Em meio a toda a repercussão do retorno do mundo de Westeros às telas com “The Heirs of the Dragon”, primeiro episódio de House of the Dragon, a cena em que Viserys I Targaryen revela à filha Rhaenyra uma profecia de Aegon I, o Conquistador, sobre o futuro da humanidade e o papel de sua linhagem nela foi certamente a mais discutida entre os fãs, particularmente os leitores das obras de George R. R. Martin, diante do fato de que Fogo & Sangue, livro que a série adapta, não faz menção dela. Na última semana, os showrunners Ryan Condal e Miguel Sapochnik comentaram o assunto e explicaram como e por que essa profecia foi incluída em House of the Dragon.

Viserys e Rhaenyra conversam em frente ao crânio de Balerion.
Viserys (Paddy Considine) e Rhaenyra (Milly Alcock) conversam em frente ao crânio de Balerion sobre a profecia de Aegon I Targaryen, em “Heirs of the Dragon”, primeiro episódio de House of the Dragon. Foto: Ollie Upton/HBO.

Viserys diz o seguinte à filha:

Nossos registros históricos nos contam que Aegon olhou para o lado do Água Negra a partir de Pedra do Dragão e viu uma terra rica, pronta para ser capturada. Mas não só a ambição foi o que o motivou a conquistar. Foi um sonho. E exatamente como Daenys previu o fim de Valíria, Aegon previu o fim do mundo dos homens. Ele começará com um inverno terrível, que soprará do norte distante. Aegon viu uma escuridão absoluta sendo carregada por esses eventos. E o que quer resida ali, destruirá o mundo dos vivos. Quando esse Grande Inverno chegar, Rhaenyra, toda Westeros deverá combatê-lo. E se o mundo dos homens quiser sobreviver, um Targaryen deve estar sentado no Trono de Ferro. Um rei ou rainha fortes o bastante para unir o reino contra o frio e a escuridão. Aegon chamou seu sonho de “A Canção de Gelo e Fogo”. Esse segredo é passado de rei para herdeiro desde a época de Aegon. Agora você tem de me prometer carregá-lo e protegê-lo. Prometa-me, Rhaenyra. Prometa.

O motivo da fala gerar tanta polêmica é que nada disso está presente nos livros publicados por George R. R. Martin, muito menos tão abertamente e em tantos detalhes. Embora o próprio autor tivesse aludido a algo semelhante fora dos livros, mencionando como “especulação de muita gente” a ideia de Aegon ter previsto uma ameaça vinda do Norte e isso ter motivado a Conquista, num vídeo de marketing de 2018 para promover a publicação de Fogo & Sangue, o livro propriamente dito não faz menção a isso.

Isso por si só já seria motivo para questionamentos, mas eles surgiram também por conta das dificuldades logísticas que isso representaria, diante do que se sabe sobre a história dos Targaryen e sua nem sempre pacífica e tranquila sucessão. Quanto a Aegon ter passado o segredo para Aenys, seu herdeiro, não haveria problemas, mas como Maegor, que efetivamente tomou o Trono à força teria ficado sabendo da profecia? Maegor não teve herdeiros, sendo sucedido por Jaehaerys I, que era filho de Aenys, mas não seu herdeiro designado (que era Aegon). Em menos de 50 anos de dinastia, a transmissão do tal segredo já causava mais problemas e dúvidas, o que deixou diversos fãs reticentes quanto à questão.

Mesmo antes da estreia do primeiro episódio, porém, Ryan Condal já tinha sido rápido em tentar tranquilizar os leitores de que não estaria cometendo nenhuma “heresia” quanto ao cânone de As Crônicas de Gelo e Fogo (nas palavras dele mesmo). Em entrevista à Variety, que contou também com a presença de George R. R. Martin, Condal disse que aquilo vinha do autor dos livros. George não negou essa afirmação, dando respostas mais vagas sobre profecias em seus livros publicados e dando exemplos de Targaryens em suas obras que têm contato com elas, e dizendo que a questão será mais abordada nos livros seguintes.

O que não tinha ficado claro, no entanto, era o que exatamente tinha “vindo de George”. Seria toda a cena entre Viserys e Rhaenyra? Seria o envolvimento da adaga de osso de dragão e aço valiriano no segredo? Seria o legado transmitido de rei para herdeiro? Martin teria ativamente dado a ideia dos produtores inserirem isso na série? Após a exibição do episódio, porém, ficou claro que nada disso era o caso.

Ainda no Inside the Episode, featurette da HBO disponibilizado no YouTube logo após a exibição do episódio, em que os produtores comentam cenas e decisões da série, eles já haviam indicado que isso havia sido incluído por eles mesmos. Sapochnik diz o seguinte:

Viserys é obcecado com a ideia de que o fim do mundo pode estar logo ali na esquina. Sentimos que essa seria uma ótima maneira de acrescentar um certo peso à ideia de Rhaenyra se tornar rainha. Ao invés de querer fazer isso por ambição, ela estaria recebendo uma responsabilidade de unir todo mundo para combater o iminente problema dos Caminhantes Brancos — que, na verdade, sabemos que só apareceriam dali a 170 anos.

Condal completa:

Essa ideia de Aegon, que acreditava na Canção de Gelo e Fogo e acreditava na profecia que uniria o reino contra o frio e a escuridão vindos do Norte, ter imbuído seu segredo no aço da adaga valiriana… Nós achamos que seria uma maneira legal de ligar as duas séries [House of the Dragon e Game of Thrones].

Por essas falas já fica claro que havia uma intenção ativa por parte dos produtores de usar essa profecia para acrescentar uma motivação à personagem de Rhaenyra, e também uma motivação externa (ligar mais diretamente as duas séries da HBO) ao incluir a profecia na adaga que viria a causar a ruína do Rei da Noite da TV.

Na segunda-feira, 21, porém, as coisas ficaram ainda mais claras. Em matéria de Kim Renfro para a Insider, Condal revela que o que exatamente veio de George R. R. Martin não foi toda a profecia, mas apenas a menção a Aegon ser um “sonhador”, e todo o resto foi realmente inventado por ele e Sapochnik para a nova série. Ele explicou:

O detalhe que George nos deu bem no início do desenvolvimento da história foi que o próprio Aegon, o Conquistador, era um sonhador, e que foi isso que motivou a conquista. Ele mencionou isso casualmente na conversa, como geralmente faz com informações gigantes como essa.

Isso realmente mudou nossa forma de ver o reinado Targaryen e tudo que ele representava. O fato de Aegon ter esse conhecimento — ou acreditar ter, porque era só um sonho, não se sabe se vai acontecer —, mas ele ter empreendido a Conquista pensando ser um problema iminente. A ironia dramática disso é que sabemos que, com o intervalo de 300 anos, demora um bocado para essa profecia se tornar realidade.

Pegamos a ideia do George e a alteramos dramaticamente para House of the Dragon. A ideia de que em algum ponto na vida de Aegon, quando ele ficou mais velho, ele teria percebido que os Caminhantes Brancos não viriam “jantar” durante a vida dele.

Resolvemos que se ele acreditava nisso o bastante pra conquistar Westeros, certamente acreditaria o bastante pra passar adiante. Tornamos isso o legado que os Targaryen passam de rei a herdeiro, como lembrete de que o Trono é um privilégio e um dever, uma responsabilidade. É preciso melhorar o reino, fortalecê-lo e uni-lo mais, e não usá-lo para perseguir fins egoísticos. Vamos ver como isso se sustenta à medida que nossa história se desenvolve.

Fica bastante claro, assim, que George mencionou de passagem uma novidade que alterou a percepção dos produtores quanto ao próprio período (pseudo-)histórico que retratariam na TV, e que eles criaram uma mitologia própria envolvendo essa revelação a partir daí (provavelmente pelos motivos mencionados no vídeo do Inside the Episode). E é basicamente isso o que eles reiteram numa entrevista com o Den of Geek, também publicada no dia 21. Condal explica:

Isso veio do George. Não acho que teríamos mergulhado nisso sem falar com o George a respeito, mas foi uma coisa que o George, como ele com frequência faz, simplesmente mencionou casualmente bem no início do desenvolvimento da história… Ele nos contou que Aegon era um sonhador, e que foi essa a razão para ele decidir conquistar, e unir, Westeros. Ele é lembrado como conquistador, mas na verdade queria ser um unificador, e essa é a razão para ter abordado as coisas como abordou.

George é bem reservado quanto a essa parte da história e o que as pessoas sabem, e é claro que se isso é um segredo, os cronistas que escreviam [as fontes históricos de] Fogo & Sangue não necessariamente saberiam a respeito. Mas, sim, manter isso vivo, no mínimo até essa geração, foi algo muito atraente pra mim e pro Miguel, porque tinha uma ressonância. Estávamos procurando formas de, a despeito de haver 170 anos de história entre elas, criar uma ressonância com a série original. Não temos nenhum personagem que pode fazer essa ponte, não tem ninguém que dá pra surgir ali. Não vai haver uma jovem Velha Ama na série, 170 anos é muito tempo… Então a mitologia central da série original, manter aquilo vivo e a ideia de que alguém estivesse ciente daquilo, ou visto aquilo como uma visão 300 anos antes de acontecer, nos atraiu muito, e deu um ar bastante épico e apropriado para o mundo de Game of Thrones.

Basicamente, portanto, expande na explicação do Inside the Episode e confirma o dito à Insider: Sapochnik e ele extrapolaram a informação mencioanda de passagem por GRRM com o intuito de fazer uma ligação com a série principal. Sapochnik também fez comentários na mesma entrevista:

Queríamos manter viva a ideia de espiritualidade que havia na série original. Havia mitos, havia folclore, havia histórias, aranhas de gelo do tamanho de cães, etc., etc. Mas não temos essas coisas, então precisávamos achar algo em que pudéssemos sustentar a espiritualidade, que desempenha um papel tão grande. O destino e a sina são uma parte enorme essa história.

É bom lembrar, ainda, que George R. R. Martin não tem controle criativo nas séries das HBO que adaptam suas obras para a televisão, como ele mesmo reiterou em entrevista recente ao History of Westeros. Embora esteja envolvido na série como “produtor executivo”, ele não tem poder de veto nos roteiros (o que, na verdade é algo muito raro em Hollywood), que, ao final, ficam mesmo a cargo dos showrunners:

Não tenho nenhum controle criativo. Isso é a coisa mais difícil de se conseguir em Hollywood. Não importa qual seja o projeto, seja ele um filme ou pro cinema. É muito raro isso ser concedido.

É bem mais fácil Hollywood te dar mais dinheiro do que dar controle criativo. Você pode chegar nas negociações e dizer: “Sim, agradeço por vocês me pagarem 8 milhões de dólares, mas eu queria controle criativo também”. E aí eles dizem: “Que tal 10 milhões? Haha.” Eles preferem dar milhões de dólares do que qualquer controle criativo.

[…]

O que tenho é influência. Tenho influência criativa, mas isso depende em grande parte do relacionamento entre mim e os showrunners e tal. Posso oferecer argumentos, posso argumentar e eles podem escutar, mas se eles decidirem não escutar, posso tentar persuadi-los. Não tenho poder para contratar ou demitir. Não tenho poder para ditar os rumos das coisas, mas o que tenho é: se eles me escutarem, posso ser bem persuasivo e conheço o material muito bem. Então tem isso, e isso sempre muda.

O que isso tudo significa, então? Que George R. R. Martin revelou concretamente, de passagem, uma informação nova para os showrunners de House of the Dragon sobre Aegon I ser um “sonhador” e isso ter motivado a Conquista dos Sete Reinos. Por sua vez, os produtores viram nessa revelação uma oportunidade de estabelecer uma ponte com Game of Thrones (algo que já queriam fazer), e trazer outras consequências para o roteiro, e por conta própria inseriram a ideia na nova série.

Pelas declarações de Condal, que mais de uma vez disse que Martin comentou sobre isso casualmente, o autor não sugeriu ativamente que isso fosse incluído na nova série, nem especificou todos os detalhes dessa profecia como ela foi retratada na TV (com a transmissão de um legado secreto, a gravação do segredo na adaga de aço valiriano e osso de dragão e tudo o mais).

George R. R. Martin disse que as profecias serão abordadas em mais detalhes nos livros futuros, mas é possível afirmar com um certo grau de certeza que haverá diferenças em relação ao que foi retratado em House of the Dragon, não só pelas falas de Condal, mas porque até um elemento aparentemente crucial para a questão na TV não tem nem de perto a mesma importância nos livros: a adaga de aço valiriano e osso de dragão.

O que acharam das explicações de Condal e Sapochnik para a inclusão da profecia na série? Deixem suas opiniões nos comentários!

Voltaremos com novas informações conforme novidades surgirem. A equipe do site comenta House of the Dragon semanalmente no podcast Canções de Gelo e Fogo.