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Com quase uma hora de duração, o terceiro episódio da quinta temporada de Game of Thrones, dirigido pelo estreante no time Mark Mylod e, mais uma vez, escrito por David Benioff e D. B. Weiss, cobriu os capítulos Arya I (O Festim dos Corvos, pág. 81), Cersei III (OFdC, pág 152), com referências a Brienne III e IV (OFdC, pág 175 e pág 244), Arya II (OFdC, pág 272), Jon II (A Dança dos Dragões, pág 88) Tyrion VI (ADdD pág 241) e O Príncipe de Winterfell (ADdD, pág 415).

Existe apenas um deus

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De todos os núcleos apresentados nesse episódio, os de Arya e Jon foram aqueles que se mantiveram mais fiéis ao que lemos nos livros. A começar pela Casa do Preto e Branco, que ficou bem semelhante à descrição vista em O Festim dos Corvos. Pra falar a verdade, o set funcionou mais como uma versão “em menor escala” do templo, com menos pessoas e menos deuses, afinal, George R. R. Martin não teve que se preocupar com orçamento ao escrever o livro.

A cena inicial, além de muito bem ambientada, foi bem roteirizada e executada, com uma grata alusão a Syrio Forel na fala de Jaqen quando ele diz que existe um único deus, um deus que Arya conhece muito bem.

Foi só impressão minha ou, no geral, o episódio teve um tom bastante religioso? A mística meio franciscana da servidão, de que todos precisam começar por baixo – como Arya, varrendo o chão do templo – assenta bem com o tema. E também justifica o “valar dohaeris” que os personagens da série vivem dizendo por qualquer coisa.

Foi engraçado ver que, na adaptação, transformaram a Criança Abandonada em uma segunda Myranda, cuja a única função parece ser antagonizar uma das irmãs Stark. Os criadores gostam mesmo de replicar as coisas que eles inventam.

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O momento em que Arya se livra de seus pertences, mas não consegue se livrar da Agulha, foi certamente um dos mais bonitos de toda a série. O tema dos Starks (alguma variação da música “Goodbye Brother) foi introduzida em tempo, para que o público tivesse uma noção das lembranças que a espada carrega. Não que isso fosse realmente necessário. A atuação impecável de Maisie Williams era o suficiente.

“A Agulha era Robb, Bran e Rickon, a mãe e o pai, até Sansa. Agulha era as muralhas cinzentas de Winterfell, e o riso do seu povo. Agulha era as neves de verão, as histórias da Velha Ama, a árvore-coração com suas folhas vermelhas e seu aspecto assustador, o cheiro quente de terra dos jardins de vidro, o som do vento do norte estremecendo as janelas do seu quarto. Agulha era o sorriso de Jon Snow. Ele costumava despentear meus cabelos e me chamar de “irmãzinha”, recordou, e de repente lágrimas brotaram em seus olhos.
Polliver roubara-lhe a espada quando os homens da Montanha a tinham feito cativa, mas quando ela e Cão de Caça entraram na estalagem no entroncamento, ali estava ela. Os deuses quiseram que eu ficasse com ela. Não os Sete, nem Aquele das Muitas Faces, mas os deuses do pai, os velhos deuses do Norte. O Deus das Muitas Faces pode ficar com o resto, pensou, mas não pode ficar com isto.”

Quem dita a sentença, deve brandir a espada

Na série, Stannis foi muito mais receptivo à recusa de Jon do que no livro – o que tornou os “panos quentes” de Davos um pouco desnecessários. Mas nós sabemos que, em “A Dança dos Dragões”, o Cavaleiro das Cebolas está longe da Muralha, procurando o apoio dos Senhores do Norte para a causa de Stannis. Então é natural que criem esse tipo diálogo para ele tenha algo a dizer. Afinal, se existe algo que Davos sabe fazer melhor do que navegar, é dar conselhos e se desculpar pela rigidez do rei que serve. E a busca por Rickon? Bem, com Sansa viva em Winterfell, eu me pergunto se o garoto será mesmo necessário.

Essa primeira cena em Castelo Negro também confirma aquilo que todos já esperávamos: o menino Olly substituirá Cetim como intendente de Jon. Eu não posso dizer que Cetim é um personagem importante, ou que vá fazer muita falta pelos seus feitos, mas ter um ex-prostituto servindo na Patrulha certamente acrescentaria mais à história e aos personagens do que ter um outro camponês, vítima dos selvagens.

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A execução de Janos Slynt foi um verdadeiro deleite. Não só pelo fato de Jon finalmente ter se livrado do homem que traiu seu pai, assassinou os bastardos de Robert na segunda temporada e ainda se escondeu covardemente quando o exército de Mance Rayder atacou a Muralha, mas também porque a sequência foi basicamente (basicamente) aquilo que lemos em Jon II:

“- Lorde Janos – Jon disse – vou lhe dar uma última chance. Abaixe a colher e vá para os estábulos. Seu cavalo já está com sela e freio. É um longo e difícil caminho para Guardagris.
– Então é melhor se colocar a caminho, garoto. – Slynt riu, com mingau escorrendo pelo peito. – Guardagris é um bom lugar para pessoas como você, estou pensando. Bem longe de gente decente e boa. A marca da besta está em você, bastardo.
– Está se recusando a obedecer minha ordem?
– Você pode enfiar sua ordem no seu rabo bastardo – disse Slynt, com a papada tremendo.
Alliser Thome deu um tênue sorriso, os olhos negros fixos em Jon. Em outra mesa, Godry, o Matador de Gigantes, começou a rir.
– Como desejar. – Jon acenou para Emmett de Ferro. – Por favor, leve Lorde Janos para a Muralha …
… e confine-o em uma cela de gelo, ele poderia ter dito. Um dia ou dez apertado dentro do gelo, e ele ficaria trêmulo e febril, implorando para ser libertado, Jon não tinha dúvidas. E no momento em que estivesse fora, ele e Thome começariam a tramar novamente.
… e amarre-o ao seu cavalo, ele poderia ter dito. Se Slynt não desejava ir para Guardagris como comandante, poderia ir como cozinheiro. Mas seria apenas questão de tempo até que ele desertasse. E quantos outros levaria com ele?
… e enforque-o, Jon completou.
O rosto de Janos Slynt ficou branco como leite. A colher caiu de seus dedos. Edd e Emmett cruzaram o salão, seus passos ecoando no chão de pedra. Bowen Marsh abriu e fechou a boca, mas as palavras não saíram. Sor Alliser Thome alcançou o punho da espada. Vamos lá, Jon pensou. Garralonga estava pendurada em suas costas. Mostre seu aço. Me dê motivo para fazer o mesmo.
Metade dos homens no salão estava em pé. Cavaleiros sulistas e homens em armas, leais ao Rei Stannis ou à mulher vermelha, ou a ambos, e Irmãos Juramentados da Patrulha da Noite. Alguns haviam escolhido Jon para ser Senhor Comandante deles. Outros haviam colocado suas pedras para Bowen Marsh, Sor Denys Mallister, Cotter Pyke … e alguns para Janos Slynt. Centenas deles, se me lembro bem. Jon se perguntava quantos deles estariam naquele porão. Por um momento, o mundo ficou equilibrado no fio da espada.
Alliser Thome tirou a mão da espada e deu um passo para trás, para deixar Edd Doloroso passar.
Edd Doloroso segurou Slynt por um braço, Emmett de Ferro pelo outro. Juntos, arrancaram-no do banco.
– Não! – Lorde Janos protestou, cuspindo mingau. – Não! Solte-me. Ele é só um garoto, um bastardo. O pai dele era um traidor. A marca da besta está nele, aquele lobo … Soltem-me! Vão lamentar o dia que colocaram as mãos em Janos Slynt. Tenho amigos em Porro Real. Estou avisando. – Ele ainda estava protestando, conforme eles meio andavam, meio o arrastavam pelos degraus.
Jon os seguiu para fora. Atrás dele, o porão havia se esvaziado. Na gaiola, Slynt conseguiu escapar por um momento e tentou lutar, mas Emmett de Ferro o pegou pela garganta e apertou-o contra as barras de ferro até que desistisse. Nesse momento, todo o Castelo Negro já estava do lado de fora para assistir. Até Val estava em sua janela, com a longa trança dourada em um ombro. Stannis estava em pé nos degraus da Torre do Rei, cercado por seus cavaleiros.
– Se o rapaz acha que pode me assustar, está enganado – ouviram Lorde Janos dizer. – Ele não ousará me enforcar. Janos Slynt tem amigos, amigos importantes, vocês verão … – o vento levou embora o resto de suas palavras.
Isto está errado, Jon pensou.
– Pare.
Emmett virou-se, franzindo a testa.
– Senhor?
– Não vou enforcá-lo – Jon disse. – Traga-o aqui.
– Oh, os Sete nos salvaram – ele ouviu Bowen Marsh gritar.
O sorriso que Lorde Janos Slynt deu tinha toda a doçura de manteiga rançosa. Até que Jon disse:
– Edd, traga-me um bloco – e desembainhou Garralonga.”

Seria ótimo ver o sorriso de manteiga rançosa do Janos antes de ter a cabeça decepada, ou ver Jon mudar de ideia e seguir o mesmo método do pai na hora da execução, mas foram cortes compreensíveis considerando o tempo disponível para que a cena fosse introduzida no episódio.

Stannis parece ter aprovado.

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Muitas pessoas compararam essa cena à execução de Mossador em “The House of Black and White” e até à de Lorde Rickard Karstark em “Kissed by Fire”. Curiosamente, as opiniões das pessoas divergem bastante nesses três casos. Jon é geralmente exaltado enquanto Dany e Robb são criticados, mesmo levando em conta que Mossador, assim como o Karstark, foi executado por assassinato e traição, enquanto Janos perdeu a cabeça por ser burro e covarde. É meio difícil dizer precisamente quem agiu certo e quem agiu errado. A própria série parece ter favorecido Jon nesse julgamento, visto que ele conseguiu a aprovação dos patrulheiros ao matar Slynt, enquanto os outros foram rejeitados por seus seguidores.

Enquanto Arya se tornou “ninguém”, Jon decidiu continuar como Snow, agora Senhor Comandante da Patrulha. No entanto, as cenas da execução de Janos e da Agulha mostram que ambos continuam sendo Starks, mesmo que, por motivos diferentes, tenham decidido colocar esse nome de lado.

Pecados da carne

Por falar nos Starks, é uma surpresa ver um deles retornando a Winterfell, principalmente por causa das condições apresentadas.

Todo mundo aqui sabe que, em “A Dança dos Dragões”, quem se casa com Ramsey é Jeyne Poole – amiga de Sansa e filha do intendente de Winterfell, Vayon Poole. Ela se passa por Arya Stark em um plano também arquitetado por Mindinho para cimentar o domínio dos Boltons no Norte, com o apoio dos Lannisters, é claro.

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Quando entrevistados a respeito dessa mudança, David e Dan disseram que estavam planejando tudo desde a segunda temporada, e que queriam substituir Jeyne Poole por uma personagem amada pela audiência. É até compreensível que eles não quisessem mostrar Sansa aprendendo com Mindinho no Ninho da Águia por uma temporada inteira, assim como decidiram deixar de fora o “treinamento” de Bran. Mas existem diversos motivos pelos quais Sansa não pode ser comparada a uma “Falsa Arya” (e eles sabem disso):

  1. Sansa já é casada com Tyrion, um Lannister acusado de um crime pelo qual ela também está sendo procurada. E vamos combinar que não é um crime qualquer. É regicídio. Essa é uma das razões pelas quais Sansa passa o Festim dos Corvos inteiro trancada no Ninho da Águia, com o cabelo pintado, e o nome Alayne. Aliás, por que ela continua com os cabelos pintado na série?
    Pelo menos os roteiristas foram honestos a ponto de escrever aquela cena onde Mindinho e Roose Bolton discutem a aliança (e o casamento com Tyrion). Mas mesmo a desculpa de que os Lannisters estão enfraquecidos com a morte de Tywin e de que os exércitos do Norte e do Vale ajudaram a derrubar a maior dinastia existente (os Targaryens), o que também é verdade nos livros, ficou um pouco difícil de engolir.
  2. Diferente de Jeyne, Sansa é uma verdadeira Stark. Isso pode significar vários problemas para Roose Bolton se Ramsay, de repente, resolver maltratar sua nova esposa diante dos antigos vassalos de Eddard. Essa questão é levantada nos livros quando a Senhora Dustin diz que os gritos de “Arya Stark” seriam mais perigosos do que o exército de Stannis.
    Sabemos que haverá uma cena polêmica envolvendo esse núcleo na quinta temporada e, mesmo que Ramsay tenha prometido nunca machucar a futura esposa… Nós sabemos que a carne do bastardo é fraca.

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De todos os personagens que sofreram com esse novo arco da Sansa, Lorde Petyr Baelish deve ter sido o mais atingido. Como é possível que ele não saiba nada a respeito das atrocidades cometidas por Ramsay Bolton?

Nos livros, a primeira vez que ouvimos falar de Ramsay Snow é quando os nortenhos contam a história de seu casamento com a Senhora Hornwood, que ele trancou numa torre até que ela comesse os próprios dedos de tanta fome, e ainda é suspeito de ter envenenado o filho legítimo de Roose, Domeric. Na série, a infâmia do bastardo nunca foi tão difundida, mas se existe alguém que deveria, no mínimo, suspeitar de alguma coisa, esse alguém seria Mindinho. Por outro lado, se ele soubesse que Ramsay caça mulheres na floresta como passatempo, ele jamais aceitaria casar Sansa com outro monstro e, consequentemente, essa aliança, como nos livros, não existiria.

Infelizmente, não é a primeira vez que um personagem é descaracterizado em prol do roteiro.

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Essa deve ter sido a primeira vez na temporada em que eu realmente gostei de uma cena envolvendo Brienne e Podrick, onde eles não só tiveram espaço para desenvolver a relação, como ainda ganharam um novo rumo.

Nos livros, nós conhecemos sor Hyle Hunt, um dos cavaleiros que participaram da aposta envolvendo a virgindade da Donzela de Tarth, e que mais tarde acaba acompanhando ela e Podrick na busca por Sansa. Diferente da história contada na série, a aposta aconteceu quando os nobres da Campina das Terras da Tempestade se reuniram no acampamento de Renly durante a Guerra dos Cinco Reis, e não em um baile presidido por Lorde Selwyn.  A dança com Renly também aconteceu em um contexto completamente diferente, mas eu gostei de como isso foi usado para lembrar, e até engrandecer, o irmão de Stannis.

O passado de Podrick também foi praticamente tirado das páginas do Festim, assim como a decisão de Brienne em treinar o garoto com a espada. Tudo isso acontece em Brienne III, quando os dois estão passando por Lagoa da Donzela, que fica a quilômetros de Fosso Cailin, onde eles estão agora na série.

Sem Coração de Pedra, Randyll Tarly, Hyle Hunt e tantos outros, eu fiquei preocupado que Brienne e Podrick fossem ficar perdidos na série por muito mais tempo. Ir para Winterfell resgatar Sansa, possivelmente desempenhando o papel de Mance Rayder e suas esposas de lança (que não estarão na série) e buscar vingança pela morte de Renly (algo bem possível, já que ela e Stannis agora estão indo para o mesmo lugar) pode não ser aquilo que nós esperávamos para a dupla, mas já é alguma coisa.

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Ao menos esses desvios nos proporcionaram boas cenas.

Alfie Allen entende tanto o Fedor, que manda bem na interpretação mesmo sem dizer uma palavra. O trecho em que ele assiste dois corpos esfolados serem pendurados nos portões pode ou não ser uma referência aos posseiros que Roose Bolton mata (mas não esfola) quando ele chega ao castelo no capítulo O Príncipe de Winterfell, mas certamente foi uma referência ao que Theon fez com os filhos do fazendeiro em “A Man Without Honor”.

A performance de Sophie Turner quando Sansa sorri ao encontrar o assassino do irmão cara a cara também foi incrivelmente poderosa. E quem não sentiu um arrepio quando aquela senhora repetiu a famosa frase “O Norte se Lembra”? Nós lembramos também. 

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Rei tartaruga

Se para os dothrakis, um casamento com menos de três mortes é considerado tedioso, imaginem um com menos de três minutos.

É claro que o casamento de Margaery e Tommen não precisava demorar muito mais do que isso, ainda mais sendo, propositalmente, uma cópia do casamento de Joffrey. A forma como as cenas da cerimônia no Grande Septo e da noite de núpcias se intercalaram – explorando um pouco da dicotomia sagrado x profano, foi perfeita. Aliás tivemos muito disso em “High Sparrow”: cortes rápidos e precisos, bem diferente daqueles que vimos nos dois episódios anteriores. Reparam em como alguns segundos de áudio geralmente se adiantavam para anunciar a cena seguinte?

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Como eu disse nas minhas últimas análises, o fato de que Tommen teve a idade aumentada e é um verdadeiro personagem na série, traz uma diversos problemas para o núcleo de Porto Real, principalmente no que diz respeito a Cersei no exercício de sua regência.

Se o Tommen da série tem idade suficiente parar consumar o casamento com Margaery, ele tem idade suficiente para reinar, o que faz de Cersei não mais do que uma Rainha-Mãe, como a própria Margaery fez questão de apontar na cena em que as duas trocam falsas cortesias. A Cersei dos livros jamais aceitaria tais insultos, pelo menos não daquela maneira apática, quase amedrontada. Ainda mais sabendo que Margaery está usando seu próprio filho para eliminá-la. Claro que a Cersei da série poderia estar jogando, fingindo fragilidade, mas a atuação da atriz deixou a impressão de que ela foi realmente atingida pelo golpe.

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Enquanto nos livros Margaery usa gatinhos para manipular um Tommen de 8 anos, na série ela usa outro tipo de arma. Uma arma que, segundo a própria Cersei, é a mais poderosa das mulheres. As palavras também ajudam, é claro. Incrível ver como a nova rainha consegue exercer poder sobre Tommen, fazendo ele acreditar que é o rei “metade veado, metade leão”, quando na verdade não passa de um filhote.

Mesmo que o Tommen da série seja mais velho (tem 17 anos, como o intérprete afirmou durante a premiere da temporada), foi um pouco estranho assistir aquela cena. Repararam como Margaery evita beijar o marido? Eu só posso imaginar como a atriz deve se sentir desconfortável durante as gravações, ao contrário do garoto, evidentemente, que está realizando o sonho de qualquer um naquela idade. Ainda assim vai ser interessante seguir a vida conjugal dos dois – coisa que, nos livros, só acompanhamos através dos olhares desconfiados de Cersei.

Desde sua estreia na segunda temporada, a Margaery da série se mostrou muito mais ambiciosa e envolvente. Natalie Dormer dispensa elogios. Talvez seja uma mudança inteligente dar a ela certas vantagens para que essa guerra entre rainhas seja menos… fria.

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A cena de humilhação do Alto Septão foi uma boa prefiguração daquilo que aguarda Cersei.

Outro momento em que a ausência do rei, mais uma vez, pareceu estranha, foi na reunião do Pequeno Conselho. Estariam ele e a esposa quebrando um novo recorde?

A encenação dos “Sete” no bordel de Mindinho foi, provavelmente, a cena de nudez mais bem-sucedida da série, além de levantar, mais uma vez, o mote religião x pecado, que parece ter sido o tema central do episódio – especialmente na capital, onde vivem “pilares da sociedade” como Cersei, a rainha incestuosa ; Pycelle, que de tão culpado, defendeu o Septão em seus “assuntos privados”; e Qyburn, com experimentos que desafiam o próprio Deus de Muitas Faces.

(Aquela cena no laboratório provavelmente confirma a teoria acerca da identidade de Robert Forte, certo? Se é que alguém ainda tinha dúvidas.)

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Mas é justamente a ausência de Tommen que deixa espaço para a Cersei de “O Festim dos Corvos” aparecer um pouco mais na TV. No romance, Cersei ordena o assassinato do Alto Septão, já que ele foi apontado para o cargo durante o mandato de Tyrion como Mão do Rei. Ela também não vai ao Alto Pardal até que um substituto é escolhido, e só o faz quando deseja discutir as dívidas da coroa. Notavelmente, a dívida não é a preocupação mais importante da rainha na adaptação. Em vez disso, o foco dela continua sendo estabelecer-se no poder, removendo todos os Tyrells que estiverem no caminho.

Jonathan Pryce é, sem sombra de dúvida, a melhor adição ao elenco dessa temporada. Eu estava ansioso para vê-lo como o Alto Pardal, e não me desapontei. O diálogo com Lena Headey, que vem melhorando a cada episódio, foi um dos pontos mais altos de “High Sparrow”. Não foi à toa que o capítulo recebeu esse nome.

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Quem nunca quis conhecer a Salvadora?

Ainda que não tenha aparecido no episódio, é impressionante como Daenerys teve uma presença forte dentro dele. Nos livros, em cada lugar que Tyrion passa em sua saga por Essos, ele escuta histórias a respeito das conquistas (e dos dragões) dela, principalmente em Volantis, onde as marcas da escravidão são visíveis não apenas na sociedade, como também nas peles daqueles que sofrem com ela.

Visualmente, a cidade ficou fantástica! O primeiro quadro, que mostra a liteira chegando à Grande Ponte parecia uma pintura. Aliás, aquela paisagem teve como inspiração a ponte romana, torres e catedrais de Córdova, na Espanha. Um exemplo de trabalho bem feito da equipe de efeitos especiais e da produção de arte. O modo como a câmera acompanhou os olhares de Tyrion enquanto Varys explanava os significados das tatuagens nos rostos dos escravos foi simplesmente incrível.

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A sacerdotisa vermelha deve ter servido para substituir a Viúva do Cais, uma ex-escrava comprada pelo Triarca Vogarro, que se apaixonou por ela, a libertou e a tomou como esposa – o que foi visto como um grande escândalo. Depois da morte de Vogarro, ela passou a tomar conta de seus negócios nas docas, e com isso ajuda Tyrion e Jorah a encontrarem um barco que os leve para Meereen.

Em A Dança dos Dragões, é a Viúva que evoca Daenerys como uma salvadora. A participação dela foi, sem dúvidas, um dos trechos mais marcantes do livro.

– Monstros deveriam ser maiores, me parece. Você vale títulos e propriedades em Westeros, homenzinho. Aqui, temo, seu valor é um pouco menor. Mas acho que faço melhor em ajudar você, apesar de tudo. Parece que Volantis não é um lugar seguro para anões.

– Você é muito gentil. – Tyrion lhe deu seu sorriso mais doce. – Talvez possa ser mais gentil ainda e remover esses charmosos braceletes também? Este monstro tem apenas metade do nariz, e ele coça de modo abominável. As correntes são curtas demais para que eu possa coçá-lo. Posso presenteá-la com elas, alegremente.

– Que gentil. Mas já usei ferro no meu tempo e agora prefiro ouro e prata. É triste dizer, mas esta é Volantis, onde grilhões e correntes são mais baratos do que pão amanhecido e é proibido ajudar um escravo a escapar.

– Não sou escravo.

– Todo homem capturado por traficantes de escravos canta a mesma triste canção. Não ouso ajudá-lo … aqui. – Inclinou-se para a frente novamente. – Dois dias a partir de agora, o navio de pesca Selaesori Qhoran vai navegar para Qarth, passando por Nova Ghis, carregado de estanho e ferro, fardos de lã e rendas, cinquenta tapetes de Myr, um cadáver conservado em salmoura, vinte jarros de pimenta-dragão e um sacerdote vermelho. Estejam a bordo quando zarpar.

– Estaremos – disse Tyrion. E obrigado.

Sor Jorah franziu a testa.

– Qarth não é nosso destino.

– O navio nunca chegará a Qarth. Benerro viu nas chamas. – A anciã sorriu de maneira astuta.

– Como queira. – Tyrion sorriu. – Se eu fosse volantino, livre e tivesse o sangue, você teria meu voto para triarca, minha senhora.

– Não sou senhora – a viúva replicou – apenas a prostituta de Vogarro. Vão querer ter partido antes que os tigres venham. Se alcançarem sua rainha, transmitam a ela uma mensagem dos escravos da Antiga Volantis. – Ela tocou a cicatriz desbotada no rosto enrugado, onde as lágrimas haviam sido removidas. – Diga que estamos esperando. Diga para ela vir logo.

Embora a serva de R’hllor não seja, nem de longe, uma substituta a altura dessa querida senhora volantina, eu realmente gostei do visual da personagem. A atriz Rila Fukushima (conhecida pelos papéis em “Wolverine: Imortal” e “Arrow”) tem uma aparência muito singular, pena que ela tenha sido escalada para esse papel de quase-figurante.

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Aqui, mais uma vez, os roteiristas fizeram referência à escamagris. Será que Tyrion e Jorah encontrarão a doença em algum momento da viagem, ou David e Dan estão escrevendo essas coisas por puro sadismo? Vale lembrar que, a essa altura do Dança, Tyrion já enfrentou os Homens de Pedra nos Sofrimentos, ao lado de Griff, Aegon e sua tripulação… Mas nada impede que a ordem dos acontecimentos seja invertida na série.

Uma mudança notável foi o comportamento dos personagens em relação às mulheres. Enquanto na série, parece que Tyrion e Varys deixaram a casa de Illyrio ontem, no livro, quando o anão chega a Selhorys (cidade que fica nos arredores de Volantis), já se passou bastante tempo desde a morte de Shae e Tywin. Ele até passa a noite com uma ruiva “quase morta” no bordel, mas sente-se mais envergonhado do que satisfeito depois. Por aí, já dá pra ver como a jornada de Tyrion foi suprimida na adaptação, o que é uma pena, mas convenhamos que Peter Dinklage combina muito mais com esse Tyrion boa praça do que com a criatura cinzenta escrita pelo Martin. Lembram de como a “não-consumação” do casamento com Sansa foi retratada de maneira diferente na série e nos livros?

O que fizeram com Jorah não foi muito diferente. No livro, Mormont está com uma prostituta de cabelos prateados no colo quando reconhece o Duende. Na série, tivemos uma prostituta de cabelos prateados, mas Jorah preferiu manter-se fiel – no sentido mais romântico da palavra – à rainha, afogando toda a sua bad na bebida. Claro que a prostituta dos livros, embora fisicamente semelhante a Daenerys, não estava personificando-a. Esse foi um artifício criativo dos produtores, para mostrar o quanto a popularidade da Quebradora de Correntes está crescendo fora de Meereen. Uma mulher que inspira sacerdotisas e putas merece ser levada a sério.

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Rima visual com quadro do episódio 1.03, “Lorde Snow”.

Com uma narrativa fluida, uma temática significativa, templos, bordéis, referências bacanas e alguns momentos questionáveis, mas curiosamente promissores, eu diria que “High Sparrow” pode ser considerado o melhor episódio que tivemos esse ano até agora, embora o nível de seus antecessores não tenha sido dos mais altos.

No final, ficou a sensação de que, assim como o Alto Pardal quer salvar Porto Real, o episódio que leva seu nome veio para ditar os rumos da quinta temporada de Game of Thrones. Vamos orar aos Sete para que os próximos sejam ainda melhores.