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Jack Gleeson como Joffrey em Garden of Bones (HBO)

O sempre polêmico tema sobre a exploração e objetificação da imagem feminina em Game of Thrones ganhou mais comentários a respeito, dessa vez de alguém que participou ativamente da série e inclusive protagonizou algumas das mais fortes cenas de abuso contra mulheres.

Jack Gleeson, o eterno Joffrey Baratheon, que em 2013 após deixar a série anunciou sua aposentadoria das telas, concedeu entrevista a Nico Hines para o Daily Beast, e falou sobre sua atividades artísticas após a série, um pouco sobre Game of Thrones, e é claro, sobre a misoginia inerente ao show. Confira o relato, nas palavras de Hines:

Amável, modesto e de risada fácil, o ator que retratou o adolescente mais odiado da TV é também pensativo, sensível e contente em externar suas dúvidas sobre a orgia de violência e misoginia que corre no coração de Game of Thrones.

Jack Gleeson era um dos mais badalados atores jovens quando deixou o titã da HBO no ano passado, mas deu as costas a Hollywood e voltou a Dublin para escrever e produzir uma espetáculo teatral familiar com seus amigos da faculdade.

Ele está neste momento esparramado em um sofá com três desses amigos, seus braços de quando em quando repousando nos ombros deles, enquanto ele animadamente descreve Bears in Space, que estreará em Londres no mês que vem antes de uma planejada viagem aos EUA em 2016.

O espetáculo de marionetes alegórico, voltado para audiências de “9 a 90” anos, é sobre o poder duradouro da amizade. “Eu não o associaria ao que eu faço em Game of Thrones de forma alguma,” disse Gleeson. “É simplesmente algo completamente diferente”.

Você pode dizer isso de novo, Jack. Como o desprezível Joffrey Baratheon, o pervertido rei menino de Gleeson tinha uma predileção por violência sexual e o abuso de mulheres vulneráveis.

O frequentemente brutal tratamento de mulheres pela série foi criticado desde a primeira temporada, e Gleeson admite que ele achou difícil filmar algumas das sequências.

“É, claro; é uma coisa difícil quando você está representando misoginia daquela forma porque eu não diria que a série em algum momento implicitamente perdoa misoginia ou qualquer tipo de violência contra mulheres. Mas, talvez, ainda seja desonesto ou injusto representá-la mesmo se a ótica da representação é negativa,” ele disse ao Daily Beast.

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A personagem Ros foi uma das maiores vítimas de Joffrey.

“É óbvio que como um homem de 23 anos, eu jamais poderia me colocar no estado mental de uma mulher que foi sexualmente atacada, mas eu acredito que às vezes você tem que representar coisas horríveis acontecendo na tela mesmo que seja por entretenimento porque você tem que expor a brutalidade delas, porque provavelmente você não verá isso em lugar nenhum. Então existe uma chance de que isso cause algum tipo de empatia, mas é uma área cinza. Pode ser bastante traumático e estressante assistir essas cenas.”

Um das vítimas mais frequentes de Joffrey era Sansa Stark (Sophie Turner), mas a morte dele fez pouco para facilitar a aparentemente interminável provação dela. O apuro dela se tornou ainda mais deprimente na quinta temporada, culminando na cena de estupro que a Senadora Democrata Claire McCaskill descreveu como “gratuita… repugnante e inaceitável.”

“Acho que sempre tem a ver com como você representa esse tipo de tratamento: você de alguma forma está fazendo isso parecer legal, ou você está fazendo disso um produto de entretenimento, e isso é errado? Ou você está fazendo isso para expor o problema do abuso sexual?” disse Gleeson. “Eu não vi a cena, então não posso dizer.”

Espera aí, você não assiste a série?

“Na verdade não — às vezes vejo uns clipes,” disse, rindo. “Sabe tudo aquilo sobre suspensão de descrença, é meio difícil de suspender, porque você meio que sabe que os sets não são reais, e você meio que sabe que os atores não são realmente os personagens — é óbvio que as pessoas sabem disso de qualquer forma, mas você consegue se convencer mais quando você não viu a coisa de fato na vida real. Então, eu acho dificíl de assistir.”

Além da violência contra mulheres, uma das principais críticas da série é o desbalanceamento de gênero na nudez. Talvez Gleeson devesse ter se voluntariado para se juntar a suas colegas mulheres em tirar a roupa para suas notórias cenas no quarto?

“Apesar de que isso teria sido tecnicamente legal, eu acho que o personagem Joffrey tinha provavelmente 14 ou 15 anos. Eu não acho que teria sido adequado. Mas eu acho que há alguma nudez masculina na série. Como eu disse, eu não assisto então não posso realmente comentar, mas eu ouvi dizer que há nudez masculina — então acho que isso é uma coisa boa, não apenas objetificar mulheres mas também objetificar a beleza da genitália masculina! Todos somos objetos juntos.”

Gleeson não esteve em Belfast, na fronteira da Irlanda do Norte — onde boa parte da série é filmada — para se por em dia com o elenco desde que saiu, mas ele encontra alguns dos atores em Dublin. “Eu na verdade não vou a outros lugares,” disse, rindo. “Sinto que não há mais nada para se ver no mundo. É mais ou menos eu e Aidan Gillen (Mindinho). Liam Cunningham (Davos Seaworth) mora aqui também, eu não o vejo muito porque tivemos uma discussão.”

Ele também viu Kit Harington (Jon Snow) recentemente mas não conseguiu colher pistas sobre se ele vai ser ressuscitado na próxima temporada. “Eu lembro de falar com ele talvez há um ano, depois que eu terminei, e eles estavam re-assinando contratos e eu meio que perguntei a ele do nada por quantos anos era o contrato, e ele disse tipo: ‘Eu não posso te dizer.’ Eu fui instantaneamente retirado do grupo de sigilo então estou tanto no escuro quanto todo mundo.”

Seus estudos o mantiveram ocupado entre empregos de ator mas ele agora quase terminou uma graduação em filosofia e teologia no Trinity College, que incluiu uma tese sobre Ludwig Wittgenstein.

Depois da sequência de Bears in Space no Soho Theatre, Gleeson vai abrir suas asas um pouco depois de 23 anos em Dublin e se mudar para Londres com um amigo. “Por nenhuma razão de fato, simplesmente porque eu nunca vivi em outro lugar e é um lugar legal,”, disse.

Ele não ficou tentado por Los Angeles. Ele nem está tentando a arrumar um emprego em Hollywood. O London Evening Standard noticiou que ele tem rejeitado ofertas de filmes depois de anunciar sua aposentaria da tela no ano passado. “Não acontece assim na verdade,” disse, trocando entre seu suave sotaque irlandês e um rouco americano de meia idade. “Não é como se o Steven Spielberg te ligasse dizendo, ‘Preciso de você, Jack.’ E eu digo, ‘Steven, posso te chamar de Steven?’ e ele diz ‘Não — me chame Dr. Spielberg.’ Eu eu digo, ‘Você tem doutorado?’ E ele diz ‘Não, é um doutorado honorário.’

“Não é realmente desse jeito — é mais simplesmente eu não me anunciando para os papeis.”

Gleeson ainda está aberto a mudar de ideia sobre a aposentadoria da carreira de atuação nas telas que incluiu um papel como criança em Batman Begins. “Não era realmente uma coisa definitiva na minha cabeça; um dia eu acordei e pensei ‘Não vou fazer isso.’ Foi simplesmente que à medida em que Game of Thrones ficava maior e maior, era também o estágio da vida em que eu estava em que eu estava entrando na faculdade e encontrando novos interesses.”

Ele deixa claro que a fama – ou a infâmia – de um papel como Joffrey não teve peso em sua decisão de abandonar. Ele não tem problema com a constante fila de fãs pedindo por uma foto: “Literalmente 100 por cento das pessoas são simplesmente amáveis, esses caras podem comprovar — eles têm que aguentar smartphones sendo enfiados em suas mãos mas não, é sempre uma experiência muito positiva.”

E quanto aos milhões que ele poderia estar ganhando em Hollywood? “É, acho, suponho que eu esteja numa posição de sorte, digo, pô, é sempre uma questão difícil de responder em termos da minha situação financeira. Suponho que eu esteja numa posição de sorte em que eu posso olhar na direção de uma ocupação que eu primeiramente gosto ao invés de [se] ela é financeiramente lucrativa,” disse, se movendo desconfortavelmente no sofá pela primeira vez. “Suponho que esteja numa posição em que estou descobrindo o que essa coisa é, e então espero que posso me tornar bom o suficiente que eu ganhe algum dinheiro, mas esse é um tipo de luxo que praticamente ninguém mais tem, então sou bastante grato por isso.”

Gleeson e seus companheiros da Collapsing Horse.
Gleeson e seus companheiros da Collapsing Horse.

Pelos próximos anos essa coisa é atuar e produzir peças e espetáculos de crianças com a Collapsing Horse Theatre Company, uma pequena companhia montada por Gleeson e seus amigos do Trinity.

Não há foto de Gleeson ou menção a Game of Thrones na página do Facebook deles ou mesmo no site vendendo ingressos para Bears in Space.

“Nós gostaríamos que as pessoas viessem assistir o espetáculo não porque estou nele,” disse Gleeson, “mas porque elas querem assistir uma hora, uma hora e meia de teatro de entretenimento divertido. Ajuda em certa medida, mas sempre queremos que tenha sucesso ou falhe por seus próprios méritos.”

Eoghan Quinn, que faz o personagem principal em Bears in Space, disse que fãs de fantasia haviam virado uma espécie de show paralelo secundário nas performances deles. “É algo que percebemos na periferia. Tem a audiência geral de teatro, comédia em Dublin e então tem uma minoria que está lá porque são grandes fãs de Game of Thrones; particularmente da vibe estranha tipo “Oh meu deus! Odeio Joffrey! Amo Jack Gleeson!”.”

A companhia tem trabalhado por quatro anos, ganhando experiência no Edinburgh Festival Fringe, e trabalhando em dúzias de peças, workshops e esquetes contando com a maestria em marionetes de Aaron Heffernan. Nesse período, Gleeson passou de um pouco conhecido mas bem-sucedido ator infantil para uma das mais reconhecidas e odiadas faces da Terra.

“Eu pensava: Como ele decora as falas para aquilo e não para nossas coisa?” disse Quinn. “Talvez algo a ver com o quanto eles o pagam…”

Cameron McCauley, outro membro da companhia, brincou: “Eu não assisti Game of Thrones por muito tempo simplemente por despeito. Eu não queria alimentar seu ego.”

“Ele já faz isso sozinho,” disse Quinn. Eles frequentemente terminam as frases um do outro. “Jack é um cara genuinamente humilde, e um homem pequeno — fraco, de qualquer forma. Então se você batesse muito nele…”

“Eu iria desmoronar,” disse Gleeson.

“Ele iria desmoronar um biscoito,” concordou Quinn, mas Gleeson teve a palavra final em meio às risadas: “Como um biscotti macio e amanteigado.”

[Via The Daily Beast]