Construtores da Patrulha da Noite, em História & Tradição da HBO.

Algum dia você já se perguntou por que razão Westeros está há milhares de anos estagnada como uma sociedade pré-industrial? Peter Antonioni, pesquisador e professor do University College de Londres, Mestre em Economia e co-autor de Economia para Leigos, escreveu um breve artigo, bastante didático e bem-humorado, em que tenta explicar o motivo para o atraso westerosi – para além, é claro, da mera vontade de deus daquele universo, George R. R. Martin. Segue a tradução.

Por que Westeros está estagnado no Período Pré-Industrial?

Por Peter Antonioni

Westeros, o local principal em que se passa Game of Thrones, tem muito em comum com a Europa Ocidental da Idade Média. Sua tecnologia é similar, a sociedade é feudal e até o clima é mais ou menos o mesmo – exceto pela estranha duração do inverno.

Mas a diferença crucial é que Westeros tem sido mais ou menos assim por 6.000 anos. Quando se considera a evolução da Europa Ocidental a partir da queda do Império Romano – apenas 1500 anos atrás – vale a pena perguntar como seu irmão literário permaneceu tão subdesenvolvido. Por que Westeros não sofreu uma revolução industrial?

A primeira coisa a apontar é que desenvolvimento econômico não é um processo contínuo simples, mas que ocorre aos trancos e barrancos. Particularmente, “mudanças graduais” na disponibilidade de tecnologias de uso geral dividem eras: depois que se sofre uma transição tecnológica desse tipo, é difícil imaginar ou lembrar como o mundo era antes. A grande revolução industrial que começou no século XVIII foi uma transição desse gênero.

Chegando à frente

Essa revolução não surgiu do dia para a noite. Ela foi na verdade o ápice de um longo período caracterizado por “trancos” de tecnologias anteriores. Tome-se como exemplo o estribo. Seu surgimento resolveu o problema de como alguém poderia lutar montando um cavalo, e isso por sua vez permitiu o desenvolvimento de instituições de cavalaria.

Um avanço que ainda não chegou a Westeros é o canhão. Na Europa ele já estava em uso à época da Batalha de Crécy em 1345, o que o colocaria bem no meio do âmbito tecnológico do conflito westerosi.

Outro avanço é o sistema bancário, que é uma condição necessária para investimento na construção de capacidade tecnológica; sem bancos para criar dinheiro, Westeros provavelmente ficará num estado permanente de falta de dinheiro com a consequente falta de investimento.

O Banco de Ferro existe, mas está longe de incentivar o desenvolvimento tecnológico.

A coisa mais próxima que Game of Thrones tem do sistema bancário moderno está do outro lado do mar, em Essos, onde o Banco de Ferro de Braavos fornece financiamento para clientes ao redor do mundo. O banco tem um paralelo no mundo moderno: como o Fundo Monetário Internacional (FMI), ele adquiriu uma reputação de manejar mudanças de regime quando acredita que seus débitos podem não ser satisfeitos. Como os livros ilustram, o poder financeiro leva à influência política:

“Quando príncipes faltavam com suas dívidas para com bancos menores, banqueiros arruinados vendiam esposa e filhos para traficantes de escravos e abriam as próprias veias. Quando príncipes deixavam de pagar o Banco de Ferro, novos príncipes surgiam do nada e tomavam seus tronos.” (A Dança dos Dragões)

Entretanto, o maior interesse do Banco de Ferro está em financiamento de soberanos, o que não necessariamente estimula a economia: no reinado de Robert Baratheon os empréstimos se destinavam geralmente a concursos e torneios inúteis. O Banco ignora empréstimos mundanos, do dia-a-dia, para negócios que custeiem atividade e investimento.

Talvez uma parte maior do quebra-cabeças seja o por quê de a competição entre os Altos Lordes não incentivar desenvolvimento armado, e por sua vez o desenvolvimento de complexos industriais militares nos Sete Reinos. Mas Westeros nem sempre foi a região assolada por guerras retratada em Game of Thrones: nos últimos séculos os reis Targaryen e suas armas de destruição em massa – dragões – impediram os reinos individuais de desenvolver essas capacidades. Há um paralelo não-europeu interessante aqui com a China, em que a inovação foi retida por uma sucessão de dinastias que queria impedir ameaças ao controle central.

Crescimento industrial também requer energia. Carvão, mais eficiente que turfa ou madeira, forneceu o combustível para a revolução industrial e não há evidência de que carvão ou outros combustíveis fósseis existam em Westeros ou além. A habilidade de colocar grandes motores para funcionar talvez esteja além até de Sete Reinos em industrialização.

Mas, apesar disso, Westeros tem força de trabalho, muita terra, uma indústria bancária aproximada e recursos presumivelmente similares aos da Europa do século XVIII. Parece que a maior parte das condições existem para uma série de inovações tecnológicas. Então por que não conseguiu sair da idade média?

A economia do conhecimento

A falta de desenvolvimento em Westeros é explicada em última análise pela forma como o conhecimento é retido por um grupo de pessoas.

Na Europa, a industrialização dependeu da disseminação de ideias. Quanto mais o know-how se espalhava, mais pessoas ouviam falar de uma inovação e podiam copiá-la ou melhorá-la, construindo um ciclo acelerado de desenvolvimento tecnológico.

Em Westeros, entretanto, inovações tecnológicas estão trancadas em uma instituição: a Cidadela, sede de uma ordem de estudiosos conhecidos como os Meistres (pense em Meistre Luwin de Winterfell que protegia Bran e Rickon, ou o Grande Meistre Pycelle da corte em Porto Real).

Por que não temos carros voadores? A culpa é desse cara.

Os Meistres sentam sobre o único tesouro de conhecimento científico de Westeros. Junto com a nobreza, eles estão entre os pouquíssimos que sabem ler e escrever. Seus membros estão inseridos em quase todos os castelos e grandes casas do Reino e eles parecem nesse momento usar seu controle da informação e o sistema Corvo Net de comunicação para cultivar sua influência.

Então, em última análise pode-se precisar de uma chacoalhada política para que o universo de Game of Thrones alcance a Europa do século XVIII. Quebrar o sistema feudal com os absurdos que vêm com ele ajudaria – afinal, seria desaconselhável para um Lorde médio atrair atenção ao desenvolver maquinário.

E, da mesma forma que a Reforma do século XVI quebrou o quase-monopólio da Igreja sobre a educação e pavimentou o caminho para avanços tecnológicos futuros, também Westeros precisa reformar seus Meistres.

Enquanto os Meistres não aceitarem isso e a educação se alastrar, Westeros está fadado a permanecer na mesma rotina medieval. Boas notícias para os fãs de alta fantasia, más notícias para os personagens presos nela. O inverno está chegando, e seria bom que eles tivessem aquecimento central.