— Tenho certeza que estão satisfeitos. — Leo virou-se para Alleras.
— O filho de um senhor devia ser generoso, Esfinge. Soube que ganhaste o teu elo de cobre. Bebo a isso.
Alleras sorriu-lhe.
(O Festim dos Corvos, Prólogo)

Leo Tyrell é uma pessoa desprezível, que provoca e ofende os colegas o tempo inteiro. Em um outro trecho, Mollander faz pouco da predileção de Leo pela bebida.

— Já bebemos o suficiente. — disse Armen. — A manhã chegará mais depressa do que gostaríamos e o Arquimeistre Ebrose irá falar sobre as propriedades da urina. Aqueles que tencionam forjar um elo de prata fariam bem em não perder a sua palestra.
— Longe de mim afastar vocês da prova de mijo. — disse Leo. — Eu por mim, prefiro o sabor do dourado da Árvore.
— Se a escolha for entre você e o mijo, eu bebo o mijo. — Mollander afastou – se da mesa.
(O Festim dos Corvos, Prólogo)

O dragão do pantomimeiro

O outro bom exemplo onde a bebida é apenas citada acontece em uma reveladora conversa que Tyrion tem com o Jovem Griff. Na ocasião, é dito que Varys fez um plebeu vender seu filho recém nascido pelo preço de uma jarra do dourado.

Na cena, Jovem Griff confirma sua verdadeira origem para Tyrion. A história, não importado sua legitimidade, é uma excepcional reviravolta.

O Jovem Griff afastou uma mecha de cabelos azuis dos olhos. (…)
– Não era eu. Eu disse para você. Aquele era o filho de algum curtidor da Curva do Mijaguado cuja mãe morreu no parto. O pai dele o vendeu para Lorde Varys por um jarro do vinho dourado da Árvore. Ele tinha outros filhos, mas nunca provara o dourado da Árvore. Varys deu o menino de Mijaguado para minha mãe e me levou embora.
–  Sim  –  Tyrion  moveu  seus  elefantes.  –  E  quando  o  príncipe  mijaguado  estava seguramente  morto,  o  eunuco  contrabandeou  você  através  do  mar  estreito  até  seu  gordo amigo,  o  queijeiro,  que  o  colocou  em  um  barco  de  pesca  e  encontrou  um  lorde  exilado disposto a se autodenominar seu pai. Essa é uma história magnífica, e os cantores falarão muito de sua fuga depois que você retomar o Trono de Ferro…
(A Dança dos Dragões, capítulo 22, Tyrion VI)

A cena citada acima evidencia detalhes de uma das maiores viradas dramáticas dos livros. Sendo a história verdadeira ou não, a presença da citação à bebida poderia contar pontos contra a narrativa de Varys.

Crimes em Meereen

Outro grande exemplo de cena com o dourado acontece após o casamento entre Daenerys e Hizdahr. No trecho, a rainha e Drogon estão desaparecidos após os desdobramentos de Daznak. Barristan se reúne com o rei, e Hizdahr exige que seus empregados lhe sirvam o vinho dourado, enquanto os dois falam sobre sonhos e mentiras.

– Sor Barristan. – Hizdahr bocejou novamente. – Que horas são? Há alguma notícia da minha doce rainha?
– Nenhuma, Vossa Graça.
Hizdahr suspirou.
– Vossa Magnificência, por favor. Embora, a esta hora, “Vossa Sonolência” fosse mais adequado. – O rei foi até o aparador servir-se de um pouco de vinho, mas apenas uma gota restava no fundo do jarro. Um lampejo de contrariedade cruzou seu rosto. – Miklaz, vinho. Imediatamente.
– Sim, Vossa Veneração.
– Leve Draqaz com você. Um jarro de dourado da Árvore, e um daquele tinto doce. Nada do nosso mijo amarelo, por favor. E, da próxima vez que eu encontrar meu jarro vazio, posso ter que fazer uma mudança nas suas belas bochechas rosadas. – O garoto saiu correndo, e o rei virou-se para Selmy . – Sonhei que tinha encontrado Daenerys.
– Sonhos podem mentir, Vossa Graça.
– “Vosso Iluminado” serve. O que o traz aqui a esta hora, sor? Algum problema na cidade?
(A Dança dos Dragões, capítulo 67, O Derrubador de Reis)

Quem está com O Derrubador de Reis fresco na cabeça deve se lembrar o que acontece depois. Barristan acusa Hizdahr de ser a Harpia e tentar envenenar Daenerys. Hizdahr prontamente nega os crimes. Barristan então duela com Khrazz, um dos lutadores da arena que se torna guarda pessoal do rei. O duelo acaba quado Barristan mata Khrazz. Em seguida, os empregados chegam para servir o vinho pedido no começo do encontro, mas trazem também notícias terríveis: Viserion e Rhaegal foram soltos de seu covil.

Aqui temos um bom exemplo de como a presença do vinho é absolutamente coadjuvante dentro de uma narrativa onde muita coisa acontece ao mesmo tempo.

Outras cenas com o dourado da Árvore

Contando nos dedos, há outras pequenas citações ao dourado em As Crônicas. A primeira é em Jaime I de O Festim, quando Jaime questiona se Tyrion e Varys estariam a caminho da liberdade desfrutando um barril da bebida da Árvore naquele momento. Depois, em Cersei IV do mesmo livro, é dito que o Septão Luceon, foi visto tentando comprar votos para ser eleito o novo Alto Septão do reino. A moeda usada? Galões de dourado e leitão assado, oferecidos com generosidade para seus colegas. No entanto, para os pobres, ele oferecia apenas pão duro no seu trabalho diário. Quando chegam notícias da invasão Greyjoy na Árvore em Cersei VII, também em o Festim, Cersei imediatamente sente sede e pede pelo dourado, pensando que a bebida pode tornar-se escassa por conta da pilhagem de Euron.

Em A Dança dos Dragões, Tyrion visita a adega de Illyrio e descobre três barris do dourado em seu porão, entre outras safras requintadas.

Havia vinho suficiente ali para mantê-lo bêbado por centenas de anos; tintos doces da Campina e tintos amargos de Dorne, pálidos âmbares pentoshis, o verde néctar de Myr, três tonéis pontuados de dourado da Árvore, além de vinhos do lendário leste, de Qarth e Yi Ti, e Asshai da Sombra. No fim, Tyrion escolheu um barril de vinho forte marcado como estoque pessoal de Lorde Runceford Redwyne, o avô do atual Lorde da Árvore. O gosto era lânguido e pesado na língua, a cor, um roxo tão escuro que parecia quase negro na adega pouco iluminada. Tyrion encheu uma taça e um garrafão com uma boa quantidade e levou-os para o jardim, pensando em beber sob as cerejeiras que vira mais cedo.
(A Dança dos Dragões, capítulo 1, Tyrion I)

Capítulos mais tarde, Tyrion pensa que o caneco que ele está oferecendo a Merreca não é nenhum dourado da Árvore.

— Então beba um pouco de vinho. — Encheu uma taça e a fez deslizarpara ela. — Cumprimentos do nosso capitão. Se parece mais com mijo do que com dourado da Árvore, em boa verdade, mas até o mijo desce melhor do que o rum preto como alcatrão que os marinheiros bebem. Pode ajudar-lhe a dormir.
A menina não fez qualquer movimento para tocar na taça.
— Obrigada, senhor, mas não. — Recuou. — Não devia estar o incomodando.
(A Dança dos Dragões, capítulo 33, Tyrion VIII)

No primeiro exemplo, vemos Tyrion se embebedando na casa de um homem que potencialmente tem todos os motivos do mundo para mentir para ele. Em contraste, mais tarde na história, vemos Tyrion se relacionar com Merreca e ser duramente sincero com ela, na maior parte do tempo. Com Illyrio, Tyrion bebe vinhos finos. Com Merreca, não.

Temos outros exemplo no conto A Princesa e a Rainha, em um momento mais literal. As Estrepes pretendiam matar Ulf, o Branco envenenando seu vinho. Sor Robert Hightower presenteia Ulf com dois barris de vinho, um tinto dornês, e um de dourado da Árvore. Quando Ulf suspeita de Sor Hobert Hightower, Hobert concorda em beber do mesmo vinho que Ulf. Ambos morrem tomando o vinho envenenado.

A ideia de saborear bebidas caras está de dando dor de estômago? Calma que tem mais.

Cena na série da HBO

Na cena que abre o episódio 7.01 ‘Dragonstone‘, vemos Arya concluindo os trabalhos macabros que orquestrou contra a Casa Frey. Na sequência, vemos Lorde Walder servindo taças fartas de vinho, que ele identifica como dourado da Árvore, para todos os homens e agregados de sua família.

“No more of that Dornish horse-piss! This is the finest Arbor Gold. Proper wine for proper heroes!”

Na ocasião, muitos entusiastas dos livros de Martin apontaram que esta poderia ter sido uma sutil referência a este estado de espírito dos romances, já que Walder na verdade era Arya Stark vestindo seu rosto, portanto, uma mentira. Uma mentira muito macabra. Uma vingança.

Falando a verdade

“The world is full of wine” – Tyrion I, A Dança dos Dragões. –  Arte por Danielle Storey

As leitoras e os leitores mais atentos perceberão que esses exemplos, embora indiscutivelmente convidativos, estão longe de ser as únicas cenas que dialogam com a ideia de segredo ou engano em As Crônicas. Afinal de contas, a bebida não é citada em uma infinidade de outras cenas emblemáticas.

Onde estava a referência ao vinho a cada vez que Renly tentou negociar com Catelyn, Ned ou Stannis? A cada vez que Ned falou sobre Lyanna para Jon Snow? A cada vez que Osney Kettleblack bajulou Margaery? A cada vez que Arya serviu Roose Bolton em Harrenhal? Ou a cada vez que Tywin emitia uma carta da Torre da Mão?

Qual seria o número de interações entre os nobres em Westeros ou Essos que contém uma dose generosa de mentiras? Ou que tenha mentiras servidas com bebidas de outra natureza?

Em a Fúria dos Reis, Janos Slynt tenta convencer Tyrion de que é um bom homem, e pergunta se o vinho que Tyrion está servindo a ele é da Árvore. “Não, é dornês” – Tyrion responde, para minutos mais tarde expulsá-lo da guarda da cidade e enviá-lo para a Muralha.

Em A Guerra dos Tronos, o homem que tenta envenenar Daenerys oferece vinho dornês antes de oferecer seu tinto da Árvore para khaleesi. Neste caso, o vinho dornês era “limpo”, e o da Campina era veneno. Mas era apenas um vinho tinto.

Ned e Robert também saboreiam um tinto da Árvore em A Guerra dos Tronos quando Ned repousa após machucar a perna na emboscada de Jaime Lannister. Ned mente para Robert, e afirma que Catelyn sequestrou Tyrion porque Ned ordenou que ela o fizesse.

Uma das melhores cenas em As Crônicas de Gelo e Fogo, na minha opinião, acontece em A Fúria dos Reis, quando Catelyn visita Jaime em suas celas para interrogá-lo. Neste caso, ela literalmente usa o vinho (descrito como “azedo e péssimo“) para deixar Jaime bêbado e fazê-lo falar a verdade: que Jaime é de fato pai dos filhos de Cersei e que derrubou Bran da torre.

Há pouco nessa cenas sobre a origem do vinho, mas muito sobre justiças e traições. No exemplo da cena de Arya na série, acredito que o vinho tenha sido citado apenas porque está presente na cena da torta Manderly nos livros.

Em contraponto, poderíamos observar como a dourado da Árvore se encaixa em cada um dos estratagemas em que ele é personagem. Quem exatamente está sendo enganado nestas cenas? O homem que supostamente vendeu seu filho para Varys não estava sendo enganado. Então quem está sendo enganado é Tyrion ao ouvir essa história? Ou o leitor?

No exemplo do capítulo de Sansa, Nestor Royce está sendo parcialmente enganado e parcialmente cúmplice dos planos de Petyr. A maneira como a pessoa aceita a mentira é muito diferente nestas duas cenas. E há situações completamente contrárias, como os juramentados de Roose Bolton que são totalmente enganados em Winterfell por Wyman Manderly. Talvez, neste caso, o leitor também seja enganado por tabela, mas… somos enganados o tempo todo e essa é a verdade.

Qual seria a regra? Por quais lentes poderíamos analisar o papel da suposta mentira em cenas como estas?

O caso dos vinhos na adega de Illyrio, por exemplo, podem ser apenas um indicador da riqueza dele. Podemos esperar de Illyrio e Varys mentiras desde o livro um, afinal de contas. Em uma história onde as pessoas mentem o tempo inteiro, torna-se exaustivo caçar pistas desta natureza. Quando você começa a comparar essas ocorrências mundanas de vinhos suspeitos em taças suspeitas ao longo dos livros, com instâncias de traição ou falsidade, por qual motivo você ficaria surpreso ao ver que elas combinam com bastante frequência?

O dourado da Árvore é mencionado cerca de vinte vezes no texto dos cinco romances publicados, a maioria deles ocorrendo no Festim e Dança. O termo “mentiras e dourado da Árvore ” é proferido duas vezes por Mindinho, e isso acontece durante uma única reunião de negócios. Sansa repete a frase uma vez em seus pensamentos no mesmo capítulo.

A bebida é uma das safras de maior qualidade do mundo, e a mais procurada nos Sete Reinos. É famosa mesmo fora dos reinos, por isso faz sentido que esteja nas adegas da nobreza de Westeros. Aquele que pode se dar ao luxo de bebê-lo e servi-lo aos convidados demonstra ter poder, por isso sua presença nessas cenas é esperada. Acredito que a dificuldade aqui seja mostrar que o papel do vinho nessas cenas possa ser explicado além do fato de ser uma potencial armadilha usada para manipular essa própria elite afetada e frequentemente embriagada.

Além disso, diversas cenas carregadas de ações escondidas, mesmo com a citação da bebida, não parecem ter ligação indispensável com ela. Como exemplo, cito o próprio prólogo de o Festim, destacado acima. Tem muita coisa acontecendo antes, durante e depois dessa cena, e ninguém precisa ser convencido a nada dentro de suas próprias jornadas através de uma taça de vinho que seja.

Vinhos doces da Árvore (não necessariamente o dourado) são servidos em abundância na estadia que Tyrion na mansão de Illyrio em Pentos, e também na festa de casamento de Daenerys com Hizdahr em Meereen, como citamos anteriormente. São cenas repletas de estratagemas em andamento, sentimentos reprimidos e resoluções não ditas. Nos dois casos, alianças são feitas sem a menor possibilidade de confiança integral para ambos os lados. Tanto em Meereen quando em Pentos, a origem das bebidas servidas são eclipsadas por outro agente: os venenos. Tyrion encontra cogumelos envenenados nos jardins de seu hóspede nos primeiros dias de sua estadia, e Daenerys sofre uma tentativa de envenenamento durante as festividades de Daznak, no dia seguinte do banquete de seu casamento.

E em Dorne, vemos vinhos de Dorne. É, no entanto, impossível dizer que os capítulos narrados em Dorne não tenham doses generosas e camadas e mais camadas de mentiras. Aliás, Quentyn Martell, Gerris Drinkwater e Archibald Yronwood atravessam Essos em busca de Daenerys fingindo ser vendedores de vinhos dorneses. As mentiras que Quentyn e seus outros companheiros contam para chegar até a presença de Dany em Meereen são muitas. Nenhuma é servida com o dourado.

A provocação de Petyr Baelish nos capítulos de Sansa tem um simbolismo tão marcante que consegue se esticar e se impôr para todas as outras cenas em que a bebida aparece. Talvez, a ideia de servir mentiras seja forte dentro deste contexto por ser justamente uma ideia proferida por um homem que diz servir à todos que encontra (Robert, Ned, Catelyn, Tywin, Cersei, Lordes Declarantes), mas na verdade não serve a ninguém. Só a si mesmo.

Petyr Baelish por Josu Hernaiz

Também acredito que, de alguma maneira, Baelish constantemente desconstrói a ideia de servir, neste universo em que poucos têm o privilégio de desfrutar das melhores bebidas. Não porque ele planeja uma Westeros justa para aqueles que, assim como ele, têm origem humilde. Mas porque ele se beneficia de relações de poder instáveis. E é para estas relações que ele sempre estará pronto para apresentar seus serviços.

Com a chegada do inverno, é interessante perceber que colheitas e safras serão mais valiosas do que nunca. Com o perigo que espreita ao norte da Muralha, como Westeros irá lidar com a distribuição de alimentos, cultivação de provisões e espólios da terra em um mundo de terror constante? O sul também será coberto por gelo, criaturas e escuridão, como contam as lendas? Neste sentido, qual será o valor de vinhos finos e ouro em uma Westeros coberta pela escuridão? Mindinho parece ser justamente uma das poucas pessoas que têm o privilégio de poder pensar nessas questões neste momento. Enquanto os Sete Reinos estão mergulhados no caos, ele se esconde no Vale, e se recusa a vender alimentos locais, como analisamos em nossa leitura de Alayne I de Os Ventos de Inverno.

Mindinho ascendeu socialmente sabendo tratar de economia, atuou como mestre da moeda por anos.  Ele deixou o reino em profunda dívida, e não sabemos até que ponto ele fez isso deliberadamente. Pelo bem ou pelo mal, ele entende o valor das coisas, ou pelo menos a maneira que as pessoas lidam com situações que são inestimáveis. Isso não quer dizer que ele seja bom com dinheiro, mas que ele é ótimo em tratar de aspectos estruturais e dinâmicas em que dinheiro esteja envolvido. Isso vale para posses, afinal, hoje ele é senhor de dois castelos e líder do Tridente. E isso vale para o próprio valor humano: Família, honra, legado, e como ele conseguiu desestruturar duas famílias inteiras, baseado naquilo que é imensurável a elas. Tratando-se de posses e valor humano, é importante ressaltar sua relação com a administração de muitos bordeis da principal cidade de Westeros, e quantas informações e segredos valiosíssimos ele pode ser obtido como lucro nestes anos.

Existem poucas mulheres e poucos homens como Mindinho em Westeros. Mas sem dúvida mulheres e homens ambiciosos como ele estão envolvidos nas cenas descritas neste artigo. Talvez, principalmente os homens e mulheres da Campina, que estão à espreita, agarrados na barra das calças de Tommen: Redwynes, Tyrells ou Merryweathers. E são justamente eles, os responsáveis pelos melhores vinhos de Westeros. Mas é necessário apontar que, como cada um destes exemplos mostra, não são só as famílias da Campina envolvidas nestas cenas enigmáticas. Em primeiro lugar, o personagem que protagoniza essa teoria é Petyr Baelish. Além disso, Hizdahr, Varys, Illyrio, Wyman Manderly, todos possuem origens diversas.

Há quem defenda que Lorde Baelish cita o termo “Mentiras e dourado da Árvore” por se tratar de uma referência a algo que já aconteceu mas não tivemos conhecimento ainda. E que este algo possa ter relação com a maneira que Mindinho “aprendeu” a usar esse tipo de tática para ascender e governar. Olenna e Mindinho conspiraram para matar Joffrey, por exemplo. No entanto, jamais vimos como este acordo aconteceu, sequer outros tantos. A própria história de origem de Petyr é baseada em mentiras, com os rumores que ele espalhou sobre ter tirado a virgindade de Catelyn Tully. Há quem acredite em mentiras como essa e outras tantas, afinal de contas.

Na melhor das hipóteses, parece ser uma frase de efeito de Mindinho que só ocorreu a Martin durante a escrita do Festim. É, enfim, um poderoso elemento narrativo. Tem quem acredite se tratar de simbolismo puro, como rosas azuis representam Lyanna, ou tantos outros elementos costumam nos convidar à correlações temáticas, como as safiras de Brienne, os corvos que evocam o sobrenatural (Brynden Rivers, Euron, Jon Snow), o pêssego de Renly etc. Esse tipo de recurso é comum em literatura e mitos, como a associação de Perséfone e as romãs, por exemplo.

Mas também tem quem acredite que seja apenas uma sólida construção de um universo fictício: pessoas ricas bebem vinhos caros. E, como diz o Príncipe Esfarrapado para Quentyn, “é preciso tomar cuidado apenas quando a comida é tentadora. Envenenadores invariavelmente escolhem os pratos mais seletos.

Usar o dourado da Árvore como um indicador de declínio moral poderia nos levar a outra análise sobre o uso da cor dourada nos livros. Como os cabelos dourados dos Lannister, ou o fato de Tyrion dizer que Tywin “defeca ouro”. Nestes casos, o ouro e o dourado são usados como agentes de duplicidade. Tywin tem muito dinheiro, mas qual o seu verdadeiro valor? Cersei é uma das mulheres mais belas de Westeros, por fora. Mas e por dentro? Ou a Companhia Dourada, a mais famosa companhia mercenária do mundo conhecido, que é composta por exilados desonrados, e usa o ouro como preço de qualquer ideal que seja estabelecido em contrato. Grosseiramente, parece que o uso da cor dourada por George R. R. Martin é frequentemente feito para fazer pouco do acúmulo de riquezas, uma maneira de exaltar seus absurdos com olhos extremamente analíticos.

Por fim, não parece surpreendente que, de todos os vinhos de Westeros, aquele que está associado tematicamente ao engano seja uma cor dourada.

A doçura do vinho também deve ser levada em conta, como diz Roose Bolton ao filho Ramsay:

O poder tem um gosto melhor quando adoçado com cortesia. É melhor que aprenda isso, se pretende governar um dia.
(A Dança dos Dragões, capítulo 32, Fedor III)

Concluo que, de fato, há muitas maneiras de servir mentiras em As Crônicas de Gelo e Fogo.

Sansa é uma personagem que tem uma jornada peculiar com o conceito de mentira. Mentir é uma parte vital da maneira que Sansa lida com os abusos que sofre, tanto no corpo quanto na mente, e freqüentemente ela enterra a verdade embaixo das mentiras que ela conta para si mesma enquanto segue em frente. Falamos disso anteriormente no artigo sobre o “Não-Beijo“.

Ela, no entanto odeia mentiras, foi traumatizada por mentiras, e claramente mente para si mesma para amenizar os efeitos de traumas sofridos. Veja bem, não é como se seus irmãos também não precisassem mentir para continuar vivos. Jon mente para os selvagens e é capaz de matar um irmão da Patrulha para que sua mentira seja aceita. Arya usa codinomes, chega a fingir ser menino e plebeia, e neste momento estuda em uma Ordem para tornar-se mentirosa profissional (cada vez melhor no jogo da mentira) e assassina profissional.

No entanto, mentir servindo bebidas luxuosas é um recurso simbólico e interessante. Pode ser que seja impossível confiar em qualquer pessoa servindo um dourado da Árvore na série de livros. Pode ser que seja um olhar sobre as riquezas acumuladas da Campina, e como o dinheiro governa a relação entre os personagens. Pode ser que, em um mundo repleto de tantas mentiras, as pessoas estejam apenas jogando seu velho jogo dos tronos, tentando manter-se vivas. Até quando isso se manterá, apenas o tempo dirá.

Daenerys foi literalmente profetizada como A Matadora de Mentiras. Isso certamente não tem relação direta com as ideias defendidas aqui, não ainda. Mas é algo interessante a se pensar.

Como Aemon diz para Sam em Braavos, “mesmo a música mais fantasiosa pode ter um fundo de verdade“. Talvez a teoria das mentiras e o dourado da árvore seja mais uma canção cheia dessas fantasias. Resta a você saboreá-la com moderação.

Fique de olho em nossas redes para maiores informações.

O post Vinhos de gelo e fogo: mentiras e o dourado da Árvore apareceu primeiro em Gelo & Fogo.

]]>
https://www.geloefogo.com/2018/09/vinhos-de-gelo-e-fogo-mentiras-e-o-dourado-da-arvore.html/feed 2 98367