Nota: Esse post foi escrito ano passado, ao final da 4ª temporada de Game Of Thrones, traduzido e editado pelo Caco, deveria ter sido publicado por ele, mas estava nos rascunhos. Com o retorno da série, a discussão sobre a forma de governar de Daenerys em Meereen surge novamente. Nosso amigo faleceu ano passado, mas sabemos que ele gostava muito de discutir esses aspectos da série, por isso decidimos publicar o texto.

 

Licenciamento ocupacional é a prática de regular quem pode ou não pode exercer determinadas profissões – normalmente feito por algum órgão ligado ao governo. Daí dá pra tirar que este é um artigo um tanto peculiar, pois discute sobre o impacto político, econômico e social que a Dany causa na Baía dos Escravos ao abolir a escravidão. Quais serão os desafios dessa nova sociedade?


Por Matthew Yglesias

Eu tenho lido As Crônicas de Gelo e Fogo de George R.R. Martin tão naturalmente que fiquei feliz em descobrir que o livro 5 contém um pouquinho de licenciamento ocupacional. Eu não acho que haja algum spoiler aqui. Basta dizer que Daenerys Targaryen assume uma posição de autoridade política e precisa lidar com uma petição de uma guilda organizada sob o regime anterior:

A sua noite sem dormir depressa se fez sentir. Não muito depois viu-se a combater um bocejo enquanto Reznak pairava sobre as guildas de artesãos. Parecia que os pedreiros estavam irados com ela. Os assentadores de tijolos também. Certos antigos escravos andavam a cortar pedra e a assentar tijolo, roubando trabalho tanto aos empregados da guilda como aos mestres.

— Os libertos trabalham a um preço demasiado baixo, Magnificência — disse Reznak. — Alguns chamam a si próprios trabalhadores, ou mesmo mestres, títulos que por direito pertencem apenas aos artesãos das guildas. Os pedreiros e os assentadores de tijolo peticionam respeitosamente a Vossa Reverência para que protejais os seus antigos direitos e costumes.

— Os libertos trabalham a preço baixo porque têm fome — fez Dany notar. — Se os proibir de cortar pedra ou assentar tijolo, os fabricantes de velas, os tecelões e os ourives depressa me virão bater à porta a pedir que os exclua também desses ofícios. — Refletiu por um momento. — Que seja escrito que de hoje em diante só membros das guildas sejam autorizados a chamar a si próprios trabalhadores ou mestres… desde que as guildas abram a entrada a quaisquer libertos que consigam demonstrar possuir as aptidões necessárias.

(Trecho de A Dança dos Dragões, capítulo XI – Daenerys II)

Obviamente esta posição de comprometimento é superior ao esforço da guilda que queria a simples criação de cartel (coordenação de preços em prejuízo do consumidor) e busca de renda (tentativa de derivar renda pela manipulação do ambiente social ou político, ambas definições da Wikipedia). Mas ainda tem dois problemas.

Um problema é uma questão de política econômica. Com o passar do tempo, os titulares (no caso, trabalhadores ou mestres) vão prestar muito mais atenção ao esquema de licenciamento do que o público geral. E os titulares vão ter um interesse em sistematicamente inflar a definição de “aptidões necessárias”. Nos Estados Unidos, algo que você vê são os esforços oportunistas de impedir que uma determinada prática profissional seja realizada por criminosos ou adolescentes ou qualquer outro grupo social marginal escolhido arbitrariamente. Enquanto isso, tende-se a degenerar “aptidões necessárias” em “treinamento necessário”, criando um novo conjunto de buscadores de renda na forma de “escolas de beleza” e afins.

Mas um problema mais profundo refere-se à inovação. Uma das principais formas nas quais o progresso se manifesta é a de que novas tecnologias permitem que as coisas sejam feitas sem se dominar as aptidões necessárias. Hoje em dia você não precisa mais dominar composição tipográfica para escolher uma fonte bonita, não precisa dominar desenvolvimento de químicos fotográficos para imprimir alguma coisa e não precisa saber HTML para criar um post num blog. Uma das melhores coisas da invenção das linhas de montagem e das peças intercambiáveis foi tornar possível que trabalhadores não especializados fizessem trabalhos que antes precisavam de artesãos qualificados. Hoje em dia, mesmo a fabricação avançada de altíssima qualificação ainda é organizada de forma que ninguém trabalhando na fábrica de aviões precise saber como construir um avião inteiro do zero, o que provavelmente ninguém poderia fazer. Mas você nunca ia poder construir aviões se guildas de artesãos conseguissem impedir o início da produção em massa com regras sobre “aptidões necessárias”.

A medida de Daenerys, em outras palavras, pode ser uma solução de curto prazo adequada para seu problema político mas, a longo prazo, vai condenar sua jurisdição à estagnação do padrão de vida.


Fonte: What Daenerys Targaryen Needs To Know About Occupational Licensing.