Olá, leitor e leitora! Esta é a 18ª edição de Assim Falou Martin, a seção do Gelo & Fogo em que trazemos declarações e respostas de George R. R. Martin, autor de As Crônicas de Gelo e Fogo. Os registros originais, em inglês, são do Westeros.org, que gentilmente autorizou que os traduzíssemos para o português.

Os relatos publicados hoje são de maio de 2000, e são todos correspondência de George R. R. Martin com fãs. Em itálico, as perguntas dos leitores, e em texto normal, as respostas de George. Ao final, alguns comentários meus sobre as questões e respostas.

Para acessar a coleção completa de AFMs já publicados, com registros desde outubro de 1998, clique aqui. Boa leitura!

Pontos de vista e o Víbora Vermelha

Correspondência com fã, enviada por Moreta. 13 de maio de 2000.

Eu queria saber se você pode nos dizer quem é o personagem ponto de vista principal em A Tormenta de Espadas. Por exemplo, Ned foi o principal em A Guerra dos Tronos e Tyrion em A Fúria dos Reis.

Arya tem muitos capítulos, mas alguns são curtos. Tyrion e Jon podem na verdade ter mais páginas, não contei. Não penso nisso em termos de “ponto de vista principal”.

Por que Oberyn Martell é chamado de Víbora Vermelha? É por ser um guerreiro renomado? É um apelido legal.

A história toda é relatada em A Tormenta de Espadas, mas brevemente, ele disputou um duelo por uma mulher quando era jovem, o adversário morreu dos ferimentos, e posteriormente alegou-se que ele havia envenenado a espada.

Por último, por que Lorde Tywin nunca se casou de novo depois que a esposa morreu? Ele certamente teve inúmeras oportunidades de fazê-lo, não é? Obrigado.

Talvez ele não quisesse.

Mercenários

Correspondência com fã, enviada por Ben. 13 de maio de 2000.

Tenho só uma perguntinha com a qual espero que possa me ajudar. Se não puder, tudo bem, entendo que você é ocupado. Na sua série As Crônicas de Gelo e Fogo, qual é a diferença entre um mercenário (“sellsword”) e um cavaleiro livre (“freerider”)?

Sellswords e mercenários são a mesma coisa. Eles podem ou não estar montados, mas seja a cavalo ou a pé, eles lutam por ordenado. A maioria deles costuma ser soldados profissionais experientes. Não se tem muitos mercenários jovens e verdes – há alguns, sem dúvida, mas não muitos. É uma profissão que alguém tende a escolher depois de experimentar algumas batalhas e descobrir que é bom em combate.

Segundos Filhos
Os Segundos Filhos. Arte: Ignacio Lazcano. © Fantasy Flight Games.

Há mais mercenários no lado leste do mar estreito do que em Westeros. As Cidades Livres fizeram muito uso de mercenários durante séculos, para combater em suas intermináveis guerras nos Degraus e nas Terras Disputadas. Por lá, os soldados mercenários são organizados em companhias estabelecidas há muito tempo, as companhias livres – os Bravos Companheiros são um exemplo, embora repugnante. Você conhecerá mais duas companhias mercenárias em A TORMENTA DE ESPADAS, os Corvos Tormentosos e os Segundos Filhos. E há outras. A Companhia Dourada é a maior e mais famosa, fundada por um dos bastardos de Aegon, o Indigno. Você só os conhecerá em A DANÇA DOS DRAGÕES.

Os cavaleiros livres (“freeriders“)… bem, esse é um termo mais amplo e mais restritivo ao mesmo tempo. É mais restritivo no sentido de que exclui soldados a pé. Precisa-se de um cavalo para ser um cavaleiro livre. Por outro lado, mais amplo.

Os cavaleiros livres são guerreiros montados que não são parte do séquito de um lorde ou de seus recrutas feudais. Alguns são veteranos, certamente, mas também há recrutas verdes e não-treinados, meninos da fazenda em cavalos de tração, homens despojados pelas guerras, é um pacote bem misturado. Via de regra, eles não recebem ordenado. Alguns lutam pelo saque, é claro. Outros talvez para impressionar um lorde ou cavaleiro, esperando serem chamados a servir sob ele permanentemente. Para muitos é simplesmente um meio de subsistência. Se a guerra varre sua aldeia, se sua casa é queimada e suas plantações são roubadas ou destruídas, você pode se esconder nas ruínas e morrer de fome, fugir para a cidade mais próxima em busca de refúgio, ir para os bosques e viver como um proscrito (os que fazem isso frequentemente são chamados “homens quebrados”)… ou você pode selar seu cavalo, se tiver a sorte de ter um, e juntar-se a um exército ou outro. Se o fizer, será um cavaleiro livre. Fazer parte de um exército pelo menos aumenta as chances de se alimentar.

Há todos os tipos de cavaleiros livres, variando de aventureiros errantes que são praticamente cavaleiros andantes (falta-lhes apenas o título de cavaleiro) aos supramencionados meninos da fazenda em carroças. A maioria é usada como batedores, exploradores, forrageadores e cavalaria leve.

Obviamente há uma certa coincidência entre os termos. Um homem a cavalo que luta por dinheiro poderia ser chamado tanto de cavaleiro livre quanto de mercenário.

Os dois termos carregam um certo estigma em Westeros. Diz-se que os mercenários não têm lealdade, e os cavaleiros livres não têm disciplina.

Dragon Lore. Arte: Tiziano Baracchi. © Fantasy Flight Games.

Conhecimento sobre dragões

Correspondência com fã, enviada por Benjen. 19 de maio de 2000.

Olá! Espero que esteja tudo bem com você, e que as queimadas sejam longe de onde você mora.

Longe o bastante para que não tenham me evacuado, mas mais perto do que eu gostaria.

Falando em fogo, ao discutir Daenerys e os dragões com outros fãs, uma pergunta surgiu. Quanto tempo demora para um dragão “amadurecer”?

Boa pergunta.

Em que lugar, se houve algum, acumulou-se conhecimento sobre dragões?

Valíria. A Cidadela. Pedra do Dragão. Provavelmente algumas das Cidades Livres também. Talvez Asshai, no extremo oriente.

Estou empolgado para ler A Tormenta de Espadas, e espero ter a oportunidade de participar de uma sessão de autógrafos ou de leitura em algum lugar na minha região (DC).

Parece que vou fazer uma turnê em novembro, mas não sei a quais cidades vão me mandar.

Marei. Arte: Kiera Embers.

Filha de Tyrion e o Myraham

Correspondência com fã, enviada por Emilie. 25 de maio de 2000.

Estou com a pulga atrás da orelha há um tempo, então tenho de perguntar…
1) Marei (a menina no bordel da Chataya) é filha de Tyrion e de Tysha (minha única evidência é que ela tem a idade certa, olhos verdes e cabelo dourado-platinado)?

Se ela fosse filha de Tyrion, dificilmente eu revelaria isso em uma correspondência. Sinto muito.

2) Algum dia veremos a filha do capitão novamente? Refiro-me à que Theon maltratou depois de transar com ela.

Bem, o Myraham e o capitão aparecem brevemente em A TORMENTA DE ESPADAS. Não digo mais nada além disso…

3) Você vai escrever mais histórias de Dunk e Egg em breve?

Eu quero escrever. É questão de arrumar tempo. No momento eu não tenho.

Depois de Renly

Correspondência com fã, enviada por Kay-Arne Hansen. 31 de maio de 2000.

Em A Fúria dos Reis, quando Renly descobre o cerco de Stannis a Ponta Tempestade, ele se apressa até lá com sua cavalaria – que era composta tanto de cavaleiros de Ponta Tempestade quanto da Campina, certo?

Certo. A maior parte da cavalaria, de qualquer forma. Ele deixou alguns para trás.

E presumi que a infantaria de Ponta Tempestade foi deixada para trás com a infantaria da Campina, lá em Ponteamarga, certo?

Certo de novo.

Então, quando Sor Parmen Crane e aquele Florent foram mandados atrás da infantaria e nunca voltaram, foi porque Loras et al apareceram lá primeiro. O que me pergunto é o que houve com a parte da infantaria de Ponteamarga que era das Terras da Tempestade. Descobrimos que Randyll Tarly “tornou-se senhor das reservas de Renly” e passou muitos Florents na espada, mas e quanto aos Senhores da Tempestade que continuaram lá para liderar seus contingentes de infantaria? Eles foram capturados, debandaram, ou foram convencidos a juntarem-se contra Stannis? Houve batalha?

A maioria dos senhores da tempestade partiu com Renly. Eles estavam montados, afinal – cavaleiros e grandes senhores – e queriam uma parte da glória de destruir Stannis. A infantaria em Ponteamarga foi deixada nas mãos de senhores menores, filhos mais novos, capitães, sargentos etc. Definitivamente era a divisão menos encantadora.

Seria um exagero tremendo dizer que houve batalha, mas definitivamente houve muita confusão e conflito quando a notícia da morte de Renly chegou a eles. Naquele momento – e nos dias que se seguiram, quando enviados rivais começaram a chegar – a infantaria de Renly deixou de ser um todo e tornou-se mais um ajuntamento de forças de recrutas feudais, cada uma delas decidindo por si só o que faria então. Pode-se presumir que houve combates. Pode-se presumir que muitos simplesmente decidiram ser um bom momento para voltar para casa. Mas a maioria deles, no final das contas, acabou na aliança Tyrell-Lannister.

Crane e Florent atualmente são cativos em Jardim de Cima, aliás.

Host of Bitterbridge
A hoste de Ponteamarga. Arte: Tomasz Jedruszek. © Fantasy Flight Games.

Lançamento de A Tormenta de Espadas

Correspondência com fã, enviada por Green Gerg. 31 de maio de 2000.

Ran [Elio] e outros no fórum de ASOIAF estão bem confiantes de que as revisões e etc. de A Tormenta de Espadas vão terminar a tempo da data de julho de 2000 anunciada pela Amazon UK. Você acha que terá saído na Inglaterra em julho?

Sim. A HarperCollins vem me chicoteando implacavelmente, e acelerando tudo em um ritmo assombroso. A composição tipográfica já foi feita, e eu acabei de terminar as galés. Jim Burns terminou a arte de capa há tempos.

Na verdade, a edição de capa dura britânica estava na posição 132 do ranking de vendas da Amazon.UK na última vez que olhei, e ainda faltam seis semanas para a data de publicação.

Uma observação interessante: vamos ter dois conjuntos de mapas diferentes desta vez. Em A GUERRA DOS TRONOS, a Harper usou os mapas da Bantam. Em A FÚRIA DOS REIS, porém, a data de publicação da Harper foi tão adiantada em relação à da Bantam que eles não receberam as atualizações a tempo, e assim só a Bantam ficou com os mapas novos. Para evitar isso desta vez, a Harper vai fazer os próprios mapas.

Os dois conjuntos de mapas vão ser baseados nos meus originais, é claro, mas artistas diferentes vão pô-los em ordem e redesenhá-los para publicação, de forma que eles podem ter aparências um tanto diferentes. Serão quatro mapas: versões atualizadas do Norte e do Sul, com lugares novos e detalhes acrescentados, e novos mapas da Muralha e seus arredores, e uma parte do continente oriental.

Quanto às minhas férias… vou à Westercon, no Havaí, em 4 de julho. Espero estar tranquilo até lá.

Não é incomum que muitos leitores insistam em estabelecer protagonistas para os livros individuais. Embora seja inegável que alguns personagens tenham mais proeminência em alguns dos volumes de As Crônicas de Gelo e Fogo e que haja mesmo uma certa hierarquia entre os POVs, a resposta de George R. R. Martin à pergunta do leitor Moreta deixa claro que ele não escreve pensando nesses termos.

A pergunta sobre os mercenários (“sellswords“) e cavaleiros livres (“freeriders“) gerou uma resposta bastante longa de Martin, e de fato é de algum interesse. No português, talvez ela seja ainda mais relevante pois há uma segunda distinção a ser feita. O termo “cavaleiro” serve para designar tanto um homem que monta um cavalo (genericamente) quanto um que ostenta especificamente o título de cavalaria. A resposta de GRRM deixa claro que os “cavaleiros livres” (freeriders, no original) não têm o título de cavaleiros.

Para os leitores brasileiros, a situação torna-se ainda mais curiosa, por conta de inconsistências na tradução dos livros. De A Guerra dos Tronos a O Festim dos Corvos (os livros que foram publicados no Brasil com a tradução de Jorge Candeias adaptada para o português brasileiro), o termo “freerider ” foi traduzido como “cavaleiro livre”, e “mercenary” e “sellsword” ficaram como “mercenário”.

Em A Dança dos Dragões (que teve tradução direta para o português brasileiro assinada por Marcia Blasques), as coisas mudaram. À parte por uma única ocasião em que “freerider” foi traduzido genericamente como “homem”, a solução adotada foi “mercenário” nas outras ocorrências da palavra. A explicação de Martin, no entanto, deixa suficientemente claro: pode haver interseção entre a figura do freerider e a do sellsword (ou mercenary) em alguns casos, mas eles não são estritamente a mesma coisa. Assim, a decisão de chamar os primeiros de “mercenários” torna-se inadequada (e ainda mais por já haver um termo estabelecido nos volumes anteriores).

A questão sobre o amadurecimento dos dragões é bastante curiosa também, bem como o silêncio da resposta de Martin. Não apenas os dragões de Daenerys estavam longe de serem montáveis à época da resposta, como talvez o autor sequer tivesse pensado muito a esse respeito (não havia ainda histórico sobre os dragões durante o reinado Targaryen, afinal). Nessa época ele provavelmente ainda planejava o salto de cinco anos, o que foi abolido posteriormente.

A resposta evasiva de GRRM sobre a possibilidade de Marei ser filha de Tyrion também é curiosa. Não acho especialmente que ela seja mesmo filha dele, pois não houve dicas ou menções posteriores a esse respeito, mas uma possibilidade interessante, aventada por alguns leitores, é a de que a menina fosse na verdade filha de Tywin. Posteriormente a essa pergunta, os leitores descobriram que Tywin relacionava-se com Shae, o que levou alguns a acreditarem que ele já tinha histórico de relações com prostituas anteriormente e havia sido o responsável pela construção da passagem secreta que levava ao bordel de Chataya. Isto, somado à aparência Lannister de Marei, o tornaria um candidato a pai mais forte que o filho.

Chegamos ao final da 18ª edição de Assim Falou Martin. A caixa de comentários para discussão das falas de GRRM está aberta abaixo. Para acessar a coleção completa de AFMs, clique aqui. A edição 19 está a caminho.