Análise escrita com a preciosa colaboração de sor Leandro Ribeiro. 

Esse texto contém apenas algumas poucas e inofensivas referências aos acontecimentos dos livros, mas é totalmente livre de spoilers. Se você leu os livros e quer comentar algo importante a respeito deles, favor usar a tag [SPOILER LIVRO X] antes do seu comentário para não arruinar a experiência dos futuros leitores.


Não concordo com a expressão monstro da expectativa. Entendo, mas não concordo. Acho que um monstro não define bem expectativa. Expectativa não é um monstro, a realidade é que é. Expectativa é aquilo que você cria, as vezes por que te estimulam, as vezes contra tudo e contra todos. É geralmente um passaporte para a frustração pois dificilmente o mundo e a realidade vão corresponder com aquilo que você montou na sua cabeça.

Game of Thrones é cheia disso. Para nós e até mesmo para os personagens. Seja sua expectativa vindo dos livros ou dos trailers, ou simplesmente do que você já assistiu e espera que aconteça. Você acredita em Dragões de Gelo, em grandes vinganças, em grandes reinados, ou em finais felizes. Você constrói seu fantástico castelo de areia só para ver a água vir e derrubar tudo. Por isso a atitude mais indicada é sempre ter cautela, mais do que isso: ter a certeza de que nada vai superar aquilo que você criou na sua mente. Se superar, você ficará agradavelmente surpreendido, senão, recolha seus caquinhos, e venha reclamar aqui nos comentários.

O episódio dessa semana foi dirigido pelo novato em Game of Thrones Miguel Sapochnik (Repo Man, House M.D., Awake) que dirigirá também o episódio 8, e os roteiros foram novamente de David Benioff and D.B. Weiss. Sendo, de longe, um dos episódios mais movimentados que tivemos esse ano, ‘The Gift’ nos presenteou com uma narrativa quebrada em muitos pedaços com paisagens, personagens e histórias diferentes. Em alguns momentos, o enredo truncado pareceu funcionar muito bem, em outros, acabou apontando algumas das falhas da quinta temporada.

Vamos lá?

analise-507

O último Targaryen em Westeros (?)

Aemon Targaryen foi um dos poucos personagens na série a ter uma morte natural, por pura e simples velhice. Foi também um caso raro por não querer assumir o trono ou qualquer influência nele quando isso lhe foi dado.

Só um pouquinho da história do meistre Aemon Targaryen (se quiserem mais, vale uma visita a wiki, spoilers free): Ele era o terceiro filho do quarto filho do rei Daeron II Targaryen, ou seja, tinha pouquíssima possibilidade de chegar ao trono. Assim seu pai o enviou para a cidadela para se tornar Meistre. Devido a uma série de infortúnios na descendência Targaryen, seu pai veio a se tornar rei e, quando este morreu, seus dois irmãos mais velhos também haviam falecido, e apesar de o direito ao trono pertencer aos filhos destes, por serem crianças e por intrigas políticas, foi formado um Grande Conselho e os conselheiros ofereceram o Trono a Aemon, que o recusou, dizendo que este lugar pertencia ao irmão mais novo, Aegon. O irmão, que ele carinhosamente chamava de Egg, foi coroado e passou a ser conhecido como Aegon, o Improvável, que é o bisavô de Daenerys e Stannis. O meistre sempre foi uma voz de razão na Muralha tanto para Sam quanto para Jon, e o ator Peter Vaughan, que tem 92 anos (10 a menos que o personagem), com certeza vai fazer falta.

game-of-thrones-fire

Morreu o homem cego da Patrulha da Noite, aquele que mais enxergava. A frase “Eu sonhei que era um velho, Egg” foi retirada das páginas de O Festim dos Corvos, apesar de que, no livro, essas não são as últimas palavras do velho. A cena da morte dele me pareceu um pouco apressada, bonita, mas apressada. Pena que Jon Snow não estivesse lá para se despedir.

Falando sobre a despedida de Jon, o abraço que deu em Sam lembrou bastante a cena da primeira temporada em que ele parte para a Muralha e se despede de Robb. Tormund apareceu mudo e saiu calado e mesmo assim marcou presença com aquela encarada tensa entre ele e o bastardo. Mais tensos ainda foram os olhares dos irmãos da Patrulha, encarando o Lorde Comandante enquanto ele partia rumo a Durolar. A cara do menino Olly estava assustadora. Assim como Tarly, parece que Jon também está perdendo todos os amigos.

Mas quem precisa de amigos quando tem lobo gigante? Ver a forma como Fantasma defendeu Sam e Gilly me fez pensar no quanto Lady seria útil a Sansa em Winterfell. Ou como o próprio Fantasma seria útil ao seu dono em Durolar… por que ele ficou na Muralha mesmo? Provavelmente para evitar gastos com CGI. Na cena do quase-estupro de Gilly, o lobo fez jus ao nome e literalmente desapareceu entre os takes.

game-of-thrones-wolf

Sim, nesta semana tivemos mais uma tentativa de estupro. A cena envolvendo aqueles dois patrulheiros genéricos (não vou me dar ao trabalho de procurar o nome daqueles dois) só serviu para… para… para que mesmo? Ah sim, para mostrar que Sam consegue dizer algumas palavras antes de entrar em coma de tanto apanhar e que, vejam só, a Muralha é um lugar perigoso, cheio de estupradores e criminosos. Só que já sabíamos disso desde a primeira temporada. A luta de Sam com os caras me lembrou bastante a briga entre George McFly e Biff no final do primeiro “De Volta para o Futuro”.

O bacana de Sam e Gilly é que nenhum dos dois personagens realmente esperava algum dia encontrar afeição. Isso somado ao que eles passaram fugindo dos White Walkers e todo o resto, já bastava para justificar a posterior cena de sexo entre os dois.

E sobre o estranho caso do menino que não envelhece: no mesmo episódio em que Myrcella diz ter passado ANOS em Dorne (nos livros, ela vive lá a, no máximo, uns seis meses) e Stannis afirma ter acreditado nas visões de Melisandre por ANOS, percebemos que o filho de Craster continua sendo uma bebê de colo… bem, não sabemos como defender essa. Ou Myrcella e Stannis estavam exagerando nos comentários, ou tivemos mais um erro de continuidade na série.

Em algum lugar no meio da neve

tumblr_noxwu9vXEz1t4n65oo1_500

Stannis não está numa situação muito boa. Não conseguiu o apoio dos selvagens, parte de sua tropa fugiu, parte perece sob o frio, o conselho de seu servo mais leal é voltar (e desistir, pois é isso o que o retorno acarreta) e o conselho de Melisandre é pior ainda. Apesar das promessas de Melisandre terem ajudado ele a chegar a esse ponto, Stannis é um cara pragmático, ele claramente não acredita no Senhor da Luz, mas acredita em sua feiticeira. Mesmo assim, acho difícil que ele faça o que Melisandre sugeriu. Alguém que não quer ser lembrado como o rei que fugiu, dificilmente vai querer ser lembrado como o rei que queimou sua própria filha viva.

Mesmo que ele leve essa possibilidade cruel em consideração, ele não usaria isso para conseguir conquistar Winterfell. Há muito mais para conquistar na visão dele. Davos não consentiria com isso e tenho dúvidas de quantos mais não fugiriam depois disso. Mas o inverno está na porta, literalmente, e não vai passar. Geograficamente falando, Stannis está entre Winterfell e a Muralha, que fica no extremo norte, onde o inverno chega primeiro (embora, na série, a nevasca em Winterfell tenha parecido muito mais violenta). Isso significa que Stannis está certo: para fugir desse caos branco e gelado, sua única escolha é seguir em frente. Apenas em frente.

Status quo

SANSA

Já se passaram pelo menos algumas noites de sofrimento a mais para Sansa e ela se agarra a Theon para que a ajude, o que é uma merda se percebermos que o arco de Sansa, mais uma vez, se transformou numa oportunidade de ela ser salva por alguém. Um arco para desenvolver Ramsay e Theon, sendo que esse último é uma casca oca. A aposta que ela fez foi, pelo menos, uma demonstração de que ela está disposta a tentar algo para sair dessa situação lamentável.

Muitas pessoas acharam que Theon se encontrou por acidente com Ramsay quando ia colocar a vela na Torre Quebrada, mas aquele foi só um jogo de cena muito bem pensado para que o público acreditasse na redenção de Theon quando, na verdade, aquela não era a Torre Quebrada e ele planejava entregar Sansa ao marido desde o começo.

Isso nos leva, novamente, ao estupro do episódio anterior, que, supostamente, serviria para que Theon deixasse de ser Fedor e se rebelasse contra Ramsay. Bem, ele ainda é Fedor e ainda tem medo de Ramsay. O estupro não serviu para NADA em termos de desenvolvimento da trama. E nem serviu pra dar audiência, apenas pra criar polêmica.

reek

O seguimento em que Ramsay caminha com Sansa pelas ameias do castelo a fim de mostrar sua “amiga nortenha” esfolada remete muito a uma cena do episódio ‘Fire and Blood’ (último da primeira temporada) onde vimos Joffrey levar Sansa até a cabeça do pai. Aqui, assim como naquela ocasião, vimos ela dar umas belas respostas ao marido, e até roubar um objeto perfurante para se defender de um possível ataque dele, mas, infelizmente, sua ousadia não passa daí. Os produtores jogaram fora quatro anos de desenvolvimento da personagem para que – mesmo depois do cabelo preto, das penas de corvo e das hipotéticas aulas com Mindinho, ela voltasse à estaca zero.

Felizmente, os atores são bons. Todos eles. A fotografia das cenas é incrível! Graficamente, o triste retrato da velha esfolada na neve me lembrou muito das “obras de arte” que são as mortes do seriado Hannibal (recomendamos essa entrevista em que o criador da série, Bryan Fuller, fala um pouco sobre violência, estupro e Game of Thrones).

Maldito Ramsay. O inverno vai chegar pra você. E Brienne também.

54fef22febd1a8c7648a0f6c_got-brienne-snow

Dorne

Talvez essa tenha sido a melhor representação de Dorne até aqui. Exatamente por deixar tudo subentendido, mas mesmo assim mais claro. Myrcella não quer ir, se sente bem em Dorne e, verdade seja dita, não estará mais segura em Porto Real. Bronn foi realmente envenenado e toda a cena envolvendo a descoberta disso e a entrega do antídoto conseguiu mostrar sem um discurso meia-boca, e de frente para a câmera, como uma serpente da areia pode ser atraente e perigosa.

Apesar da cota de nudez gratuita, podemos, num exercício forçado de criatividade, supor que Tyene estava brincando com Bronn para acelerar seu fluxo sanguíneo, ativando o efeito do veneno, e que lhe deu o antídoto por que não via razão para arrumar mais problemas para elas com um “visitante” de Westeros morto… Ou para usá-lo futuramente, de alguma forma. A própria construção da cena só mostra como elas são inconsequentes. Nym revira os olhos quando a irmã mais nova se aproxima das grades, como se já tivesse visto essa cena milhares de vezes antes, mas ela e Obara também se aproximam para ver quando Tyene diz que o nariz de Bronn está sangrando. Qual o problema com essas meninas? Acho melhor vocês ficaram por aí até a temporada acabar. Se juntem com o Bronn e façam uma banda, é mais futuro.

tumblr_np0j3hKwxS1u190kuo2_1280

Tyrion Lannister? O que eu faço com isso?

O momento íntimo entre Daenerys e seu amante foi marcado por uma enxurrada de frases de efeito. No entanto, dentro do contexto da cena, elas até que caíram bem. Daario pode estar sendo honesto com a rainha, mas ele não é nem de longe a pessoa mais esperta para governar uma cidade, como seus conselhos na cama denotam. Prevejo muitos atritos entre ele e Tyrion por causa disso.

Os acontecimentos que resultaram no encontro de Dany e Tyrion foram amarrados ordenadamente, e talvez por isso tudo tenha parecido tão… forçado. Primeiro, Jorah é vendido imediatamente, porque ele é um lutador incrível com um monte de pedigree. Tyrion implora para ser levado junto, e mostra sua aptidão batendo em um guarda usando somente as correntes em suas mãos e pés. Nada demais. Malko não queria vender o pinto mágico dele para um feiticeiro ou coisa do tipo? Depois, Jorah percebe que, coincidentemente convenientemente, a rainha apareceu para assistir aquela luta, quase tão medíocre quanto a própria arena. Então Daenerys, que estava prestes a deixar a exibição por conta da violência, subitamente fica interessada quando Jorah entra, finalizando todos os lutadores em tempo recorde enquanto Tyrion é libertado das correntes pelo deus ex machina com um machado. Para uma sequência que envolveu lutas, tráfico de escravos e o encontro de dois personagens favoritos do fandom, poderíamos ter tido um pouco mais de tensão.

CGDiAw1UgAAVjry

O ponto alto disso tudo foi, sem sombra de dúvidas, o desempenho do grande ator Iain Glenn. Quem não sentiu pena do Jorah quando Daenerys rejeita o cara abertamente e ele, ainda assim, implora, e até a chama de “khaleesi”?

Todos esperamos que Tyrion ajude Daenerys, mas tudo conspirou para que ele chegasse a ela como prisioneiro, ao contrário do que Varys deve ter planejado. Sendo assim, se o anão quiser chegar até os ouvidos dela, terá que usar toda sua lábia (e +5), mas sabemos que isso não é um problema para ele.

the-gift-1

Misericórdia da Mãe

Cersei ama seus filhos. Mesmo? É amor ou é um orgulho louco por aquilo que ela considera sendo dela e somente dela. Algo que ela sabe que teria desde a tenra infância quando ouviu aquela profecia? A facilidade com que ela mente para o filho é surreal, e a facilidade com que ele acredita é pior, pois mostra claramente que Tommen foi envelhecido na série só por causa das cenas de sexo com Margaery. Ainda que nessa discussão ele tenha levantado a voz e gritado “EU SOU O REI”… Qualquer homem que precisa dizer “eu sou o rei”, não é um rei de verdade.

Sobre a posição dos Tyrell: nos livros, Loras, além de não estar preso, também não é o herdeiro da Casa Tyrell, e nem Margaery é tão rainha, já que seu casamento com Tommen ainda não foi consumado. Na série, a situação é tão absurda que Olenna deveria chegar na capital com um exército, mas, em vez disso, ela tem Mindinho.

Não foi a primeira vez que vimos Mindinho observar seu estabelecimento através daquele buraco. O bordel destruído, com aquele filtro avermelhado e a música “Take Charge of Your Life” tocando solenemente ao fundo, foi o local perfeito para o encontro dos dois regicidas. A forma didática com que os roteiristas explanaram o envolvimento de Petyr e Olenna no assassinato de Joffrey não deixou margem para dúvidas.

Qual foi o presente que Mindinho deu a Olenna? Há duas possibilidades aqui.

  1. Lancel Lannister é a resposta mais imediata já que, logo depois da promessa de Mindinho, vimos que ele contribuiu para a queda de Cersei. Mas por que motivo Lancel se submeteria à vontade de Mindinho? Ele parece leal à Fé Militante, e não é um peão como Olyvar, até onde sabemos. Faria mais sentido se ele confessasse seus pecados (e os da prima) ao Alto Pardal por vontade própria, e não por ordem de terceiros. A não ser que Mindinho, de alguma forma, tenha “encorajado” o rapaz a revelar os podres da rainha. Com alguma chantagem, talvez? Aquele diálogo entre eles no último episódio pode não ter acontecido à toa. Knowledge is power.
  2. Olyvar também é uma possibilidade bem óbvia já que ele é um agente do Mindinho que, inclusive, também foi o presente que ele ofereceu a Cersei. Para ajudar os Tyrell, o rapaz poderia inocentá-los no julgamento, ou até morrer antes de prestar seu depoimento condenando Margaery e Loras.

Elio Garcia, do westeros.org, também apontou Gendry como o possível “handsome young man” a que Mindinho se referiu. Mas se Gendry for usado para provar que os filhos de Cersei não são filhos de Robert, Tommen perderia a coroa, assim como Margaery. Como isso seria vantajoso para a Rainha dos Espinhos e sua Casa?

olenna-sparrow

Tudo o que o Alto Pardal disse para Cersei sobre suas intenções de trazer justiça para Porto Real era verdade, mas ela está tão acostumada com as maquinações ao seu redor que não foi capaz de perceber isso. A expressão dela, enquanto revira os olhos e dá um sorriso, foi bem engraçada, enquanto, por outro lado, o Alto Pardal a encara como se fosse um caçador diante da presa de sua vida.

Olenna também não estava acostumada a encontrar pessoas assim e seu incrível diálogo com o Alto Pardal mostra isso. Aliás, que diálogo bem escrito. Que atores. Que cena. Se a audiência recebeu algum presente nesse episódio (além do cliffhanger no final) foi a chance de ver Diana Rigg e Jonathan Pryce contracenarem no Septo de Baelor.

A prisão de Cersei foi um momento descontroladamente satisfatório. A deposição dela era algo necessário a muito tempo, pois representa uma reviravolta importante para a personagem e para a dinâmica de Porto Real em geral, além de ajudar a combater o desespero que sentimos a cada atrocidade vista em Winterfell, com Sansa sofrendo nas mãos de Ramsay, ou até na própria capital, com a rainha humilhando Margaery em sua cela. É um lembrete importante de que a justiça, de alguma forma, sempre encontra o seu caminho. Seja ao quebrar uma promessa, como Robb Stark, ou ao colocar sua fé em um louco fundamentalista (algo com que Stannis também está aprendendo), todas as decisões em Westeros vem com uma consequência. Algumas simplesmente demoram mais pra baterem à porta.

S5-E7-Cersei-gets-pwnd-in-jail