Menos de uma semana depois do lançamento de Fogo & Sangue, vários veículos já publicaram seus reviews do novo livro de George R. R. Martin. Surpreendentemente ou não, a recepção na imensa maioria destas críticas foi bastante negativa.

Manchete do review de Fire and Blood no site da revista British GQ

Para Raisin O’ Connor, em review publicado no Independent, por exemplo:

Muitos fãs de Game of Thrones devem estar se perguntando porque George R. R. Martin decidiu escrever seu livro mais recente, Fogo & Sangue, neste momento em particular. Ao invés de tentar finalizar o muito aguardado e frequentemente atrasado, Os Ventos do Inverno – o penúltimo romance de sua série, As Crônicas de Gelo e Fogo – Martin escolheu publicar uma história extensiva de uma de suas principais famílias: a Casa Targaryen.

Os sites dos jornais e revistas GQThe Times, Publisher’s Weekly The Telegraph publicaram suas opiniões em tom semelhante.

A crítica, via de regra, começa com o mesmo questionamento: “esse livro é mesmo necessário para os fãs de Game of Thrones?” e segue com relatos de quão entediados os críticos ficaram ao ler extensos relatos históricos que pouca (ou nenhuma) relação tinham com Daenerys Targaryen, Jon Snow e Tyrion Lannister.

O que me pergunto, no entanto, é com que tipo de expectativa esses jornalistas encararam o lançamento, que, afinal de contas, já tinha seu tom bastante definido em três ocasiões anteriores: os excertos Os Filhos do Dragão, A Princesa e a Rainha O Príncipe de Westeros, publicados anos antes.

Será que temos leitores de alta fantasia em algum desses avaliadores? Quando é o caso, as coisas são um pouco diferentes. Para o Tor.com, Chris Lough escreve:

Fogo & Sangue foi uma grande surpresa para mim. Me descobrir profundamente investido emocionalmente nos Targaryens, vibrando quando eles conquistavam grandes vitórias e lamentando quando eles sucumbiam a desejos idiotas (e eles têm desejos idiotas aos montes). Este livro causa a mesma sensação de As Crônicas de Gelo e Fogo. Sabe como eu sei?

Porque eu quero o próximo livro o quanto antes.

Para leitores do gênero, aparentemente, Fogo & Sangue é um lançamento legítimo e nada controverso naquilo que é: uma grande expansão do universo a partir de registros. Adam Whitehead, fã de longa data de Martin, também foi no mesmo sentido em seu review, publicado no The Wertzone. Para Whitehead, a experiência do livro depende do quanto o leitor já estava investido no universo de Martin anteriormente.

Pergunto: será que se autores como Brandon Sanderson, Robin Hobb ou Patrick Rothfuss se lançassem em empreitadas semelhantes, possuiriam a mesma rejeição de seus leitores? Ou será que o problema está na camada de leitores que Martin tem e que não compartilha com seus colegas – o público mainstream?

Me parece ser o caso, e também me parece claro que Fogo & Sangue não é um livro pensado para as mesmas massas que acompanham semanalmente Game of Thrones, afinal “tem dragões e todo mundo morre”, mas para esse núcleo específico de pessoas que, a rigor, gosta muito de conhecer mais sobre os universos pelos quais se apaixonaram.

Fire and Blood Bantam
Capa americana de Fogo & Sangue (Ed. Bantam).

Ou seja, Fogo & Sangue é um livro de nicho. E não quero sugerir que é “um livro grande demais para cabeças muito pequenas”, como muitas vezes esse tipo de crítica acaba parecendo, indicando que o tipo de leitor que “entende” o livro é superior àqueles que não entenderam.

O que quero dizer, ao contrário disso, é que é uma obra para um segmento que não é melhor nem pior, mas diferente. E esse choque de públicos-alvo é resultado de uma situação muito específica: Martin se tornou praticamente um popstar cuja característica mais famosa é a ausência de lançamentos.

Sendo assim, cria-se uma expectativa de que algo lançado por ele deve ser uma obra prima inquestionável. Afinal, ele é muito reconhecido e precisa fazer jus à fama, caso contrário, é “um autor muito superestimado”.

Por outro lado, a esperança geral do público que o conhece por essa persona mais do que pelo seu trabalho como escritor era de ter uma continuação, ou algo que complementasse, ao menos, as histórias dos personagens mundialmente conhecidos por Game of Thrones.

A frustração se torna dupla, uma vez que Fogo & Sangue não é Os Ventos de Inverno, e nunca pretendeu ser. Para alguns ainda, como David Leveslei, na GQ, o tempo dedicado para a escrita do novo lançamento deveria ter sido usado para a continuação. Isso é um erro comum que deriva de desinformação, como já esclareci em outro artigo aqui no site.

É claro que existem pontos pertinentes nos reviews, com os quais o leitor pode concordar ou não: a escolha de uma longa narrativa sobre os Targaryen, a possível confusão com as árvores genealógicas, a falta de certezas que caracteriza os modelos de relato da história imaginária de Martin são alguns deles.

No entanto, eu diria que a maioria dos leitores que conhecem a proposta de Fogo & Sangue, e ainda assim estavam empolgados, já estavam cientes disso e não viram como um problema.

Talvez a exposição do livro tenha contribuído ainda mais para um contexto em que o choque entre os públicos já aconteceria de qualquer maneira. Apesar de pequeno, houve um ciclo de eventos relacionados ao lançamento. Martin esteve no Landmark Lowes Theater, em Nova Jersey, para um evento oficial, na mesma semana participou do programa televisivo The Late Show, lançou semanalmente vídeos promocionais sobre alguns dos personagens mais importante entre os Targaryen, liberou excertos para diversos veículos de imprensa de entretenimento, e concedeu pelo menos três entrevistas a jornais de renome.

George R. R. Martin e o entrevistador Stephen Colbert no programa The Late Show, exibido em 22/11/2018

Em todas entrevistas, diga-se de passagem, Martin fez questão de ressaltar, de saída, que o livro não era um romance tradicional, mas uma obra que vinha a acrescentar ao lore de seu universo através de relatos históricos (o que já fizera também em seu blog, quando anunciara a publicação do livro pela primeira vez).

Com esses atos de divulgação, o grande público dá a sua parcela de atenção às novidades, e novamente, a incompatibilidade aumenta.

Este texto se propôs a ser apenas uma análise da recepção de Fogo & Sangue e tentar esboçar algumas hipóteses sobre por que a maioria dos comentários foi bastante negativa, mas não um juízo de valor meu sobre o conteúdo do livro em si – que, na minha opinião, tem seus altos e baixos.


Para discussão, debate e opiniões dos leitores (e da equipe do site) sobre o conteúdo do livro, criamos um post especial que pode ser acessado aqui.