Cláudio (Derek Jacobi) é proclamado imperador, em cena de I, Claudius. Foto: BBC (divulgação).

Salve, leitora e leitor! Você sabia que as referências históricas em As Crônicas de Gelo e Fogo e Game of Thrones não se resumem à Idade Média? Neste artigo, viajaremos pela história da Roma Antiga e seus paralelos no universo criado por George R. R. Martin. Em destaque, a influência do romance histórico Eu, Cláudio e sua adaptação para a TV, da qual George é fã assumido.

Em julho de 2017, publiquei uma versão resumida deste texto no Reddit e no Forum of Ice and Fire. A versão completa, em português, está sendo publicada exclusivamente no Gelo & Fogo. Boa leitura!

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Introdução

O interesse de George R. R. Martin pela história é um fato amplamente conhecido por seus leitores. Não é nenhum segredo que em sua maior obra, As Crônicas de Gelo e Fogo, o autor buscou aproximar a fantasia da ficção histórica. Ao construir seu gigantesco mundo ficcional e sua multidão de personagens, Martin naturalmente aproveitou muitos elementos do mundo real, algo que ele mesmo não nega.

Aqueles que buscam informações sobre inspirações históricas na maior obra de Martin, encontram, à primeira vista, semelhanças estruturais com a Guerra das Rosas e com outros personagens e eventos das histórias medievais da Inglaterra e da França. As referências do mundo real em As Crônicas de Gelo e Fogo, no entanto, não se restringem a essa época e a esses locais.

Talvez não seja fato tão sabido entre os leitores, mas a Roma Antiga também é um período histórico que interessa bastante a Martin, e que encontra vários eventos e elementos semelhantes em sua maior obra. O próprio autor já se referiu a seu gosto por esse período como “mórbida fascinação”, da qual nem seus gatos escaparam: dois deles foram batizados com nomes de imperadores romanos muito famosos (para o bem ou para o mal): Augusto e Calígula.

Pôster de I, Claudius, série sobre a Roma Antiga que influenciou As Crônicas de Gelo e Fogo
Pôster da minissérie I, Claudius, da BBC, de 1976.

No gênero da ficção histórica sobre a Roma Antiga, uma obra se destaca: Eu, Cláudio, de Robert Graves. Publicado originalmente em 1934, Eu, Cláudio é narrado como a autobiografia de um membro excluído da família dos júlio-claudianos. O livro acompanha Cláudio em meio à intriga palaciana do início do Império Romano, desde sua infância até sua ascensão a imperador. O período de Cláudio no posto mais alto do Império é desenvolvido em um segundo volume, Claudius the God (Cláudio, o Deus), de 1935. O segundo livro retrata também as relações do protagonista com suas esposas Messalina e Agripina, até sua morte e a ascensão de Nero.

Entre os fãs de Eu, Cláudio está George R. R. Martin, que nunca fez segredo de sua admiração. O autor já admitiu ter lido os romances de Graves, e em diversas ocasiões elogiou sua adaptação televisiva, produzida pela BBC. Diante das reiteradas declarações de apreço de Martin, não surpreende, portanto, que elementos, recursos e eventos em As Crônicas de Gelo e Fogo e suas obras derivadas pareçam inspirados tanto nos livros de Graves quanto na minissérie da BBC.

Com o perdão de “usurpar” o título de uma famosa obra de um autor clássico — Vidas Paralelas, de Plutarco — este artigo tem por intenção apresentar conexões na obra de Martin com os romances de Graves e a história romana de forma geral. Os próprios romances de Claudius são largamente baseados nas obras de historiadores antigos do mundo real, como Suetônio, Tácito e Dião Cássio.

A despeito do título, não procuro aqui sugerir correspondências exatas entre os personagens e situações. Martin é um autor de ficção, afinal, e grande parte de seu mérito está em justamente em trabalhar criativamente sobre as referências históricas. A ideia central do artigo é buscar elementos do mundo real que podem inspirado o autor. Com sorte, leitores e leitoras interessados pelo mundo de Westeros poderão, conhecendo eesses paralelos, se interessar mais pela história do mundo real também — o que aconteceu comigo quando comecei a descobrir e investigar as referências históricas em As Crônicas de Gelo e Fogo.

Antes do início da análise propriamente dita, alguns esclarecimentos estilísticos. Por uma questão de padrão, optei por usar todos os nomes romanos antigos em suas versões traduzidas para o português. Para evitar confusão, escolhi tratar os livros por seus títulos traduzidos (Eu, Cláudio e Cláudio, o Deus), e a série de TV por seu título original (I, Claudius). Fica também um alerta: o texto contém informações que podem ser consideradas como spoilers dos livros de Graves e de sua adaptação — apesar de serem fatos já documentados há quase dois mil anos. Sem mais delongas, enfim, aos paralelos.

Monarcas trágicos: Tibério e Stannis Baratheon

A primeira referência apresentada não poderia deixar de ser uma admitida pelo próprio George R. R. Martin. A conexão entre Tibério e Stannis Baratheon é uma das mais claras entre personagens de Eu, Cláudio e de As Crônicas de Gelo e Fogo. Em uma entrevista em 2011, Martin declarou que seu personagem contém elementos de alguns monarcas históricos, entre eles o imperador romano:

E é importante que os livros individuais se referem às guerras civis, mas o título da série nos lembra constantemente que a questão real reside no Norte além da Muralha. Stannis se torna um dos poucos personagens a entender isso completamente, o que é o motivo pelo qual apesar de tudo ele é um homem direito, e não apenas uma versão de Henrique VII, Tibério ou Luís XI.
(A Storm Coming. An interview with George R R Martin. Amazon.co.uk, 2000. Tradução minha.)

Nos anos seguintes, em seu blog e em uma entrevista, Martin foi além, e admitiu que seu Stannis tem muito não apenas de Tibério de uma forma geral, mas especificamente da interpretação do personagem pelo ator George Baker em I, Claudius. O autor não entra em detalhes sobre quais seriam os pontos similares, mas alguns deles não são de difícil percepção. Não se trata, naturalmente, de uma cópia exata: Stannis toma emprestados aspectos de outros personagens históricos, e, é claro, conta com elementos originais de Martin.

Estátua de Tibério
Estátua de Tibério, ca. 37. Museu Chiaramonti, Vaticano. Foto: Francesco Bini. Fonte: Wikimedia Commons. CC-BY-SA.

Uma das características mais notáveis nos dois personagens salta aos olhos como coincidente. A personalidade austera, sisuda e de poucos amigos de Stannis remete claramente à do imperador romano, que Plínio, o Velho, autor romano do século I, descreveu como “tristissimus hominum” (“o mais melancólico dos homens”).

Tibério sucedeu seu padrasto e pai adotivo Augusto como segundo imperador de Roma, e ficou para a história como um governante sombrio, recluso, que dava a entender que nunca quisera realmente chegar ao posto máximo do Império. Essa descrição coincide com o Stannis de Martin, que vê sua pretensão ao Trono de Ferro como um dever, e não um desejo pessoal ou uma ambição.

Na vida privada, a relação fria e distante do casal Stannis e Selyse Florent pode ter sido inspirada na de Tibério e sua segunda esposa, Júlia. Neste caso, nem tudo é coincidente, entretanto. Stannis não teve uma primeira esposa de quem teria sido forçado a se separar, como ocorreu com Tibério em relação a Vipsânia Agripina. Tampouco existem rumores sobre promiscuidade de Selyse, como havia em relação a Júlia.

Os períodos de reclusão de Stannis em Pedra do Dragão podem ter sido influenciados pelas ocasiões em que Tibério deixou Roma para se exilar em ilhas. Durante o reinado de Augusto, quando era o segundo homem mais poderoso de Roma, Tibério retirou-se para Rodes, na Grécia, onde viveu por alguns anos. Depois, já imperador, passou a viver em Capri ao invés da capital. Durante A Guerra dos Tronos, Stannis havia recentemente se retirado para seu castelo na ilha de Pedra do Dragão, ao temer por sua vida após a morte de Jon Arryn. Posteriormente, se isola novamente na ilha após sua derrota na Batalha de Água Negra.

Villa Jovis, Capri
Reconstrução da Villa Jovis, o palácio de Tibério na ilha de Capri. Carl Weichardt, 1900. Fonte: Wikimedia Commons. Domínio público.

Além disso, tanto Stannis quanto Tibério têm conselheiros próximos que os auxiliam e em quem confiam, mas com quem têm relações conturbadas. Ainda que os papéis femininos e masculinos sejam em alguns pontos invertidos, Trasilo, Lívia, Melisandre e Davos Seaworth têm semelhanças notáveis em personalidade e eventos pessoais, e também em suas relações com os dois monarcas.

Durante seu exílio voluntário em Rodes, Tibério conheceu o filólogo e astrólogo grego Trasilo, que em determinado momento “previu” que ele seria chamado de volta a Roma e nomeado herdeiro de August. Esse fato realmente aconteceu, e Tibério adquiriu um interesse em astrologia. Os relatos históricos de Tibério dizem que ele tinha Trasilo na mais alta conta e o considerava verdadeiramente um amigo, tendo concedido cidadania romana a ele e sua família quando ascendeu a imperador. Em I, Claudius, a relação simultânea de confiança e desconfiança entre Tibério e seu “assessor mágico” é apresentada como recurso cômico.

Os dois maiores apoiadores de Stannis são Davos e Melisandre, e ambos parecem remeter a Trasilo de alguma forma. O rei Baratheon tem um servo leal em Davos, um homem que, a despeito de seu baixo nascimento, é aquele em quem mais confia e a quem concede títulos (nobreza, terras e o cargo de Mão do Rei), como Tibério fez com seu amigo. Stannis é convencido por Melisandre de que tem um papel mágico profetizado a desempenhar no destino do mundo. Stannis, um cético, é convencido disso e da própria existência da magia pelas predições que a sacerdotisa vê nas chamas e que realmente se concretizam, de forma parecida com as previsões de Trasilo. Além disso, assim como na relação por vezes conturbada entre Trasilo e Tibério, o convívio de Stannis com seus assessores não é sempre tranquilo. Ele rejeita conselhos de Melisandre e recusa sua ajuda na Água Negra e em sua campanha do Norte, e em determinado momento aprisiona Davos, por exemplo.

Kevin Stoney como Trasilo (esq.) e George Baker como Tibério (dir.), em I, Claudius. Foto: BBC (divulgação).

Em I, Claudius, Tibério tem na mãe, Lívia, a maior incentivadora para que seja o sucessor de Augusto, seu padrasto. Na série, ele mesmo parece desinteressado no assunto, demonstrando em vários momentos não confiar na mãe e se irritando com a insistência dela a esse respeito. A eliminação de outros pretendentes ao Trono de Ferro supostamente realizada por Melisandre por meios mágicos pode ser levantada como um paralelo, ainda que inexato, com as tramas de Lívia para abrir caminho para seu filho na sucessão do marido.

Detalhe de O Sacrifício de Ifigênia, de Giovanni Battista Tiepolo. Óleo sobre tela, ca. 1760. Palácio de Weimar, Weimar. Fonte: The Yorck Project. Domínio público.

Em diversos momentos, Tibério demonstra ignorância dos assassinatos e ardis perpetrados pela mãe, assim como Stannis a princípio ignorava a natureza exata da sombra que assassinou seu irmão Renly. Há, ainda, dúvidas para os leitores sobre se Melisandre causou mesmo as mortes de Joffrey Baratheon, Balon Greyjoy e Robb Stark, ou se ela meramente as previu e simulou que fossem resultado de sua magia de sangue. No mundo real, há dúvidas sobre se Lívia foi responsável pelas mortes dos vários herdeiros designados de Augusto, que estavam à frente de Tibério na linha de sucessão (como sugerem alguns historiadores e Eu, Cláudio).

Na esfera militar, tanto Tibério quanto Stannis se destacaram como comandantes militares bem-sucedidos. Tibério conquistou territórios ao norte da Itália que foram fundamentais para o estabelecimento das fronteiras do Império naquela região. Stannis resistiu ao Cerco de Ponta Tempestade na Rebelião de Robert, derrotou a Frota de Ferro durante a Rebelião Greyjoy — que contribuiu para a sedimentação da dinastia Baratheon — e foi vitorioso na Batalha de Castelo Negro. No livro de Graves, Cláudio considera o tio um dos maiores generais da história romana, enquanto que na obra de Martin, Tywin Lannister declara que Stannis é um perigo maior para seus interesses do que todos os outros pretendentes combinados.

Nem o romano nem o westerosi, porém, são devidamente reconhecidos pelos monarcas a quem sucederam ou deveriam suceder. Não são incomuns nas Crônicas de Gelo e Fogo momentos em que Stannis se queixa para seus conselheiros mais próximos de ter sido preterido e desvalorizado por Robert, seu irmão e antigo Rei dos Sete Reinos. Analogamente, o Tibério de I, Claudius reclama com frequência, tanto para o irmão Druso quanto para a mãe Lívia, das tarefas burocráticas que Augusto lhe incumbe. Tibério chega a dizer que o padrasto imperador o considera um mero garoto de recados.

A relação entre Druso e Tibério é, em certa medida, paralelizada na de Robert e Stannis, embora existam diferenças aparentes. Druso era mais novo que Tibério, e os dois realmente tinham uma relação próxima e de amizade. O mesmo não ocorre com os Baratheon. Stannis se vê sempre à sombra de seu irmão mais velho e preterido por ele, e Robert tampouco faz muito caso do irmão mais novo. A semelhança entre os pares de irmãos reside na popularidade e no modo como eles lidam com seus subordinados militares.

Stannis Baratheon na Sala da Mesa Pintada, em Pedra do Dragão. Arte: Joshua Cairós. © Fantasy Flight Games.

Os quatro homens são descritos como líderes militares efetivos, mas seus perfis diferem. Druso é descrito por seu filho Cláudio como amado por suas legiões, por dar aos homens mais liberdade que o habitual e incentivar a camaradagem entre eles. Robert é retratado nas Crônicas de Gelo e Fogo como dono de simpatia similar entre seus comandados. Stannis e Tibério, por outro lado, são descritos como generais capazes e seguidos por seus homens, mas através da rigidez e da disciplina. A questão da popularidade se estende aos comuns: Druso e Robert são pelo povo, o que não ocorre com seus irmãos.

Até traços à primeira vista opostos podem esconder algumas associações. Em Eu, Cláudio, Tibério é retratado como bastante promíscuo e um tanto excêntrico e abusivo em sua vida sexual. Stannis, ao contrário, é descrito nos livros de Martin como praticamente assexual. Não tem qualquer interesse sexual pela esposa, proíbe a prostituição em Pedra do Dragão e uma vez chegou a sugerir que os bordéis de Porto Real fossem fechados. As relações extraconjugais com Melisandre teriam objetivo estritamente “mágico”.

A retratação de um Tibério pervertido feita por Graves é, em grande parte, derivada de Suetônio, historiador romano dos séculos I e II. A obra de Suetônio apresenta biografias baseadas em relatos de segunda mão, que resultam em versões um tanto sensacionalistas sobre vários eventos e personagens históricos, principalmente em relação aos imperadores júlio-claudianos. Esses relatos polêmicos de Suetônio sobre Tibério acabam por, indiretamente, revelar que a classe senatorial romana tinha uma visão negativa do imperador, e é nisso que pode residir uma inspiração para Martin. A impopularidade de Stannis entre grande parte da nobreza westerosi é também um fato notório em As Crônicas de Gelo e Fogo.

Elementos de Tibério no Stannis de Martin não se resumem a características do próprio personagem, aparentemente. No livro de Graves, um tema recorrente relacionado ao imperador é uma suposta semelhança entre ele e o lendário general grego Agamenon. Tibério, cada vez mais paranoico, passa a acreditar que quando pessoas citam passagens da Ilíada (de Homero) que fazem referências negativas a Agamenon, estão se referindo a ele mesmo — e a partir de certo momento isso passa realmente a ser verdade. Suetônio relata em sua obra que quando um poeta difamou Agamenon em uma tragédia, Tibério ordenou sua execução imediata.

Detalhe de O Sacrifício de Ifigênia, de Giovanni Battista Tiepolo. Óleo sobre tela, ca. 1760. Palácio de Weimar, Weimar. Fonte: The Yorck Project. Domínio público.

A curiosidade é que, na mitologia, Agamenon sacrificou a filha Ifigênia para aplacar a ira da deusa Ártemis, e permitir que os gregos (de quem ele era o líder) pudessem navegar a Troia na famosa guerra. Situação semelhante se desenha para acontecer em Gelo e Fogo, com Stannis sacrificando sua filha Shireen. Apesar de não haver ainda certeza das circunstâncias em que isso ocorrerá nos livros de Martin, o fato em si foi revelado (como spoiler) pelos produtores de Game of Thrones, e é pressagiado em passagens das Crônicas. Ainda mais curiosamente, um animal associado com Ártemis é o veado, e em algumas versões do mito de Ifigênia, a ofensa à deusa ocorre quando um desses animais sagrados é acidentalmente morto. O ponto coincidente aqui, naturalmente, é que o veado é o símbolo da Casa Baratheon.

Por fim, Stannis “herdou” uma famosa frase atribuída pelos historiadores a Calígula, também presente nos livros e na série de Claudius. Durante jogos gladiatoriais na arena, Calígula exclama para a multidão: “Se tivessem um só pescoço, eu o cortaria!”, sugerindo que assim seria mais fácil que fossem todos eliminados. Em capítulo de The Winds of Winter, Stannis diz a Theon Greyjoy: “Você não é o único vira-casacas por aqui, ao que parece. Quem dera todos os lordes nos Sete Reinos tivessem um só pescoço…”. Embora Stannis tenha pouco a ver com Calígula em outros aspectos e os contextos das falas sejam diferentes, trata-se de mais uma uma incontestável referência da parte de Martin a uma infame citação da história romana.

Casais reais: Augusto, Lívia, Visenya, Aegon I, Robert e Cersei

Se Martin temperou fortemente seu Stannis com o Tibério do ator George Baker em I, Claudius, Robert pode ter recebido pitadas do Augusto interpretado por Brian Blessed e do próprio imperador. Martin já declarou que se Robert tem um modelo em algum monarca, este é Eduardo IV da Inglaterra, e que ele tem também características de Henrique VIII. Além disso, Adam Whitehead aponta que outro personagem interpretado por Brian Blessed empresta muitos elementos a Robert: o fictício Richard IV, da sitcom histórica Blackadder (de que Martin também gosta).

Brian Blessed como Richard IV, em Blackadder. O personagem ficíticio serviu de inspiração para Robert Baratheon. Foto: BBC (divulgação).

Alguns ingredientes de Robert, porém, remetem ao Augusto ficcional, de Graves e de Blessed: o sobrepeso (depois de mais velhos), a aparência bonachona combinada com acessos de fúria (muitas vezes inconsequente e injusta), a facilidade em fazer amigos (até de antigos inimigos) e a ignorância de diversas tramas e intrigas a seu redor.

Robert morreu sem saber que Joffrey, Myrcella e Tommen não eram seus filhos, e que sua esposa Cersei Lannister o traía com o irmão Jaime durante todo seu casamento. Apesar de não haver relatos sobre relações extraconjugais de Lívia, Augusto por décadas também foi ignorante das tramas que ela realizava por suas costas, muitas delas contra seus próprios interesses e contra si mesmo. No fim, as duas mulheres assassinaram seus maridos, direta ou indiretamente, para garantir que seus filhos ascendessem ao poder.

O Augusto histórico parece ter sugestionado Martin em outro de seus monarcas: Aegon I Targaryen. O primeiro rei dos Sete Reinos foi em grande parte inspirado em Guilherme I da Inglaterra (não coincidentemente chamado “O Conquistador”), mas encontra paralelos também no primeiro imperador de Roma.

Renato Reis aponta personalidades semelhantes tanto em Aegon e Augusto quanto em pessoas próximas a eles. Enquanto o imperador romano tinha em Marco Vipsânio Agripa, um homem da baixa nobreza, seu maior general e amigo, o rei westerosi tinha Orys Baratheon, um bastardo, como a primeira Mão do Rei. A influência de Visenya, irmã-esposa de Aegon, em seu reinado, lembra aquela de Lívia sobre o governo de Augusto.

Paralelos entre Lívia e Visenya não se resumem à influência nos negócios de Estado de seus consortes. Em O Mundo de Gelo e Fogo, as circunstâncias da morte de Aenys I (filho de Aegon I com Rhaenys, e seu sucessor) são postas em dúvida por Meistre Yandel, o autor da obra fictícia. Depois de ficar doente, Aenys recebeu os cuidados de sua tia Visenya. Uma hora após o falecimento do sobrinho, ela foi a Pentos buscar Maegor, seu filho exilado, que foi então coroado rei. Dado o fato de que anteriormente Visenya não mostrava o menor apreço por Aenys, surgiram rumores de que ela pudesse estar diretamente envolvida em sua morte, para favorecer o próprio filho na ascensão ao Trono.

Aenys era, a princípio, um jovem bastante querido pelo povo, característica que ele compartilha com Marco Cláudio Marcelo, que era sobrinho, genro e herdeiro designado de Augusto. É nas circunstâncias de suas mortes que os dois são mais parecidos, porém. Diz-se que havia uma rivalidade entre Marcelo e Agripa pela atenção e pela sucessão de Augusto. Na obra de Graves, Lívia mata Marcelo para forçar o retorno de Agripa (que ela julgava mais útil impedir que Roma voltasse a ser uma república) de sua temporada na Ásia. Sob o pretexto de cuidar de um adoentado Marcelo, Lívia assassina-o por envenenamento (fato sugerido no mundo real pelo historiador Dião Cássio).  Posteriormente, Agripa também seria morto por Lívia para abrir caminho para seu filho Tibério.

Por fim, um aparte, para apresentar uma citação sobre Augusto e Lívia que encontra duas muito semelhantes na obra de Martin (mas não a respeito de Robert, Aegon e suas consortes). No começo de sua autobiografia, Cláudio descreve a influência que sua avó tinha sobre o marido, dizendo que “Augusto governava o mundo, mas Lívia governava Augusto”.

Brian Blessed (Augusto) e Siân Phillips (Lívia) em I, Claudius. Foto: BBC (Divulgação).

Juliette HarrisonExtinct-dragon indicam uma passagem em A Tormenta de Espadas bastante similar a essa citação. Tyrion Lannister reflete sobre a relação de seus pais, especificamente na época em que Tywin era Mão do Rei, pensando que “muitos diziam que Lorde Tywin Lannister governava os Sete Reinos, mas a Senhora Joanna governava Lorde Tywin”. O recurso foi repetido por Martin em The Sons of the Dragon. Gyldayn, o historiador fictício, relata sobre Maegor que “Sua Graça podia governar os Sete Reinos, sussurravam os homens, mas ele mesmo era governado pelas três Rainhas […]”.

A ideia de que “por trás de um grande homem existe uma grande mulher” (que na verdade seria quem comanda tudo) não é exatamente uma figura inédita na literatura, e pode não ser uma referência direta de Martin a Graves. No entanto, uma vez que George já se declarou influenciado pela obra de Graves e que outras referências claramente existem, seria inconsequente ignorar passagens que certamente parecem uma paráfrase.

Os excluídos: Cláudio e Tyrion

Não é apenas nos pensamentos sobre seus antepassados que Cláudio e Tyrion têm semelhanças. O personagem que muitas vezes funciona como a “boca” de Martin nas Crônicas de Gelo e Fogo tem bastante a ver com o que dá título a Eu, Cláudio e narra a trama como sua autobiografia. Conhecendo as duas obras, é difícil não pensar em um quando se lê sobre o outro.

Derek Jacobi como Cláudio em I, Claudius. Foto: BBC (divulgação).

Em entrevista a Adrià Guxens, Martin já revelou como teve a ideia de um “embrião” de Tyrion, enquanto escrevia Santuário dos Ventos, com Lisa Tuttle, em 1981. O autor não fez qualquer referência a Cláudio, mas o recheio da vida desse personagem-embrião, quando foi anos mais tarde reaproveitado em As Crônicas de Gelo e Fogo, pode ter tido inspirações na história de vida do imperador romano.

Os dois personagens ostentam condições físicas que influenciam muito em suas vidas. Tyrion, além do nanismo, tem pernas arqueadas, uma testa protuberante e olhos de cores diferentes, sendo chamado de “Duende” por sua aparência. Cláudio era manco, tinha joelhos fracos, meio surdo devido a uma doença na infância, e tendente a tremedeiras da cabeça. Cláudio perdeu o pai, Druso, com apenas um ano, e quando suas condições físicas ficaram evidentes, a família passou a rejeitá-lo, principalmente a mãe, Antônia, que o considerava um monstro. De forma análoga, a mãe de Tyrion morreu em seu parto, e o pai, Tywin, o desprezava, tanto por culpá-lo pela morte da esposa quanto por sua deformidade, que em seu entender trazia desonra à Casa Lannister.

Tyrion Lannister, por Sebastian Giacobino. © Fantasy Flight Games.

As consequências psicológicas das condições físicas se destacam também como semelhanças: a reclusão, o interesse pelos livros e a história, a mente arguta. A ascensão a cargos de poder — Cláudio como imperador, Tyrion como Mão do Rei — mostrou os dois personagens com atuação pragmática e diligente, não se furtando a sujar as mãos quando julgavam necessário para atingirem seus objetivos, ou quando eram desafiados. Os livros também mostram os dois personagens como razoavelmente bem-sucedidos como comandantes militares, utilizando táticas heterodoxas e engenhosas no campo de batalha.

As personalidades, porém, não são totalmente similares. O historiador Dião Cássio relata que Cláudio era bastante afeito à bebida e ao sexo, o que é uma semelhança, mas Tyrion é bastante mais ambicioso e ardiloso do que o Cláudio histórico e sua versão de Graves (pelo menos a princípio). Nesse aspecto, há um paralelo muito maior do Lannister com Ricardo III da Inglaterra, principalmente a versão apresentada por Shakespeare em sua peça (que Martin já declarou apreciar).

As relações familiares também são similares. Ambos são em grande parte rejeitados por suas famílias ricas e poderosas, exceto pelos irmãos prodígios que são seus melhores e dos poucos amigos: Germânico e Jaime. Lívila, irmã mais velha de Cláudio que na ficção histórica de Graves constantemente o importunava, parece encontrar uma correspondente levada ao extremo em Cersei.

Na vida amorosa, vários paralelos. Aos treze anos, Cláudio encontrou em Lívia Medulina Camilla alguém que o tratava bem, mesmo com suas limitações físicas, o que mais nenhuma garota fazia. Sua sorte aumentou quando foi do interesse de Augusto e do avô de Medulina que eles se casassem. No dia do noivado, porém, ela morreu envenenada (por Lívia). Tyrion, com a mesma idade, conheceu e viveu um romance com Tysha, uma jovem de baixo nascimento, com quem se casou. A relação teve um fim brutal quando Tywin descobriu o casamento, obrigando Jaime a dizer ao irmão que Tysha era uma prostituta e organizando um estupro coletivo, com Tyrion como participante.

Quando Cláudio Não Está, Messalina Brincará, de A. Pigma. Óleo sobre tela, 1911. Fonte: Wikimedia Commons. Domínio Público.

Posteriormente, tanto Cláudio quanto Tyrion tiveram casamentos organizados com jovens belas, que não sentiam atração por eles: Sansa Stark e Valéria Messalina. Embora fosse uma nobre e não uma prostituta por profissão, a reputação histórica de Messalina era de grande promiscuidade. O poeta antigo Juvenal relata em uma de suas Sátiras que ela trabalhava clandestinamente em um bordel, sob o pseudônimo “a Loba”. Plínio conta o infame caso sobre uma competição de sexo de uma noite contra uma famosa prostituta, vencida por Messalina (que também está em Eu, Cláudio). No fim, ela chegou a se casar um de seus amantes quando Cláudio estava ausente de Roma, o que levou a sua execução.

As semelhanças entre Messalina e Sansa, portanto, são poucas além da idade e da beleza, mas a romana, por sua promiscuidade, pode ter inspirado Martin na criação de outra amante de Tyrion: a prostituta Shae. Shae também remete a Calpúrnia, uma prostituta que foi amante de Cláudio durante grande parte de sua vida, embora haja diferenças. Tyrion idealizou que Shae tinha uma dedicação e um sentimento em relação a ele que não correspondiam à realidade; o mesmo não ocorre com Calpúrnia, que em Eu, Cláudio realmente se preocupa com seu amante, e se mostra uma confiável amiga e confidente para ele em vários momentos.

Além da citação sobre seus pais, outra passagem de Tyrion nas Crônicas de Gelo e Fogo remete a um diálogo na obra de Graves. Uma conversa do Lannister com Aegon “Jovem Griff” é bastante parecida com um diálogo entre Cláudio e Herodes Agripa, presente na série I, Claudius. Nesse caso, porém, os papéis estão invertidos:

Herodes: Escute, Cláudio. Deixe-me lhe dar um pequeno conselho.
Cláudio: Oh, pensei que você tivesse terminado com os conselhos.
Herodes: Só mais um e terei terminado. Não acredite em ninguém, meu amigo, ninguém. Nem em seu mais agradecido liberto, nem em seu amigo mais íntimo, nem em seu filho mais querido, nem em sua esposa do coração. Não acredite em ninguém.
Cláudio: Em ninguém? Nem mesmo em você?
(“Fool’s Luck”. I, Claudius. British Broadcasting Corporation, 1976. Tradução minha.)

Essa cena ocorre logo após Cláudio ser nomeado imperador pela Guarda Pretoriana. No livro Cláudio, o Deus, conselho similar tem lugar quando Herodes está prestes a retornar à Judeia, alguns meses após ajudar Cláudio a consolidar sua posição como Imperador:

Meu conselho a você, velho companheiro, é este: nunca confie em ninguém! Nunca confie em seu mais grato liberto, seu mais íntimo amigo, seu mais querido filho, a esposa do coração, ou o aliado que se juntou a você pelo mais sagrado juramento. Só confie em si mesmo. Ou no mínimo em sua sorte de tolo, se você não pode honestamente confiar em si mesmo.
(GRAVES, Robert. Claudius the God and his wife Messalina. Nova York: Vintage. 1989. Tradução minha.)

Proclamando Cláudio Imperador, de Sir Lawrence Alma-Tadema. Óleo sobre tela, 1867. Coleção particular. Fonte: Wikimedia Commons. Domínio Público.

Herodes reitera esse conselho posteriormente, mas chegam a Cláudio notícias de que seu amigo estava empreendendo uma insurreição na Judeia. O imperador conclui que seu velho companheiro tornou-se seu inimigo, e que sua pergunta sobre não confiar nem mesmo nele havia sido pertinente. O diálogo entre Tyrion e Aegon tem estrutura parecida:

Talvez você devesse ser o bobo no meu lugar. Não acredite em ninguém, meu príncipe. Nem no seu meistre sem correntes, nem em seu falso pai, nem no galante Pato, nem na adorável Lemore, nem nesses outros amigos que o viram crescer. E, acima de tudo, não acredite no queijeiro, nem na Aranha, nem nessa pequena rainha dragão com quem quer casar. Toda essa desconfiança vai azedar seu estômago e deixá-lo acordado durante a noite, é verdade, mas é melhor do que o longo sono que não tem fim.
(…)
O príncipe encarou o tabuleiro.
— Meu dragão…
— … está longe demais para salvá-lo. Você deveria tê-lo movido para o centro da batalha.
— Mas você disse…
— Eu menti. Não acredite em ninguém. E mantenha seu dragão por perto.
(MARTIN, George R. R. A Dança dos Dragões. São Paulo: Leya. 2012. Tradução de Márcia Blasques.)

Observa-se que Jovem Griff não pergunta se nem mesmo em Tyrion ele pode confiar (porque o anão não era um amigo íntimo dele como Herodes era para Cláudio). Mesmo assim, Aegon aprende essa lição durante o jogo de cyvasse, quando o Lannister o engana, e essa situação pode se estender para o plano maior. É considerável a possibilidade de os dois estarem em lados opostos em um iminente conflito entre Aegon e Daenerys em The Winds of Winter, com Tyrion sendo apoiador da rainha e, por conseguinte, inimigo do rapaz a quem originalmente aconselhou.

Por último, a coincidência de que tanto Tyrion quanto Cláudio foram alvos de troça da parte de seus sobrinhos monarcas. Apesar de o romano ter sido mais humilhado que o westerosi (talvez por sua personalidade), tanto o rei Joffrey quanto o imperador Calígula tornaram ou tentaram tornar seus tios alvos de escárnio na corte por suas condições físicas. Quanto a Calígula, a relação com Cláudio não é o único paralelo que ele encontra em As Crônicas de Gelo e Fogo.

Os sádicos: Aerys, Joffrey, Calígula e Nero

Um monarca sádico, excêntrico ao extremo, paranoico, cruel, que toma decisões esdrúxulas, maltrata e humilha membros de sua corte. Essa não é uma figura exatamente inédita na história ou na ficção. Caio Júlio César Augusto Germânico, sucessor de Tibério como Imperador de Roma, é um dos mais proeminentes expoentes desse arquétipo. O apelido pelo qual ficou conhecido, Calígula, se tornou praticamente um sinônimo do monarca louco.

As fontes históricas descrevem que em seus primeiros meses de reinado, Calígula era moderado e nobre, mas que descambou para crueldade, sadismo, extravagância e depravação sexual. A exatidão dos registros é questionável, visto que foram escritos muitas décadas depois da morte de Calígula. Os historiadores podem, assim, ter sofrido influência de um sentimento geral de animosidade contra os júlio-claudianos, que teria transformado fofocas e contos polêmicos em fatos históricos. Ainda que exagerados, porém, é muito provável que houvesse no mínimo alguma base factual para os diversos relatos sobre as loucuras de Calígula, dada a enorme quantidade deles.

Reprodução moderna de uma caliga, a bota romana que originou o apelido de Calígula. Foto: Matthias Kabel. Fonte: Wikimedia Commons. CC-BY-SA.

Foi a versão “extrema” do imperador que Graves transportou para sua obra: o personagem é descrito como exageradamente mimado quando criança e com tendências sádicas e homicidas desde muito jovem. “Calígula” é na verdade um apelido, um diminutivo de caliga, a bota usada pelos legionários. O apelido tem origem no fato de que o jovem Caio acompanhava o pai Germânico nas campanhas paramentado com uma vestimenta militar em miniatura.

Calígula tornou-se uma espécie de talismã para as legiões de seu pai, que era querido tanto entre os soldados quanto entre o povo romano, o que garantiu ao futuro imperador enorme popularidade desde muito jovem. Segundo Cláudio, na obra de Graves, isso também contribuiu para que Calígula ficasse ainda mais mimado. Entre as demonstrações de seu potencial perigoso desde a infância, pode-se citar o papel direto na morte do pai aos sete anos, e ter começado um incêndio na casa de Cláudio quando ainda mais jovem.

Mais tarde, ascendeu a Imperador (assassinando Tibério, que o havia adotado como seu filho), e foi bastante popular nos primeiros meses de reinado. Após um episódio de “febre cerebral”, porém, Calígula ficou completamente insano, adquirindo um comportamento cada vez mais imprevisível e abusivo, além de extravagante. Ele acreditava ter se transformado em um deus, e se comportava publicamente como se tal fosse. Conta-se que chegou a dizer, após uma campanha militar, que teria derrotado seu “colega” Netuno.

John Hurt como Calígula em I, Claudius. Foto: BBC (divulgação).
Rei Aerys, o Segundo de Seu Nome, de Jennifer Drummond, para O Mundo de Gelo e Fogo.

Nos Sete Reinos de Martin, Aerys II Targaryen também é um expoente do arquétipo do monarca sádico. Não só pela insanidade, porém, a biografia de Aerys tem semelhanças com a de Calígula. Como o imperador romano, o rei westerosi também era bastante querido em sua juventude, descrito como generoso, belo e decidido, detentor de um inegável charme. Os primeiros anos de seu reinado foram igualmente um período de alegria e prosperidade.

Como Calígula, Aerys já demonstrava algumas falhas de caráter e certa paranoia quando jovem, mas um episódio específico foi fundamental para sua descida à loucura total: o Desafio de Valdocaso, quando foi feito prisioneiro por Denys Darklyn. Aerys mais tarde receberia o epíteto de “Rei Louco”, um título que não significa pouco em uma família historicamente conhecida por membros tendentes à loucura.

No campo das obras públicas, Calígula empreendeu uma série de projetos de construção. Alguns deles foram extremamente grandiosos e extravagantes, como uma ponte flutuante sobre o Golfo de Nápoles e dois navios enormes que funcionaram como palácios sobre a água. Outros foram realmente úteis, como dois dos grandes aquedutos romanos. Aerys também idealizava e projetava obras majestosas e imponentes, como a construção de uma nova Muralha ao norte da já existente (para aumentar o território dos Sete Reinos), uma nova Porto Real construída com mármore branco, e a construção de um canal subterrâneo sob os desertos dorneses. Seus muito alardeados planos, no entanto, nunca se concretizaram.

As relações incestuosas também são ponto paralelo entre o imperador romano e o rei Targaryen. Há diferenças na origem, é claro. No caso de Aerys, essa situação decorria de um costume familiar para manutenção da pureza do sangue (um traço que Martin retirou dos Faraós ptolomaicos do Antigo Egito). O casamento com a irmã Rhaella ocorreu por ordem de seu pai, Jaehaerys II, em decorrência de uma profecia sobre o “Príncipe que foi Prometido”. Por outro lado, à época de Calígula o incesto era tabu em Roma, mas ainda assim os historiadores relatam que ele mantinha relações com as irmãs Agripina (a Jovem), Drusila e Júlia Lívila (chamada Lésbia, por seu local de nascimento).

Uma semelhança entre as relações dos dois monarcas com suas irmãs é que eram abusivas. Suetônio e Dião Cássio relatam (e Graves também retrata) que Calígula, além de se relacionar pessoalmente com Lésbia e Agripina, prostituía as irmãs para outros homens. Drusila era sua favorita. Em Eu, Cláudio ela morre de causas supostamente naturais e apenas se desconfia que Calígula possa tê-la assassinado, mas na série de TV o homicídio é abertamente retratado (e ocorre de maneira brutal). Além disso, não apenas as irmãs-amantes eram alvo da violência de Calígula e Aerys: ambos também abusaram e assassinaram outras amantes menos “favorecidas”.

Aerys, após uma série de abortos, natimortos e bebês com mortes prematuras, passou a desconfiar de Rhaella, acusando-a de ter sido infiel. Mais tarde, no auge da loucura ao fim de sua vida, tornou-se sexualmente abusivo em relação à irmã. Rhaella ostentava arranhões, machucados e mordidas por seu corpo, e Jaime Lannister, em determinada ocasião, na condição de Guarda Real, se sentiu compelido a intervir quando ouviu a Rainha chorar enquanto abusada (mas foi impedido pelo colega Jonothor Darry). A essa altura, Aerys havia desenvolvido uma obsessão por fogo que se estendeu ao fetiche sexual: ele só mantinha relações com Rhaella depois de ver alguém ser executado pelo fogo.

Uma das vítimas dessa violência foi justamente um dos pivôs da Rebelião de Robert: Rickard Stark, cuja morte (juntamente com a de seu filho Brandon) também lembra um ato de Calígula. Após a aparente abdução de Lyanna Stark por Rhaegar Targaryen, Brandon bateu às portas da Fortaleza Vermelha clamando pela morte do Príncipe herdeiro. Foi, por isso, aprisionado com seus companheiros por Aerys, que convocou os pais para que respondessem pelo crime dos filhos: conspiração para assassinato do príncipe.

A Morte de Brandon e Rickard Stark. Arte: Sergio Cortés. © Reaprycon.

Os pais e filhos nobres foram executados pelo rei (com exceção de Ethan Glover), e a Rickard coube a morte mais brutal. Solicitou a Aerys julgamento por combate, o que lhe foi concedido. No entanto, não recebeu como adversário um cavaleiro da Guarda Real, mas o fogo. Foi suspenso, vestido em sua armadura, sobre uma fogueira, e Brandon foi forçado a assistir seu pai queimar, enquanto se enforcava ao tentar ajudá-lo. Esses atos de Aerys em relação aos nobres e o fato de que pediu também a cabeça de Robert Baratheon e de Eddard Stark foram os estopins da Rebelião, que ao final resultou na morte do rei.

Graves relata (com base em um relato de História de Roma, de Dião Cássio) que um homem chamado Basso fez perguntas sobre os hábitos de Calígula a um capitão dos Guardas do Palácio. Em decorrência disso, ele foi preso e interrogado, admitindo que pretendia mesmo matar o imperador, mas não revelando o nome de nenhum cúmplice. Seu pai, então, foi convocado ao palácio para testemunhar a execução do filho, e Calígula ordenou também sua morte. O homem, que na verdade não sabia nada sobre os planos de seu filho, listou como conspiradores vários capitães da guarda e amigos próximos de Calígula. O evento acabou indiretamente sendo fatal para o imperador.

Sor Jaime Lannister mata Aerys II Targaryen. Arte: Michael Komarck. © Green Ronin.

Os responsáveis diretos pelas mortes de Calígula e Aerys foram membros de suas guardas pessoais. A piromania de Aerys fez com que ele encomendasse à Guilda dos Alquimistas enormes quantidades de fogovivo. A substância ficou estocada nos subterrâneos de Porto Real pronta para ser acesa e queimar toda a cidade e seu meio milhão de habitantes, na eventualidade de uma vitória dos Rebeldes. O plano foi malsucedido graças à intervenção de Jaime Lannister, membro da Guarda Real de Aerys, que assassinou o rei e sua Mão, o piromante Rossart.

Cássio Quereia, um distinto veterano de guerra servindo na Guarda Pretoriana sob Calígula, era frequentemente insultado pelo Imperador, e tinha também pretensões de que Roma retornasse à república. Quereia tramou com outros pretorianos, senadores e cavaleiros para assassinarem Calígula na saída dos jogos. Após a conspiração de Basso, Calígula ficou desconfiado de todos os subordinados. Segundo Dião Cássio, ele fingia confiar em cada um deles individualmente, dizendo-lhes que suspeitava dos outros. Eles, porém, compreenderam esse fato e o abandonaram aos verdadeiros conspiradores. No fim, Calígula foi mesmo morto na saída dos jogos.

Os anseios republicanos de Cássio fracassaram, entretanto. O plano original dos conspiradores era que os outros membros da família imperial também fossem assassinados, mas os pretorianos acabaram proclamando Cláudio como imperador. Tão boa sorte quanto Cláudio não tiveram a esposa e a filha de Calígula, Milônia Cesônia e Júlia Drusila, que foram assassinadas em seus aposentos. Esse evento por si só encontra um paralelo notável nas mortes de Elia Martell e seus filhos Rhaenys e Aegon durante o Saque de Porto Real, mas as semelhanças vão além.

Em I, Claudius, não se vê na tela Cássio matando Cesônia, mas são ouvidos vários gemidos dela e posteriormente seu corpo estendido e ensanguentado sobre a cama é exibido. Ainda que isso não significasse necessariamente um estupro, a cena pode ter sugestionado Martin a escrever que Elia sofreu essa violência antes de ser morta por Gregor Clegane. A forma como Graves descreve a morte de Drusila é uma influência mais clara nas de Rhaenys e Aegon:

Ele então agarrou a pequena pirralha que vinha correndo em sua direção, mordendo e arranhando. Ele a segurou pelos pés, girou sua cabeça de encontro a um pilar de mármore, e assim espalhou seus miolos.
(GRAVES, Robert. Claudius the God and his wife Messalina. Nova York: Vintage. 1989. Tradução minha.)

Havia quem dissesse que fora Gregor que atirara a cabeça do príncipe Aegon Targaryen contra uma parede e quem murmurasse que depois disso violara a mãe, a princesa Elia, de Dorne, antes de lhe cravar a espada.
(MARTIN, George R. R.. A Guerra dos Tronos. São Paulo: Leya, 2010. Tradução de Jorge Candeias.)

Sor Amory mostrou selvageria quase idêntica com Rhaenys. Mais tarde, perguntei-lhe por que tinham sido necessárias meia centena de estocadas para matar uma garota de… dois anos. Três? Ele disse que ela o chutou e não parava de gritar.
(MARTIN, George R. R.. A Tormenta de Espadas. São Paulo: Leya, 2011. Tradução de Jorge Candeias.)

Como já mencionado, Aerys falhou em seu plano de queimar Porto Real, mas um incêndio na capital por ordem do monarca tem um paralelo com outro imperador romano quase tão infame quanto Calígula: Nero, o sucessor de Cláudio. Alguns historiadores clássicos atribuem ao próprio Nero a provocação do Grande Incêndio de Roma, no ano 64. Apesar de haver controvérsias quanto à veracidade dessas afirmações, parece uma coincidência muito grande que o Aerys de Martin tenha tido um plano similar (ainda que as motivações fossem diferentes).

Agripina coroando Nero, ca. 65 d.C. Museu em Aphrodisias, Turquia. Foto: Carlos Delgado. Fonte: Wikimedia Commons. CC-BY-SA.

Outro personagem proeminente de As Crônicas de Gelo e Fogo que ostenta alguns paralelos com Nero é Joffrey Baratheon. Também com tendências sádicas desde criança (Stannis menciona que ele matou uma gata grávida e abriu sua barriga para ver os filhotes), o filho de Cersei e Jaime Lannister ascendeu ao poder ainda aos 12 anos, após a morte de seu pai oficial, Robert Baratheon. Robert teve seu vinho adulterado por ordem da esposa Cersei durante uma caçada, o que é similar à morte de Cláudio. Agripina, mãe de Nero e quarta esposa do imperador, é quase unanimemente tida como responsável pela ordem de morte do marido. O evento significou a ascensão de Nero a Imperador, também bastante jovem, aos 16 anos.

A relação de Cláudio e Agripina havia se deteriorado nos meses antecedentes a sua morte, e ele havia demonstrado intenção de reincluir seu filho Britânico na linha imperial. Nero era filho adotivo de Cláudio e seu herdeiro, mas o retorno de Britânico poderia significar um empecilho para sua sucessão. De forma similar, as investigações de Stannis, Jon Arryn e Eddard a respeito da bastardia dos filhos de Cersei, se chegassem ao conhecimento de Robert, significariam a derrocada completa da rainha e seus filhos, incluindo Joffrey.

Nero ascendeu ao poder sob a influência de Agripina, mas se tornou gradualmente independente da mãe. As relações entre eles se tornaram conturbadas com o passar dos anos, e a situação culminou em matricídio, quando Nero ordenou a morte de Agripina em um naufrágio arranjado. A relação entre Joffrey e Cersei não chegou a tal extremo, mas tampouco ela — antes influente e com papel crucial na coroação do filho — detinha o poder que gostaria sobre o filho. Um dos primeiros atos de desobediência de Joffrey foi a execução de Eddard Stark, contrária aos planos de Cersei, que passa a ter muitas dificuldades para refrear os impulsos sádicos do filho a partir de então.

Ascensão e sedução: Sejano e Petyr Baelish, Lívila e Lysa Tully

As correspondências biográficas entre personagens não se resumem às altas nobrezas westerosi e romana. Petyr Baelish, originalmente dono de um dos senhorios menos poderosos dos Sete Reinos, aparenta ter herdado algumas características biográficas de um personagem do Império Romano também relevante em Eu, Cláudio: Lúcio Élio Sejano, um ambicioso soldado que se tornou poderoso e influente durante o período de Tibério como imperador.

Patrick Stewart como Sejano em I, Claudius. Foto: BBC (divulgação).

Sejano era, por nascimento, um membro dos equestres (também chamados “cavaleiros”), a mais baixa das duas classes aristocráticas de Roma (abaixo dos patrícios e senadores). Seu pai, Estrabo, foi nomeado prefeito da Guarda Pretoriana, a unidade de elite do exército romano, um dos cargos mais altos que um cavaleiro podia atingir no Império. Sejano juntou-se aos pretorianos desde jovem, sendo também nomeado prefeito quando seu pai foi designado governador do Egito. Como prefeito, tornou-se um conselheiro e confidente de Tibério, então Imperador, operando como seu braço direito e sendo responsável por várias decisões mais importantes no Império. A partir de um ponto, quando Tibério se afastou em grande parte dos assuntos de governo, Sejano atuava praticamente como a Mão do Rei do universo de Martin.

Baelish ascendeu nos Sete Reinos pela via da (aparente) amizade com a alta nobreza, mostrando-se solícito a todos e inofensivo. Sejano, por outro lado, subiu pela força, sendo mais temido do que amado na condição de prefeito do pretório. Ainda assim, a ambição de Mindinho e sua crescente influência em Porto Real, com o apoio de Jon Arryn, lembram bastante a ascensão meteórica de Sejano em Roma. A correspondência entre os personagens, no entanto, não é só essa.

Sejano conseguiu bastante poder por controlar um grande contingente militar, mas era ainda um cavaleiro, e por isso tinha ambições maiores. Ele desejava sedimentar sua ligação com a família imperial através de um casamento. A primeira tentativa ocorreu ao organizar um noivado entre sua filha e um filho de Cláudio (que ainda não era imperador). O menino morreu asfixiado antes que o casamento ocorresse, fato que na obra de Graves é atribuído a Lívia.

Sejano não desistiu, e seduziu a irmã de Cláudio, Lívila. Ele a convenceu de que a amava, se divorciando da esposa Apicata, e eles mantiveram uma relação extraconjugal duradoura. Lívila era casada com Druso, filho de Tibério e seu herdeiro-aparente desde a morte de Germânico. Era, portanto, um empecilho para as pretensões de Sejano, que pretendia, com um casamento, poder suceder a Tibério como Imperador. Com Lívila sob sua influência, Sejano a convenceu a eliminar o marido. Tramou para que Druso o agredisse publicamente, assim tornando notória a inimizade entre eles. Acredita-se que com a ajuda do médico de Lívila, Druso foi envenenado e morreu aparentemente de causas naturais. O caminho, assim, ficou livre para o noivado de Sejano e Lívila.

Petyr Baelish. Arte: Mike Capprotti. © Fantasy Flight Games.
Lysa Arryn. Arte: Linda Tso. © Fantasy Flight Games.

A sedução de uma mulher da alta nobreza e o convencimento de que ela assassinasse seu esposo, com o objetivo de ascender socialmente, é um expediente usado também por Petyr Baelish. Mindinho conquista Lysa Arryn, que já nutria sentimentos por ele desde a infância, e mantém com ela uma relação extraconjugal. Em determinado momento, manipula Lysa e a convence a assassinar o marido Jon Arryn através de veneno.

O fim dessas relações não é o mesmo: antes de conseguir se casar com Lívila, Sejano foi executado a mando de Tibério, quando este compreendeu as reais intenções de seu braço direito. Segundo o historiador Josefo, a mãe de Lívila (e Cláudio), Antônia, informou o imperador das atividades de Sejano e sua filha. Em Eu, Cláudio, Graves adota essa versão e também o relato de Dião Cássio, segundo o qual Lívila foi entregue por Tibério à mãe, que a trancou em um quarto até que morresse de fome.

Baelish foi mais bem-sucedido em seu ardil. Garantiu para si um título de suserano regional, sendo nomeado pelo Rei Joffrey como Senhor de Harrenhal e Senhor Supremo do Tridente, o que elevou seu nível de nobreza (ainda que nominalmente) e permitiu seu casamento com Lysa. Após as núpcias, porém, livrou-se da esposa ao arremessá-la Porta da Lua afora, culpando o cantor Marillion pelo ato.

Ponto análogo pode residir também nos frutos dessas uniões. A relação entre Sejano e Lívila pode ter ocorrido desde antes mesmo de ela dar a luz a filhos gêmeos. Estes eram oficialmente filhos de Druso, mas desconfiava-se que pudessem ser de Sejano. De forma semelhante, alguns leitores de As Crônicas de Gelo e Fogo teorizam que o filho de Lysa, Robert Arryn, não teria como pai Jon, mas Mindinho.

Cultura, geografia, lendas romanas e outros personagens

A Muralha e a história de Valíria

Além dos paralelos encontrados nas biografias de personagens, outras passagens e situações das Crônicas de Gelo e Fogo fazem lembrar eventos e elementos não apenas de Eu, Cláudio, mas da história romana em geral. A própria civilização valiriana lembra muito a romana, o que já foi admitido pelo próprio George R. R. Martin.

Os históricos conflitos entre Roma e Cartago também parecem encontrar correspondência nas guerras entre Valíria e o Império Ghiscari. As estradas valirianas encontradas em Essos, também chamadas estradas do dragão, são clara referência às estradas romanas. As arenas de luta populares nas cidades escravagistas de Meereen, Yunkai e Astapor também têm origem nos jogos gladiatoriais, populares na história de Roma. O próprio George lembra que os jogos podem ser originados dos etruscos, o povo italiano que os romanos conquistaram e de quem herdaram vários de seus costumes.

Um evento que teve várias inspirações do mundo real é a Perdição de Valíria, em que explosões, terremotos e erupções nas Quatorze Chamas, a cadeia vulcânica em que a cidade se situava, causaram sua destruição. Em proporção da catástrofe, o cataclismo valiriano se assemelha mais à erupção de Krakatoa, na Indonésia, em 1883. Além de Krakatoa, Martin já declarou que as erupções vulcânicas que destruíram os Terraços Rosa e Branco da Nova Zelândia também foram influências. No entanto, a famosa destruição das cidades romanas de Pompeia e Herculano devido à erupção do Monte Vesúvio é também uma inspiração admitida pelo autor, assim como a própria queda de Roma de uma forma geral.

Destruição de Pompeia e Herculano, de John Martin. Óleo sobre tela, 1822. Tate Museum, Londres. Fonte: Tate (CC-BY-NC-ND).

A história da migração dos Targaryen para Pedra do Dragão lembra um dos mitos da fundação de Roma. A Eneida, de Virgílio, conta a história lendária de Enéas, um troiano que fugiu de sua terra natal (quando ela foi destruída pelos gregos) em direção à Itália, onde se tornou um ancestral dos romanos. Segundo a mitologia grega, a destruição de Troia fora prevista por Cassandra (que, porém, sofria de uma maldição que fazia com que ninguém acreditasse em suas previsões). O primeiro Targaryen em Westeros foi Aenar (um nome flagrantemente similar a Æneas, a grafia latina de Enéas). A fuga dele e de sua família em direção a Pedra do Dragão foi motivada por uma profecia de sua filha Daenys sobre a destruição de Valíria, que foi descreditada pelos outros senhores de dragão.

A geografia da cidade westerosi fundada pelos descendentes de Aenar, Porto Real, tem semelhanças com a de Roma. O relevo de Porto Real é marcado por três colinas (de Aegon, de Visenya e de Rhaenys) que dividem a cidade em regiões. Elas remetem às clássicas sete colinas de Roma (os montes Aventino, Célio, Capitolino, Esquilino, Palatino, Quirinal e Viminal), que também dividiam a capital.

Do outro lado do mundo fictício de Martin (em relação a Valíria) está uma das referências clássicas e mais conhecidas: a Muralha de Westeros. Ela assumidamente veio à mente de Martin quando ele visitou a muralha romana no norte da Inglaterra, cuja construção se iniciou com o imperador Adriano. A explicação do autor deixa claro seu fascínio pela história:

Como você pensou na Muralha?
A Muralha veio antes de qualquer coisa. Posso remontar a 1981 a inspiração para ela. Eu estava na Inglaterra visitando uma amiga, e quando nos aproximamos da fronteira entre a Inglaterra e a Escócia, nós paramos para ver a Muralha de Adriano. Eu fiquei em pé lá em cima e tentei imaginar como seria ser um legionário romano, em pé sobre essa muralha, olhando essas colinas distantes. Foi um sentimento muito profundo. Para os romanos naquela época, isso era o fim da civilização; era o fim do mundo. Nós sabemos que havia escoceses além das colinas, mas eles não sabiam disso. Poderia ser qualquer tipo de monstro. Foi a ideia dessa barreira contra forças escuras — isso plantou alguma coisa em mim. Mas quando você escreve fantasia, tudo é maior e mais colorido, então eu peguei a Muralha e a fiz três vezes mais longa e mais de 200 metros de altura, e feita de gelo.
(GILMORE, Mikal. George R.R. Martin: The Rolling Stone Interview. Rolling Stone. Abril de 2014. Tradução minha.)

Uma lenda associada com a Muralha é a do Rei da Noite, o décimo terceiro Senhor Comandante da Patrulha da Noite. Ele supostamente se declarou rei e reinou durante treze anos escuros, junto com sua rainha de pele fria como gelo. Depois de ser derrotado, descobriu-se que ele fazia sacrifícios para os Outros, e todos os registros dele foram destruídos e seu próprio nome proibido e esquecido.

Essa prática é parecida com a damnatio memoriae (“condenação da memória”) romana, que tentava apagar qualquer traço da existência de uma pessoa como punição para crimes que ela havia cometido. Estátuas da pessoa eram derrubadas, e seu nome removido de qualquer local público em que estivesse escrito (incluindo moedas). Não se sabe se um apagamento “perfeito” foi conseguido (seria logicamente impossível saber, afinal), mas é sabido que o Senado romano determinou a punição da damnatio memoriae para Sejano e Messalina, por exemplo.

Tarquínio e Lucrécia, Rhaegar e Lyanna

As semelhanças com a história romana não estão apenas no no início da história dos Targaryen em Westeros, mas também em um incidente que contribuiu para a guerra civil que resultou na morte ou exílio dos membros da dinastia. Trata-se, é claro, da abdução de Lyanna Stark por Rhaegar Targaryen, um dos incidentes mais emblemáticos e misteriosos (para os leitores) das Crônicas de Gelo e Fogo. A tradição romana conta a história de Lucrécia, dama cujo destino cumpriu importante papel na transição do Reino de Roma para a República Romana. Os relatos variam, tratando-se mais de uma lenda baseada em fatos reais do que de registro histórico exato, mas os pontos principais são comuns nas várias versões.

Tarquínio e Lucrécia, de Ticiano. Óleo sobre tela, 1571. Museu Fitzwilliam, Cambridge. Fonte: The Yorck Project. Domínio público.

Conta-se que Tarquínio, o Soberbo, sétimo Rei de Roma, enviou seu filho Sexto Tarquínio à cidade de Colácia, onde viviam seu primo Colatino e a esposa deste, Lucrécia. As versões divergem quanto aos detalhes, mas o ponto comum é que Sexto, sentindo-se atraído pela esposa de seu primo, entrou em seus aposentos e a violou. Lucrécia, no dia seguinte, prostrou-se perante seu pai (o prefeito de Roma), relatou o ocorrido e clamou por vingança, suicidando-se em seguida.

Esse evento significou o estopim para uma revolução que resultou na expulsão do Rei Tarquínio e de sua família, e na instituição da República Romana, com os líderes rebeldes Lúcio Júnio Bruto e Colatino como primeiros cônsules. O próprio Colatino, porém, pertencia à família dos Tarquinos, que se tornou rejeitada pela população, e por isso posteriormente foi também forçado a se exilar. Embora tenha sido crucial, não apenas a tragédia de Lucrécia motivou a derrubada da monarquia romana: Tarquínio, apesar de ter conseguido vitórias militares, havia se tornado um rei muito impopular por seus excessos e falta de deferência ao Senado ou a seus conselheiros, como era o costume.

Nos Sete Reinos, uma ofensa do filho do rei a uma dama (prometida a um primo seu), além dos abusos do próprio monarca em relação aos nobres, representaram o estopim de uma revolta que culminou na queda dessa dinastia. Martin, naturalmente, dá seus próprios toques aos eventos e os subverte em vários pontos. Pode-se descobrir que houve consentimento entre Rhaegar e Lyanna, mas em linhas gerais as duas histórias são flagrantemente similares.

Jon Snow e Júlio César: morte pelos subordinados

O fruto da relação entre Lyanna e Rhaegar, Jon Snow (que assim trataremos, mesmo não havendo ainda confirmação nos livros), tem um destino que é difícil não associar a um dos mais famigerados episódios da história romana.

Em 15 de março de 44 a.C., o ditador perpétuo Júlio César sofreu um atentado, em que foi assassinado por aproximadamente 60 conspiradores, que o esfaquearam na entrada de uma reunião do Senado de Roma. Liderados por Marco Júnio Bruto e Caio Cássio Longino, os senadores se opunham às mudanças políticas planejadas por César, que consideravam um tirano. Segundo Plutarco e Suetônio (e na peça Júlio César, de Shakespeare), César havia sido alertado por sua esposa Calpúrnia e por um vidente sobre um perigo nos Idos de Março (a data do atentado), avisos que ele desconsiderou.

A Morte de César, de Vincenzo Camuccini. Óleo sobre tela, ca. 1805. Galleria Nazionale d’Arte Moderna, Roma. Fonte: Wikimedia Commons. Domínio público.

No ano 300 d.C., o Senhor Comandante da Patrulha da Noite Jon Snow sofreu um atentado, em que foi assassinado por diversos conspiradores, que o esfaquearam na saída de uma reunião no Salão de Escudos de Castelo Negro. Liderados por Bowen Marsh, que alegou fazê-lo “pela Patrulha”, os patrulheiros se opunham às mudanças na ordem realizadas por Snow, que consideravam um quebrador de votos. Durante A Dança dos Dragões, Jon Snow havia sido alertado pela sacerdotisa vermelha Melisandre sobre um perigo que corria envolvendo adagas na escuridão, aviso que ele desconsiderou.

Um evento associado com a morte de César inspirou ainda um fenômeno nos céus de Westeros e Essos: o cometa visto pela primeira vez em A Guerra dos Tronos e frequentemente mencionado durante A Fúria dos Reis. No mundo real, o “Cometa de César” foi o mais famoso cometa da antiguidade, e possivelmente o mais brilhante na história registrada. As diversas interpretações para a aparição do cometa feitas pelos personagens de Essos e Westeros remetem à histórica atribuição de significados a esses fenômenos pelos antigos.

O Cometa de César esteve visível por sete dias, e foi interpretado pelos romanos como um sinal de que o recém-falecido ditador havia ascendido aos céus como um deus. Em Júlio César, de Shakespeare, Calpúrnia diz que “Quando mendigos morrem, nenhum cometa é visto; mas os próprios céus cospem fogo quando morrem os príncipes”. Martin declarou expressamente que seu cometa foi inspirado nessa passagem da peça de Shakespeare (além de cometas que estavam no céu enquanto ele escrevia).

Crasso, Daenerys e Viserys: ordens violentas, mortes violentas

Outra figura com casos notáveis quando se fala em eventos biográficos paralelos é um colega de César: Marco Licínio Crasso, general e político que teve papel importante na transição de Roma da República para o Império, ao fazer parte do primeiro Triunvirato. Um dos homens mais ricos de toda a história, sua vida teve pelo menos dois episódios que encontram aparentes referências em As Crônicas de Gelo e Fogo.

Crasso ganhou proeminência ao vencer as forças revoltosas de escravos sob o comando do gladiador Espártaco. Na Batalha do Rio Sele, as legiões comandadas por Crasso conseguiram uma vitória decisiva, e capturaram seis mil escravos vivos. Eles foram posteriormente crucificados ao longo da Via Ápia, uma das mais importantes estradas romanas, por ordens do general (cena retratada no filme Spartacus, de 1960, que Martin já declarou apreciar). Um episódio vagamente similar ocorre em A Tormenta de Espadas, quando os Grandes Mestres de Meereen ordenam que 163 crianças escravas sejam pregadas em postes ao longo da estrada entre Yunkai e sua cidade, como “recepção” para Daenerys Targaryen. Como vingança, ela também prega 163 dos Mestres após tomar Meereen.

Mais tarde, Crasso formou o primeiro Triunvirato com Pompeu Magno e Júlio César. Na divisão dos territórios feita por eles, ficou com a província da Síria, que prometia ser uma grande fonte de riquezas. Crasso, no entanto, tinha ambições de novas glórias militares para rivalizar com seus colegas, e resolveu invadir a Pártia, também uma terra rica. No ano 53 a.C., Crasso foi derrotado em uma batalha apesar de sua superioridade numérica (o que gerou a expressão “erro crasso”), e acabou morrendo durante uma tentativa malfadada de seus homens de negociarem com o inimigo. Passou-se a contar, posteriormente, que os partas teriam executado Crasso derramando ouro derretido em sua boca, representando sua insaciável sede por riquezas.

Detalhe de A Morte de Marco Licínio Crasso, de Lancelot Blondeel. Óleo sobre tela, ca. 1650. Groeningemuseum, Bruges. Fonte: Wikimedia Commons. Domínio público.

Curiosamente, histórias similares são contadas sobre dois outros romanos, um anterior e um posterior a Crasso. O primeiro deles foi Mânio Aquílio, um político e general que, como Crasso, se destacou na supressão a uma revolta de escravos. Mais tarde, foi mandado à Ásia Menor como embaixador, mas se envolveu em disputas entre monarcas da região e acabou capturado por Mitrídates, rei do Ponto, em 88 a.C.. Após ser submetido a várias penitências, foi finalmente executado com ouro derramado garganta abaixo.

O terceiro caso dessa natureza envolve o imperador Valeriano, no século III d.C.. O imperador Shapur, do Império Sassânida (sucessor do Império Parta) teria capturado e humilhado Valeriano, forçando o romano a ingerir ouro derretido para matá-lo. Praticamente desnecessário dizer, mas a possível referência a esses relatos encontrada em Gelo e Fogo é a morte de Viserys Targaryen. O “Rei Pedinte”, após ser humilhado pelos dothraki, teve ouro derretido derramado sobre sua cabeça pelo Khal Drogo.

Mance Rayder, Armínio e Tacfarinas: rebeldes treinados

O Desastre de Varo, de Otto Albert Koch. Óleo sobre tela, 1909. Lippisches Landesmuseum, Detmold. Fonte: Wikimedia Commons. Domínio público.

Armínio (ou Hermann, seu nome alemão, utilizado em Eu, Cláudio) é mais um famoso general relacionado com Roma cuja biografia parece encontrar uma contraparte nas Crônicas de Gelo e Fogo. Seu pai, chefe da tribo germânica dos queruscos, aceitou uma oferta de Tibério para que o filho fosse criado e instruído em Roma, em troca de uma aliança militar. Armínio recebeu educação militar, cidadania romana e o status de equestre, antes de retornar à Germânia. Ali, iniciou uma campanha na qual uniu várias tribos germânicas para lutar contra os romanos (fingindo para estes ainda ser seu aliado). Finalmente, Armínio comandou os germânicos na famosa Batalha da Floresta de Teutoburgo. O confronto, em que três legiões romanas foram aniquiladas, ficou conhecido como o Desastre de Varo (o nome do comandante romano), e é tido por historiadores como a maior derrota de Roma.

Martin tem em sua obra um personagem que, tendo crescido em uma cultura organizada, retorna a seu povo original e o une para atacar quem o criou e treinou. Trata-se de Mance Rayder, filho de uma selvagem e um membro da Patrulha da Noite. A princípio criado com o povo de sua mãe, é “recolhido” pelos homens da Patrulha e cresce entre eles, sendo nomeado Patrulheiro (e considerado por Qhorin Meia-Mão como o melhor deles). Cansado, porém, da vida regrada dos irmãos negros, Mance retorna ao povo livre, declara-se Rei-para-lá-da-Muralha e empreende uma campanha para reunir os diversos clãs, tribos e grupos de selvagens. Procurando fugir dos Outros, entra em conflito com a Patrulha no processo.

Mance Rayder não foi tão bem sucedido quanto Armínio, com suas enormes forças sendo derrotadas na Batalha de Castelo Negro. Nesse sentido, ele lembra outra figura histórica que se insurgiu contra Roma: Tacfarinas, um númida que desertou do exército romano e juntou várias tribos berberes no Norte da África. Em Eu, Cláudio, o personagem titular conta que presenciou a batalha entre as forças de Tacfarinas e do governador romano Marco Fúrio Camilo. Cláudio diz que nunca teve tanto orgulho de ser romano quanto naquele dia, quando o exército romano, em desvantagem numérica de cinco para um, derrotou o inimigo com sua organização e disciplina. De forma similar, a derrota de Mance na Batalha de Castelo Negro, mesmo com enorme superioridade numérica, se deveu em grande parte à desorganização dos selvagens e à disciplina das forças de Stannis Baratheon e dos Patrulheiros. Mance, portanto, parece ser mais um amálgama de várias figuras e eventos históricos, é claro que também com toques originais de Martin.

Herodes e Aegon IV: monarcas indignos, mortes horrendas

Ainda na linha de personagens não-romanos presentes nos romances de Graves, em Cláudio, o Deus, o autor detalha longamente a personalidade e o passado de um antigo amigo de Cláudio, o já mencionado rei judeu Herodes Agripa (representado na TV por James Faulkner, ator de Randyll Tarly em Game of Thrones). Cláudio discorre sobre as origens da família de seu amigo, o último Rei da Judeia, que era neto de Herodes, o Grande. A descrição da vida e da morte deste Herodes, feita por Graves, encontra elementos paralelos no rei Aegon IV de Martin:

Para encurtar uma longa história, esse Herodes, o Grande, cujo pai nesse meio tempo morrera por envenenamento, foi feito Rei dos Judeus pela ordem conjunta de meu avô Antônio e meu tio-avô Augusto (ou Otaviano, como era então chamado) e governou por trinta anos, com severidade e glória, sobre domínios que foram constantemente aumentados por liberalidade de Augusto. Ele casou-se com não menos que dez esposas sucessivamente, entre elas duas de suas próprias sobrinhas, e finalmente morreu, depois de diversas tentativas infrutíferas de suicídio, de talvez a mais dolorosa e repugnante doença conhecida pela ciência médica. Nunca ouvi dizer que ela possua qualquer nome que não Mal de Herodes ou que qualquer outra pessoa tenha sofrido dela antes dele, mas os sintomas eram um apetite voraz seguido de vômito, um estômago putrescente, um hálito de cadáver, vermes procriando no membro privado e um fluxo líquido constante dos intestinos. A doença causou-lhe angústia intolerável e inflamou à loucura uma natureza já selvagem. Os judeus disseram que era a punição de seu Deus pelos dois casamentos incestuosos de Herodes.
(GRAVES, Robert. Claudius the God and his wife Messalina. Nova York: Vintage. 1989. Tradução minha.)

O reinado desse monarca indigno chegou ao fim em 184 d.C., quando o rei Aegon tinha quarenta e nove anos de idade. Estava demasiado gordo, mal era capaz de andar, e alguns se perguntavam como sua última amante ‒ Serenei de Lys, mãe de Shiera Seastar ‒ podia suportar seus abraços. O rei teve uma morte horrível, o corpo tão inchado e obeso que não podia mais levantar da cama, os membros apodrecidos e cheios de vermes. Os meistres afirmaram nunca terem visto algo assim, enquanto os septões declararam que era um julgamento dos deuses. Aegon recebeu leite de papoula para aplacar a dor, mas fora isso pouco podia ser feito por ele.
(MARTIN, George R. R.; GARCÍA JR.; Elio; ANTONSSON, Linda. O Mundo de Gelo e Fogo. São Paulo: Leya. 2014. Tradução de Márcia Blasques.)

Aegon IV tem, certamente, inspiração no rei inglês Henrique VIII, tanto em relação às várias esposas quanto à obesidade mórbida no fim da vida. Ainda assim é notável a correspondência de Aegon com Herodes, tanto nas diversas amantes quanto na doença fatal, única e desconhecida pelos médicos, e interpretada pelos religiosos como punição divina pelos abusos cometidos em vida.

Marco Sérgio e Jacelyn Bywater: os mãos de ferro

Nas discussões sobre uma versão inicial deste texto no reddit, o usuário Lardt lembrou do caso de Marco Sérgio, general durante a Segunda Guerra Púnica. Sobre ele, Plínio relatou o seguinte (ao discorrer sobre “ocasiões de coragem extrema”):

Nenhuma pessoa que já viveu, pelo menos em minha opinião, jamais superou M. Sergius, apesar de seu bisneto, Catilina, ter manchado a honra de seu nome. Em sua segunda campanha ele perdeu sua mão direita; e em duas campanhas ele foi ferido vinte e três vezes; tanto é que ele mal conseguia usar qualquer de suas mãos ou pés; ainda assim, assistido por um único escravo, ele posteriormente serviu em diversas campanhas, mesmo sendo um soldado inválido. […] Em quatro ocasiões ele lutou apenas com sua mão esquerda, com dois cavalos sendo mortos sob si. Ele mandou fazer uma mão direita de ferro, que atou ao cepo, e depois participou de uma batalha, e levantou o cerco de Cremona, defendeu Placência, e tomou doze acampamentos inimigos na Gália.
(PLÍNIO. Naturalis Historia. 79. Disponível em https://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3atext%3a1999.02.0137. Grifos e tradução [do inglês] meus.)

O personagem de Martin que lembra o valoroso Marco Sérgio é Jacelyn “Mão de Ferro” Bywater, membro da Patrulha da Cidade de Porto Real e posteriormente seu Comandante. Considerado corajoso e honrado, Bywater foi nomeado cavaleiro pelo Rei Robert após se destacar no cerco de Pyke, onde perdeu sua mão direita. Ele passa a usar uma mão de ferro atada a seu pulso, o que se torna também seu apelido. Além de Bywater, Jaime Lannister também perde sua mão direita, decepada pelo mercenário Zollo. Ele manda fazer uma prótese, feita de ouro maciço, e o armeiro lhe diz que ele será conhecido como “Mão de Ouro”.

Expressões e figuras de linguagem

Semelhanças entre as obras são encontradas também em expressões e falas de personagens (como algumas já citadas nas seções anteriores). Um caso de figura de linguagem que chama a atenção é a “árvore claudiana”, mencionada por Cláudio nos romances e na série de TV:

Lívia era da família Claudiana, uma das mais antigas de Roma, assim como meu avô. Há uma balada popular, às vezes ainda cantada por pessoas antigas, cujo refrão é que a árvore Claudiana dá dois tipos de frutos: a maçã doce e a amarga, mas que as maçãs amargas são em maior número que as doces.
(GRAVES, Robert. I, Claudius. Nova York: Vintage. 1989. Tradução minha.)

A família claudiana é, de Tibério a Nero, a primeira dinastia dominante do Império Romano. Curiosamente, a primeira dinastia dominante em Westeros, a Casa Targaryen, tem um famoso ditado com uma metáfora parecida:

— Não sou um meistre para lhe citar história, Vossa Graça. Minha vida foram as espadas, não os livros. Mas qualquer criança sabe que os Targaryen sempre dançaram demasiado perto da loucura. Seu pai não foi o primeiro. O Rei Jaehaerys disse-me um dia que a loucura e a grandeza eram dois lados da mesma moeda. “Sempre que um novo Targaryen nasce”, disse ele, “os deuses atiram uma moeda ao ar e o mundo segura a respiração para ver de que lado cairá”.
(MARTIN, George R. R. A Tormenta de Espadas. São Paulo: Leya, 2011. Tradução de Jorge Candeias.)

As reações sentimentais de alguns personagens às mortes de Germânico e Renly Baratheon também se destacam como passagens textualmente semelhantes. Após a morte de seu irmão, muito querido pelo povo, Cláudio relata: “Ouvi um homem na rua dizer que era como se o sol se tivesse posto para não voltar a nascer”. A citação similar na obra de Martin tem lugar em A Tormenta de Espadas, dita por Loras Tyrell sobre seu amante: “Depois de o sol se pôr, não há vela que possa substituí-lo”.

Martin pode também ter escondido uma referência em um jogo de palavras envolvendo Locusta, uma notória envenenadora na Roma antiga. Ela formava, com Martina e Canídia, o mais famoso trio dessas profissionais, e, segundo os historiadores antigos, foi a responsável direta pela morte — entre outros — do próprio Cláudio (a mando de Agripina).

Locusta testando na presença de Nero o veneno para matar Britânico, de Joseph-Noël Sylvestre. Xilogravura. Fonte: Wikimedia Commons. Foto: Charles Louis Michelez. Domínio público.

A coincidência aqui é seu nome: a palavra locusta, no latim vulgar, era utilizada para designar tanto a lagosta quanto o gafanhoto, tendo originado a palavra portuguesa para o primeiro animal e a inglesa para o segundo (locust). Em A Dança dos Dragões, ocorre um infame episódio em que gafanhotos envenenados (“poisoned locusts”, no original) são aparentemente destinados a Daenerys Targaryen. Diante da notoriedade da envenenadora histórica e do interesse de Martin pela história romana, é difícil não identificar aí uma relação.

Ainda nesse tema, importante mencionar a descoberta de Tyrion de cogumelos venenosos na casa Illyrio em Pentos, que ele colhe e guarda em sua bota. Ele desconfia quando os cozinheiros do Magíster preparam cogumelos, e várias vezes durante A Dança dos Dragões pensa em utilizar os seus, seja para matar outros personagens ou a si mesmo. No fim, acaba servindo-os em uma sopa ao infame Babá. Coincidentemente ou não, acredita-se que para matar Cláudio, Locusta tenha administrado o veneno em cogumelos que foram servidos em seu jantar.

Os historiadores do mundo real e a “História imaginária” de Martin

A menção a cogumelos nos leva a mais uma semelhança entre o universo de Martin, a história romana e os romances fictícios de Graves. Em muitos casos paralelos nas obras, Martin não bebeu apenas na fonte de Graves, mas direta ou indiretamente na dos próprios historiadores romanos antigos que serviram como base para Eu, Cláudio.

Em A Princesa e a Rainha, O Príncipe de Westeros, O Mundo de Gelo e Fogo e The Sons of the Dragon, o leitor entra em contato com o conceito de “história imaginária” de Martin. Os contos e o livro não são narrativas no formato habitual, mas escritos como se fossem registros históricos dentro do próprio universo fictício. São relatos compilados por fontes secundárias de dentro daquele mundo: Arquimeistre Gyldayn e Meistre Yandel. Nesse sentido, Yandel e Gyldayn foram inspirados nos historiadores antigos do mundo real, como Suetônio, Plutarco, Plínio (o Velho) e Dião Cássio, que viveram e publicaram suas obras nos séculos I e II d.C., e relatavam fatos ocorridos dezenas e centenas de anos antes.

Partes dos relatos dos meistres que “escreveram” o Mundo, o Príncipe, e a A Princesa e a Rainha vêm de outra fonte interna. Trata-se de Cogumelo, um bobo anão que conviveu nas cortes de vários reis Targaryen, e fez diversos relatos polêmicos sobre personagens importantes na política de Westeros. Isso não significa, é claro, que tudo o que ele relata é necessariamente verdade, mas o caso é que os registros de Cogumelo são utilizados como fonte primária para os meistres historiadores posteriores.

Terceiro volume de uma edição inglesa de 1727 de Vidas Paralelas, de Plutarco. Coleção particular de S. Whitehead. Fonte: Wikimedia Commons. Foto de domínio público.

Robert Graves usou bastante das obras desses autores históricos para compor sua autobiografia fictícia de Cláudio, principalmente Vidas dos Doze Césares, de Suetônio (que ele havia traduzido para o inglês). Uma referência direta de Martin a essa obra está em um raro livro com o qual Tyrion Lannister presenteia seu sobrinho Joffrey (que o destrói), e que é mencionado por Meistre Yandel: Vidas de Quatro Reis, de Grande Meistre Kaeth.

Outra obra do mundo real que tem um correspondente em termos em Westeros são os Commentarii de Bello Gallico (“Comentários sobre a Guerra na Gália”), de Júlio César, em que o general e político relata sua conquista daquela região. O rei Daeron I, o “Jovem Dragão”, escreveu Conquista de Dorne, um livro no qual reconta o evento do título. Dentro do universo de Gelo e Fogo, o livro de Daeron é elogiado por sua simplicidade, fato comum com a obra de César, frequentemente utilizada em cursos de latim pela mesma razão.

Retornando especificamente às obras dos historiadores clássicos e de suas contrapartes westerosi, Martin falou sobre o assunto quando do lançamento do Mundo de Gelo e Fogo:

Então, a não ser que você queira ser tão ignorante quanto Cersei, pode valer a pena mergulhar fundo, desde que você tenha em mente que O Mundo não deve necessariamente ser tomado como verdade absoluta. O livro é escrito pelo ponto de vista de um meistre da Cidadela, que espera transmitir seu conhecimento para alguém que está sentado no Trono de Ferro. Assim, o autor pode ter… rearranjado eventos para atender aos interesses de uma família real em particular. “Então, quem sabe se é realmente verdade ou não!”, riu Martin. Além disso, o conhecimento do meistre vem de outros pergaminhos, que, por sua vez, podem não ser confiáveis. A não-confiabilidade narrativa faz lembrar do primeiro autor conta-tudo de Westeros, o bufão da corte Cogumelo, que afirma ter conhecimento íntimo de vários segredos de quarto dos Targaryen. “E ele pode estar inventando muito dessa merda,” disse Martin. “A possibilidade existe, porque ele é um cara velho contando casos, e os embelezando, tornando-os mais sexuais, sugestivos, e violentos.” Martin compara Cogumelo a Suetônio, “o grande fofoqueiro da Roma antiga,” cujas histórias contribuíram para que Eu, Cláudio tomasse forma. “É cheio de coisas como [a terceira esposa de Cláudio] Messalina ter feito uma disputa de foda com uma prostituta, e não há fonte para isso! A não ser que você acredite em Suetônio,” disse Martin. “As pessoas sabem das coisas, mas as coisas que elas ‘sabem’ podem não estar certas.”
(VINEYARD, Jennifer. George R.R. Martin on What Not to Believe in Game of Thrones. Vulture. Novembro de 2014. Tradução minha.)

Retrato fictício de Suetônio na Crônica de Nurembergue (1493). Fonte: Wikimedia Commons. Domínio público.

Apesar de Martin ter se confundido, sendo a menção à disputa entre Messalina e a prostituta feita por Plínio (e curiosamente não por Suetônio, que era muito mais tendente a histórias polêmicas como essa), o autor deixa claras suas intenções de emular a produção histórica do mundo real. Os historiadores clássicos incluíram em suas obras versões de credibilidade questionável para acontecimentos que eles não haviam presenciado em primeira mão, sobre os quais escreviam centenas de anos depois.

Essas versões duvidosas para os eventos eram derivadas de rumores e relatos que corriam na corte, como os de Cogumelo no mundo de Martin, utilizados pelos meistres posteriormente. Tanto as obras dos historiadores reais quanto as de Yandel e Gyldayn estavam, portanto, suscetíveis a influências do contexto histórico em que foram escritas. Assim, tendiam a vilanizar ou heroicizar certos personagens, à medida que isso fosse conveniente para as pessoas no poder naquele momento.

Além de ter escrito “história falsa”, Martin já demonstrou intenção de emular a própria estrutura de I, Claudius, escrevendo um livro do ponto de vista de um personagem que ficou para a história (de seu universo) com uma imagem bastante negativa. Os historiadores antigos ridicularizavam Cláudio por suas condições físicas e criticavam os excessos e as execuções durante seu período como imperador, e essa visão enviesada do personagem histórico foi tida como a “oficial” por vários séculos. Robert Graves foi na contramão da tradição ao humanizar Cláudio em seus romances, e Martin aparentemente tem (ou já teve) intenção de empreender algo parecido em seu mundo fictício.

Conversando com fãs sobre anti-heróis em 2004, o autor declarou que tinha interesse em produzir uma obra sobre o já mencionado Aegon IV, tido como um dos piores reis Targaryen (a ponto de receber o epíteto “o Indigno”). Martin foi inquirido a esse respeito por Elio García no ano seguinte, que relatou o seguinte:

Perguntei se George realmente tinha uma ideia para um romance de Aegon VI, o Indigno, como mencionado neste relato.
Sim. Ele é uma pessoa muito interessante. A ideia seria fazer como um romance em primeira pessoa, uma espécie de Eu, Cláudio misturado com Flashman. Aegon tinha algo como nove amantes, ele tinha uma relação difícil com sua rainha e seu irmão, e por aí vai. Ele foi o pior rei que Westeros já teve. É só uma ideia, porém — nenhuma decisão definitiva, e ele não sabia como uma história em primeira pessoa com esse tipo de personagem seria recebida pelos leitores.
(GARCÍA JR., Elio. Interaction Glasgow, Scotland, UK. Westeros.org. 4 de agosto de 2005. Tradução minha, grifos no original.)

Trata-se, é claro, de um relato datado de um bom tempo atrás. Assim, a ideia pode ter sido “arquivada” ou posta em suspensão por tempo indeterminado ou até definitivamente, principalmente diante dos outros projetos que o autor desenvolveu dentro do universo de Gelo e Fogo.

Considerações finais

Após essa viagem pelas histórias de Roma e de Westeros, muitas das inspirações de George R. R. Martin para sua magnum opus ficam bastante claras. Certamente as vidas nem sempre são tão paralelas, e em diversas situações as referências históricas são superficiais ou subvertidas. Além disso, muitos casos coincidentes podem recair em tropes, figuras e recursos genéricos da literatura. Martin assim falou sobre como usa elementos do mundo real em sua obra:

Sim, digo, pode-se fazer conversões diretas do mundo real para a fantasia, mas se você vai fazer isso, deveria escrever ficção histórica de uma vez. Por que escrever sobre um personagem que é exatamente como Henrique VIII? Se você quer fazer isso, então escreva logo sobre Henrique VIII.
Faz mais sentido pegar certos elementos interessantes de Henrique VIII e certos elementos interessantes de Eduardo IV, e talvez algo daqui e algo dali, e juntá-los e usar sua imaginação para criar seu próprio personagem – alguém que é unicamente ele mesmo e não exatamente como alguém da História. O mesmo se aplica a batalhas e coisas assim.
A História está cheia de histórias maravilhosas e coisas sobre as quais se lê em livros. Minha esposa está sempre procurando por livros de História e dizendo “você não pode inventar isso”. Então ler muita História é uma grande mina de ouro para qualquer fantasista.
(ROBERTS, Josh. ‘Game of Thrones’ Exclusive! George R.R. Martin Talks Season Two, ‘The Winds of Winter,’ and Real-World Influences for ‘A Song of Ice and Fire’. Smarter Travel. 1º de abril de 2012. Tradução minha.)

Busto de Robert Graves em frente a sua casa em Maiorca. Foto: Patrick Groen (CC-BY-SA).

Ainda assim, é inegável a influência de eventos da Roma Antiga e de Eu, Cláudio em As Crônicas de Gelo e Fogo. O próprio Martin nunca negou isso, quando questionado diretamente. Pelo contrário, faz questão de reiterar sua admiração pela série da BBC, à qual frequentemente se refere como uma das melhores de todos os tempos. Já se mostrou também reticente quanto a uma possível nova adaptação pela HBO, e negou rumores de que estaria envolvido no projeto:

Até certo ponto [fui influenciado por Eu, Cláudio]. Li Eu, Cláudio e Cláudio, o Deus há muitos e muitos anos. E, é claro, adorei a série de TV. Acho que a série de TV é uma das melhores séries já feitas. Há rumores de que a HBO possa refazê-la. É uma ideia perigosa.
[…]
E se eles realmente refizerem I, Claudius, essa vai ser bem difícil de abordar, porém, porque a original era simplesmente muito boa. Como você iguala um elenco com Derek Jacobi e John Hurt e Brian Blessed e Xiân [sic] Phillips? Uau, que elenco.
A HBO poderia ir além, obviamente, por que I, Claudius foi uma produção da BBC. Foi feita com uns trocados. Os sets eram lona pintada. Você podia ver colunas de mármore se mexendo quando alguém passa por elas rápido demais. Eram só pintadas. Ninguém se importava. Foi uma espécie de referência. Efeitos especiais são legais, mas escrita, atuação e narrativa é que fazem uma história ótima. E os diálogos e os personagens, e é uma série brilhante, brilhante.
(ANDERS, Charlie Jane. George R.R. Martin: The Complete Unedited Interview. Observation Deck. 23 de julho de 2013. Tradução minha.)

Cite a melhor série de televisão de todos os tempos, e explique por que é a melhor.
Essa é uma pergunta difícil. Gostei de muita TV ao longo dos anos, e claro que devo excluir os programas em que eu mesmo trabalhei (por exemplo, Twilight Zone, Beauty and the Beast). Fiquei muito impressionado com Roma da HBO; achei atraente, brilhante tanto na escrita quanto na atuação. Sou interessado pela Roma antiga, então outra concorrente seria I, Claudius, produzida pela BBC, que foi ao ar na TV pública há três décadas (1977). Foi produzida em estúdios de som, então não tem nem perto do valor de produção da HBO, mas novamente, tanto a escrita quanto a atuação foram superlativas, então ainda tem valor hoje.
(Powell’s Ink Q&A — George R. R. Martin. Powell’s Books. 2007. Tradução minha.)

I, CLAVDIVS? Heh, improvável. E que missão suicida. Digo, vou assistir, mas como você iguala uma das maiores séries de TV já feitas? Isso é o equivalente televisivo de se refazer E o Vento Levou e Cidadão Kane. Não, obrigado.
(MARTIN, George R.R. Re: You’re reportedly new HBO contract. Not A Blog. 10 de fevereiro de 2013. Tradução minha.)

Se não é uma obra de popularidade extrema, um blockbuster literário como As Crônicas de Gelo e Fogo, o livro Eu, Cláudio certamente tem seu lugar entre os grandes romances em língua inglesa do século XX. A obra figura nas listas dos 100 melhores romances em inglês do século da revista Time e da editora Modern Library, e os dois volumes foram objeto de várias adaptações desde a época de seu lançamento.

A primeira tentativa de adaptação ocorreu em 1937, como um filme para o cinema que acabou não sendo finalizado. A mais famosa, entretanto, é a minissérie produzida pela BBC como I, Claudius, em 1976, que adaptou os dois livros. A emissora britânica também adaptou os livros para o rádio, em 2010. Em 2011, a BBC2 e a HBO adquiriram os direitos para uma nova série de TV.

A minissérie de 1976 tem em seu elenco atores reconhecidos como Derek Jacobi no papel titular, John Hurt como Calígula, Patrick Stewart como Sejano, além de Brian Blessed como Augusto e a premiada Siân Phillips como Lívia. Seria, porém, considerada uma prima pobre para os padrões da atual era dourada das séries de TV. Nada de produção grandiosa e multimilionária como em outras séries épicas como Roma ou Game of Thrones: os cenários de I, Claudius eram bastante simples, e o orçamento total de seus 13 episódios foi de aproximadamente apenas quatro milhões de libras esterlinas (se ajustado pela inflação).

Derek Jacobi (Cláudio), John Hurt (Calígula) e George Baker (Tibério), em cena de I, Claudius. Foto: BBC (divulgação).

Ainda assim, a série foi sucesso de público e crítica, atingindo média de 2,5 milhões de espectadores por episódio quando originalmente exibida no Reino Unido. Venceu e foi indicada a prêmios BAFTA e Emmy, e foi incluída pelo British Film Institute e pela Time (a exemplo do livro) em suas listas das 100 melhores séries televisivas de todos os tempos. A revista assim descreveu a série:

Esta minissérie sordidamente intelectual de 1976 sobre o quarto imperador de Roma, gaguejante mas habilidoso, estabeleceu o que se tornaria o modus operandi da HBO, e não apenas porque passeia pelos mesmos terrenos de Roma ou porque por acaso envolve uma certa mãe ardilosa chamada Livia. [A série] provou que o sublime e o sórdido não eram mutuamente excludentes, ao oferecer uma versão politicamente perspicaz da história que também nos mostrava o que acontecia quando as togas caíam.
(PONIEOWZIK, James. All-Time 100 TV Shows: I, Claudius. Time.com. 6 de setembro de 2007. Tradução minha.)

Para os aficionados pelo universo das Crônicas de Gelo e Fogo, os livros de Graves e sua adaptação para a televisão são obras muito atrativas, não apenas pela referências nos livros de Martin, mas por sua temática e sua estrutura. Os romances, além da intriga política, abordam as relações humanas com o poder, e a dinâmica homem-mulher nesse contexto. Pelo fato de ser uma autobiografia (ainda que fictícia), o leitor tem sempre de levar em conta os vieses de Cláudio em suas opiniões, o que é um ponto interessante. Profecias, destino e religião também são elementos abordados ao longo da trama.

Siân Phillips como Lívia, em I, Claudius. A atriz recebeu um prêmio BAFTA por sua atuação na série. Foto: BBC (divulgação).

Quanto à adaptação da BBC, acredito que as diversas declarações de Martin sejam suficientes para que o leitor tenha uma ideia de seu valor.  O “universo” Claudius pode servir, assim, como porta de entrada para a Roma Antiga, período histórico tão rico e diverso não apenas no aspecto político, mas que também inclui muitos episódios curiosos e peculiares.

Ressalto, por fim, que não é minha intenção, neste artigo, fazer uma lista exaustiva das semelhanças. É bastante provável que As Crônicas de Gelo e Fogo contenham outros paralelos a Roma que não são mencionados aqui, seja nos livros já publicados ou nos que ainda virão. Esperemos, então, que o gato Augusto ajude Martin a terminar sua série (Calígula faleceu em janeiro de 2018, aos 24 anos). Enquanto isso, para os aficionados pela trama política de As Crônicas de Gelo e Fogo, os romances de Cláudio e sua adaptação para a TV são, sem dúvida, uma boa recomendação.