O texto a seguir possui spoilers do livro A Tormenta de Espadas, O Festim e A Dança dos Dragões que ainda não foram adaptados na série de TV. Leia por sua conta. Neste episódio foram adaptados os capítulos  Dany VI (pág 730) e Sansa VI (pág 694), Sansa VII (pág 810) de ATdE e Brienne III (pág 175) de OFdC.

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Escrito pelos criadores David Benioff e Dan Weiss e dirigido pela Michelle McLaren, Game of Thrones exibiu nesse último domingo um dos plots que mais definem As Crônicas de Gelo e Fogo. Aquele em que a gente fica sabendo que Mindinho é de fato a pessoa que está manipulando basicamente todos os personagens da historia e ‘ganhando’ o jogo dos tronos, sem ninguém saber. Quando a gente fica sabendo disso, no final do livro, já estamos quebrados de tanto sofrer com a história, carregando aquele livro pesadíssimo pra cima e pra baixo, no metrô, no ônibus, na fila do pão. Será que a série conseguiu passar esse ponto da história com o impacto que ela merecia?

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Começamos com a coroação do menino Tommen Baratheon, Primeiro de Seu Nome. Uma cena bastante poderosa, religiosa, ritualística. Um rei menino e bonzinho, por quem as pessoas torcem e até sentem simpatia. Pela primeira vez pareceu que homens como o Grande Meistre Pycelle e Varys não ficaram extremamente incomodados com alguma celebração na sala do trono. No entanto, é claro o quanto esse ritual é ingênuo e frágil, quando vemos que Tommen é só uma ilusão da ideia de que alguém de verdade reina Westeros. O novo rei é a pessoa que possui menos poder ao seu redor.

Após a coroação do novo rei, vemos de longe Margaery trocando sorrisos com ele, e então Cersei  entra na frente dos dois para surpreendentemente tentar convencer Margaery a ser rainha de Westeros, dessa vez pra valer. Talvez uma manobra para se livrar de casar-se com Loras colocando o peso da união em cima de Tommen, mas ainda assim algo vazio, para um plot que no final das contas nunca fez sentido. Onde raios está Loras nessa série? Margaery finge inocência, cheia de uma malícia quase impossível de deixar de perceber, de maneira essencial e definitiva para a personagem. Já Cersei…

Vamos falar sobre as mudanças de Cersei na série de TV?

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Cersei dos livros é de longe a mulher mais linda dos Sete Reinos. Homens e mulheres sonham tê-la. Ainda que velha para aquela sociedade, ela possui um certo carisma, nobreza e importância que são dignos de uma rainha. Ela mente, é cínica, manipula, transa com todo mundo, ama os filhos. Martin pega todos os clichês da nobre rica, loira e poderosa e constrói em Cersei camadas muito mais interessantes, engraçadas e divertidas de se acompanhar.

Power is Power? A Cersei da série parece uma mulher sem poder. Uma mulher fraca e sempre triste e irritada, por quem ninguém se interessa. Seus cabelos durante as últimas temporadas estão até mais escuros, sem vida. Já vimos ela tentar se suicidar e matar o próprio filho, já a vimos chorando incontáveis vezes, sendo prometida pra um homem que gosta de outros homens, sendo chamada de burra pelo pai mais incontáveis vezes ainda e … né, let’s não citar a cena do episódio 3.04. Essas escapulidas do texto original me pareceriam muito melhores se pelo menos a gente pudesse ver o outro lado dela, que tem um magnetismo incrível, amigos fortes que a protegem a todo momento, literalmente uma corte para apreciá-la, empoderá-la, servi-la. A cena dela com Tommen em Blackwater é sinistríssima e bela em sua unidade. Mas quando juntamos todas essas coisa, putz, pobre Cersei. Não seria muito mais legal vê-la sendo completamente incoerente e louca, mas também poderosa e cheia de si? É uma leoa, afinal de contas. Não estou falando de sexo ou reclamando da falta de Lancel, dos Kettleblack ou do Rapaz Lua. Estou falando de personalidade.

Aliás, temos mais tarde a cena em que ela conversa com Oberyn nos jardins, que é linda e nos mostrou uma das frases mais incríveis dessa série. Quando Oberyn fala pra ela que Myrcella está segura, Cersei diz a ele que ‘nenhuma garotinha no mundo inteiro está segura’. Isso foi lindo e triste, e acho que Cersei é a personagem que tem a maior propriedade pra falar sobre isso com bastante sinceridade.

Lembrando que Cersei disse que sentia medo de Joffrey. A mesma Cersei que ria das coisas que ele fazia e aprovava. A mesma Cersei que mandou assassinar várias garotinhas e garotinhos bastardos e indefesos (na série). Bom, OK.

Depois vemos os Lannister descaracterizados mais uma vez. Dessa vez Tywin reforça para a filha, nos aposentos da Mão, que a aliança com os Tyrell é mais do que pontual, porque… Rochedo Casterly já não possui mais ouro? As minas estão secas há mais de três anos? E o resto do dinheiro Tywin gastou na guerra dos Cinco Reis? Whaaaat? Bem, acho que precisar dos Tyrells justamente por causa do dinheiro é a coisa mais válida do mundo (leia nosso artigo que discute justamente isso). Na economia de Westeros, Hightowers de Vilhavelha, Lannisters do Rochedo e Tyrells da Campina estão entre as famílias mais ricas de todas. Tyrells até ganham deles estrategicamente porque possuem uma moeda muito mais valorosa em tempos de guerra: fazendas férteis que produzem comida. Os Hightower estão no centro intelectual do mundo e os Lannister estão no trono. Não faz o menor sentido, na minha opinião, colocar os Lannister nessa situação, em função de um plot que não importa e já está bem claro. Não se come ouro.  É claro que essa novidade provavelmente foi colocada aqui para reforçar a ideia da queda dos Lannister no fim da temporada, mas Tywin não é burro como o pai era. Ele justamente tornou-se um homem duro por ver o pai gastando todo o dinheiro do Oeste com coisas que ele considerava idiotas. Isso não faz o menor sentido.

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E falando em coisas que a adaptação infelizmente deixa de fora, nas Terras do Rio vemos Arya voltando ao centro de sua personagem. Rezando, ao acrescentar Walder Frey, Melisandre, Beric Dondarrion e Thoros de Myr a sua lista. E depois, praticando suas técnicas de waterdancing, que o saudoso Syrio Forel, a Primeira Espada de Bravos, lhe ensinou. E é essa questão: a cena que vimos aqui foi muito bacana mas… quando exatamente Arya aprendeu a ser tão melhor assim? Onde nas últimas três temporadas a gente viu isso? Enquanto o Cão a ridicularizava por ela ter tanto apreço por um homem que foi morto por Meryn Fucking Trant, senti que o texto sugeriu justamente o absurdo que isso é. Porque Syrio não pode ter morrido de um jeito tão estúpido. Sim, ele estava desarmado, mas os bravosianos, principalmente os espadachins, são outra história. Eu realmente desejo que ele esteja vivo, e isso está custando um parágrafo que pode levar a uma daquelas teorias crackpots, então vou parar por aqui antes que eu me envergonhe. Mas por último… fortíssimo Arya apanhando do Cão, hein?

Quanto a Podrick e Brienne, sempre sobra para David e Dan escrever essas cenas onde nada acontece, mas que são cenas que ajudam a construir personagens e suas relações. Gostei muito da tomada que mostra Podrick tentando andar no cavalo ao lado de Brienne na Estrada do Rei, com aquelas árvores posicionadas matematicamente. Aquele cenário é realmente lindo.

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Em Meereen, Dany fica sabendo que Joffrey está morto e que Tommen está sendo coroado naquele mesmo exato momento. É legal que a série coloque isso assim, pois o Tommen é o alvo da Daenerys agora. E ele é, como repeti de maneira bem chatinha lá em cima, um carinha bacana. Ele não merece virar churrasquinho do Drogon, e essa dinâmica cruel é o que faz essa história ser tão interessante. Mas enfim, vemos Daario tentando tomar os navios da cidade pra levar Dany pra Porto Real e como ele se mostra sempre alguém que ao mesmo tempo irrita por tentar ser estar sempre à frente e surpreendendo-a. Mas aí vemos as más notícias… aquelas cenas gloriosos da temporada passada onde Dany queima Kraznys e outros tantos escravagistas de nada adiantaram. Yunkai e Astapor foram retomadas por homens piores do que aqueles que Dany destruiu. Vendo que agora ela precisa mais do que nunca colocar ordem no lugar, ela decide ficar, e arrumar tudo para que chega a Porto Real um dia como uma mulher realmente temida. O que é lindo demais, né?

Quando pensamos em Dany vem na cabeça Alexandre, né? Conquistador, letrado, militarista insano, imperialista, gato. Passou a vida toda longe da sua terra natal (Macedônia), conquistando a Grécia, Síria, Egito e Pérsia. Destinado a ser tão grande que viveu mais pela conquista do que pra qualquer outra coisa. Ou quem sabe podemos comparar historicamente a causa da Dany com a de Henry VII que viveu isolado a vida toda se auto proclamando o rei por direito do trono da Inglaterra. O cara até usava dragões na heráldica. Henry foi justamente o cara que colocou fim a Guerra das Rosas (fato histórico primordial que influenciou As Crônicas de Gelo e Fogo) e fundou a dinastia, Tudor que a gente conhece bem. Mas a Dany ela vem bem além, né? Ela se preocupa com o que não deveria e está literalmente escondida. Isso me faz pensar muito na própria história do Brasil, onde vemos europeus conquistando um continente completamente diferente, impondo sua cultura e fracassando loucamente em tentar administrar um lugar tão gigantesco e difícil. Não é só chegar e reinar. Principalmente quando pensamos na fuga na família real em paralelo com a fuga dos Targaryen. É claro que no nosso caso não tínhamos uma sociedade na mesma dinâmica que vemos na Baía dos Escravos, com um sistema econômico sólido e uma cultura consolidada e resistente.

Por mais que olhemos com aflição para o último capítulo de Dany em A Dança, é impossível não pensar que ela com certeza plantou uma semente muito forte no coração das pessoas que ela libertou. Trapalhadas are coming, com certeza. E são até necessárias para que uma mudança seja feita. Ela não é Alexandre, ou um Tudor. Ela é khaleesi. Como eu disse na semana passada, este é o último capítulo de Dany em A Tormenta e agora começa a bagunça. Mas Jorah ainda está com ela, então ainda devemos ver os desdobramentos de alguns aspectos que ainda não foram adaptados.

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E o assunto mais legal desse episódio é Alayne e Mindinho chegando a um dos núcleos mais legais dos livros: O Ninho. Sansa não tem o cabelo castanho e não é filha bastarda. Acho muito difícil que o Mindinho mega manipulador, caótico e inteligente deixaria Sansa dando sopa desse jeito, se ela está sendo procurada pelo reino todo. Mas… Ok, O cabelo da Sophie Turner é realmente uma obra de arte e merece continuar intacto. E isso também ajudou muito a assimilarmos a primeira versão de Lysa, que a recebe calorosamente em um primeiro momento. E qual, que propriedade maravilhosa em se escrever Lysa. Que atriz! Tudo o que ela fez ficou MUITO BOM! A cena do desjejum delas é maravilhosa: tem literalmente doçura e insanidade, servidas no mesmo prato. Gostaria apenas de ressaltar que me incomodei com o vocabulário de Sansa: falar que é virgem ao invés de donzela não faz sentido no contexto da personagem e da sociedade em que ela vive.

Vemos aqui algumas mudanças bem legais, pois originalmente Lysa e Mindinho se casam nos Dedos, e ela desde o começo trata Sansa com total falta de carinho. E o Ninho está sempre cheio de gente, pois os Arryn são muito amados e Lysa é bastante cobiçada. Aliás, toda a dinâmica do Ninho foi extraída da série novamente: a maneira impossível de se chegar ao castelo, e a personagem Mya Stone, uma personagem muito interessante e querida pelos leitores, que vira uma amiga de Sansa e alguém que traz a ela certa sanidade.

Inclusive escalaram um ator que pode vir a ser o subistituto do bardo Marilion na cena final dela. Marilion morreu na primeira temporada de Game of Thrones, quando Joffrey arranca sua língua.

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Mas olha, apesar de tudo acho que é muito difícil tirar essa revelação da Lysa de um contexto de series finale, como acontece no livro. Ela revela isso a Sansa sem querer na cena da morte dela. É muito mais poderoso e deixa todo mundo em suspensão. É basicamente dizer que estávamos errados o tempo todo, mudando toda a perspectiva que temos da história. Mudando inclusive o ponto e vista que temos do principal vilão por trás da derrota dos Stark e do destino dessas crianças abandonadas por toda Westeros. Mas, Game of Thrones já tirou cenas climáticas e a desmembrou em outros momentos. Como o casamento de Sansa e Tyrion por exemplo que se alongou em vários episódios, quando no livro Sansa meio que é jogada pra dentro da igreja sem entender o que está acontecendo. Ou quando vemos Theon sendo torturado ao invés de mostrá-lo já transformado. São escolhas necessárias da adaptação.

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Também sinto falta de Hoster Tully vivo explicando, talvez, o que aconteceu com Lysa no passado, e como ele foi instrumento essencial em deixá-la maluca ao privá-la de ser feliz. Aliás, Lysa foi muito rejeitada na vida. Em certo ponto, Hoster Tully e Tywin Lannister queriam casar Lysa com Jaime, mas o leãozinho correu e vestiu o branco da Guarda Real pra fugir dela. No primeiro capítulo de Catelyn em A Tormenta temos o vovô Tully já moribundo sussurrando febril:

“Tansy (Tanásia)…perdoe-me…o sangue…você terá outros…bebês amorosos, e legítimos…”

E aí Catelyn deduz que Tansy (Tanásia) é uma criança abortada por Lysa, antes de ter se casado com Jon Arryn. Criança fruto da noite de amor maluca que ela teve com Mindinho,

Pra terminar de falar sobre Mindinho: no começo do livro vemos o pequeno conselho se reunindo e durante a reunião Mindinho concorda em partir para o Ninho da Água para se casar com Lysa e, uma vez marido dela, entregar o Vale nas mãos de Tywin. Como Mindinho está partindo, Tyrion é nomeado Mestre da Moeda. E daí, no começo do episódio vemos que o reino está completamente quebrado financeiramente, justamente porque Mindinho cuidava do dinheiro e queria mais é que o bicho pegasse mesmo. O lance do Mindinho é usar o caos para subir, é queimar tudo só pra ser rei das cinzas, é querer tudo. Não faz o menor sentido, mas faz todo sentido. É brilhante.

Por fim, Além da Muralha a série colocou um interessante ponto final no enredo que criou no episódio passado.

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Primeiramente vemos Locke, que localiza Bran, mente pra Jon, tenta matar o garoto e é morto por Hodoran ou Brandor. Cena violentíssima e surpreendente. Violentíssimo também foi os homens de Karl abusando de Meera e quase a estuprando na frente dos amigos. Aquilo foi pesado. E por último, Jojen que está literalmente ficando insano com suas visões (o jeito que ele riu pra Karl dizendo como ele morreria…). Jojen disse aquilo de saber como irá morrer (Fogo? Curioso… Did Jojen just Dracarys?) e vimos a visão dele sobrepondo-se a de Bran, e sobrepondo-se também ao cenário em que eles estavam. Michelle foi muito criativa nessa cena. E vemos bem claramente também que Jojen, Meera e Hodor são apenas um instrumento para Bran cumprir seu destino, seja lá qual for ele. Que. Parada. Sinistra.

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E depois, temos Jon chegando pra salvar Meera no momento mais oportuno de todos. Gostei da série utilizar que os amotinados estavam bêbados demais para lutar, fazendo referência a estratégia que a propria Daenerys usa para conquistar Yunkai nos livros. O fim de Locke na cena com Hodor pareceu precoce, algo nos dizia que esse personagem teria história pra contar ainda, eu sei. Mas em paralelo, Karl teve o fim que todos esperávamos. Foi morto pelo proprio Jon, que não estava levando vantagem em nenhum momento no duelo, mas a cena surpreendeu colocando uma das garotas de Craster pra figurar a ideia de vingança. Kit pareceu estar pesado demais pra lutar, mas acho que isso é muito culpa do figurino. Ele teve um treinamento sensacional durante as filmagens de Pompeii, e gostaria de ter visto mais disso. Talvez ainda veremos.

E poxa, Fantasma. Que coisa mais linda esse lobo. Que bonito vê-los reunidos novamente, em contraponto com o fato de que Bran e Jon não se reuniram. Poxa gente, seria uma cena bonita, mas realmente nunca fez sentido. Jon não deixaria Bran partir, jamais. E foi triste ver Bran tentando alcançá-lo. Principalmente porque a HBO simplesmente repetiu o mesmo desencontro dos dois, e nas duas vezes nos sentimos quebrados por isso não ter acontecido.

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Por fim, as esposas de Craster se recusam a abrigar-se com a Patrulha da Noite e  anunciam que seguirão seu próprio caminho, mas ao mesmo tempo decidem queimar o lugar. A cabana de Craster então sobe em chamas, com os corpos dos mortos dentro dela. E está acabado esse difícil episódio de Game of Thrones.

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Não, não vou. Qualquer mudança em relação aos livros serão os elementos que os produtores sempre vão gostar de explorar, porque então eles poderão fazer algo exclusivo e original que eles criaram. E pronto acabou. Chegamos na metade da temporada e, se pensarmos em retrocesso, vivemos muitas emoções nesse último mês. A série está muito longe de ser medíocre, mas eu fico sempre pensando em como Cersei poderia ser mais parecida com a ideia que temos dela no livro. São duas personagens diferentes, e todo mundo prefere a outra.

Em um episódio em que mostrou muito sonhos vazios quebrados ao vermos Dany vendo suas conquistas se desfazerem, Sansa percebendo que está longe de estar em casa, Tommen sendo coroado para que Tywin possa reinar e Bran e Jon se distanciando mais uma vez, quero acreditar na coisa real. Não a nada mais real do que Tyrion, nessa história. Ele é o anti-Mindinho. E coincidentemente o episódio que vem parece justamente ser sobre ele.