Há algumas semanas, publicamos a nossa primeira matéria de cobertura da Worldcon 77, que aconteceu em Dublin entre 15 e 19 de agosto. Mas o Gelo & Fogo esteve presente durante todo o evento, e traz agora mais novidades sobre relacionadas a George R.R. Martin.

Na sexta feira, dia 16, apresentei o artigo The Old Race From Old Earth: The racial aspect in George R.R. Martin’s Thousand Worlds, na área acadêmica do evento. Com a presença de diversos pesquisadores especialistas em literatura de ficção científica e fantasia, discuti algumas das principais histórias dos Mil Mundos de Martin, e como elas lidam com alteridade, etnias e colonialismo.

George R.R. Martin e Parris McBride sendo entrevistados por Ti Mikkel

Logo depois, George R.R. Martin e sua esposa, Parris McBride, foram entrevistados por Ti Mikkel, uma das assistentes de George. O casal contou histórias sobre como se conheceram e seus muitos anos indo à Worldcon e outras convenções, a vida no fandom e seus gostos literários.

Um dos momentos marcantes foi quando George respondeu que, nos anos 70, praticamente todos os grandes nomes da era de ouro da ficção científica estavam vivos, então foi em uma Worldcon que ele pôde conhecer Isaac Asimov, Jack Vance, Peter Hamilton e C. L. Moore. O autor também contou que o primeiro painel que participou de um painel, quase dez anos depois de sua primeira ida à uma convenção, o tema era genericamente “jovens autores”.

A entrevista foi finalizada com o questionamento sobre como George e Parris continuam mantendo uma relação de companheirisimo tão forte durante tantos anos. Depois de alguns segundos de silêncio, a resposta veio de Parris: eles nunca misturaram suas bibliotecas, mesmo que 30% dos livros que ambos têm devam ser os mesmos. Ela terminou brincando: “Sempre que pensamos em fazer isso, vem a pergunta: quem vai doar os (livros de) Roger Zalezny? Os meus são autografados”.

Arthur Maia entrega para George R.R. Martin os desenhos de Jairo Victor.

No sábado, durante a sessão de autógrafos de George, tive a oportunidade entregar em mãos para o autor, a série de desenhos do artista brasileiro, Jairo Victor, intitulada Stormborn: the Tragedy of Daenerys Targaryen. Martin elogiou a arte de Jairo e presenteou o Gelo & Fogo com uma moeda artesanal com uma ilustração de Aegon I. Na mesma sessão, o artista alemão Micheal Klarfeld também teve seus mapas de Westeros e Essos autografados.

Já no domingo, dia 18, George não teve nenhuma aparição pública na convenção, mas dois painéis eram extremamente relacionados com seu trabalho. Primeiro, Raya Golden, artista e integrante da Fevre River Co., o time de assistentes de Martin, discutiu com figuras como Holly Black (As Crônicas de Spiderwick) e Victoria Schwab (Um Tom Mais Escuro de Magia), sobre como criar graphic novels a partir de obras pensadas para outras mídias.

Raya contou sobre o processo da graphic novel Starport, adaptada do que George escreveu para uma série de TV que nunca foi produzida. Você pode relembrar a entrevista que fizemos com Raya logo que esse material foi lançado.

Painel “Winter Came”, com Laura Antoniou, Marina Berlin, Adam Whitehead, Charlie Jane Anders e Linda Antonsson.

Mais tarde, moderados por Laura Antoniou, a crítica Marina Berlin, o fundador do blog Wertzone, Adam Whitehead, Charlie Jane Anders, do podcast Our Opinions are Correct, e Linda Antonsson, coautora de O Mundo de Gelo e Fogo e cofundadora do Westeros.org, discutiram Game of Thrones e sua dimensão como fenômeno cultural no painel “Winter Came”. Apesar de reconhecerem o profundo impacto da série de TV para fortalecer a fantasia no mainstream, os comentários foram bastante críticos, especialmente das temporadas finais.

Encontro dos portais Gelo & Fogo, La Garde de Nuit, Los Siete Reinos e Martin International Studies Association

Ainda no domingo, após o evento, o Gelo & Fogo se reuniu com outros membros da comunidade internacional: Matteo Barbagallo, presidente da Martin International Studies Network, associação acadêmica dedicada à obra de Martin, Javi Marcos, fundador do site espanhol Los Siete Reinos e Geoff Lan e Auré Lie, do portal francês La Garde de Nuit. Pouco antes, conhecemos Aziz e Ashaya, do podcast History of Westeros. Foi com muita satisfação que reunimos tantas pessoas dedicadas a As Crônicas de Gelo e Fogo e pudemos compartilhar diferentes experiências em relação aos nossos trabalhos.

Na segunda feira, último dia da convenção, moderados por Colm Lundberg, George e Parris juntaram-se ao autor de Wild Cards, Peadar O’Guillin, e o artista que criou os storyboards de Game of Thrones, William Simpson, para falar de sua relação com a Irlanda, casa da Worldcon deste ano.

Enquanto Peadar e Simpson são moradores da ilha, George e Parris traçam parte de sua linhagem até o local. Um parente de Parris, por exemplo, foi um dos articuladores do Acordo da Sexta Feira Santa, um dos principais momentos de pacificação entre a Irlanda, a Inglaterra e a Irlanda do Norte, assinado em 1998.

Quando perguntado sobre a influência da Irlanda para As Crônicas de Gelo e Fogo, Martin respondeu bem humorado que quando foi começar a fazer o mapa de Westeros, pegou um mapa da Irlanda e inverteu, achando que enganaria todo mundo. Para além disso, há pouco de história irlandesa, em oposição à escocesa, que, nas suas palavras, foi particularmente sangrenta. George comenta que gostaria de ter encontrado um livro grande e detalhado das linhagens irlandesas para que pudesse incorporar mais de seus elementos em sua obra.

A maior relação entre a Irlanda e Martin é, no entanto, a locação dos sets de Game of Thrones, e agora também, do piloto da série derivadaque se localiza, principalmente, em Belfast, na Irlanda do Norte. William Simpson conta que há uma política da série nova de não contratar envolvidos na série original, mas que ele foi procurado para um trabalho bem curto e teve oportunidade de ler o roteiro do episódio piloto, com o qual se mostrou bastante animado.

Parris contou sobre a primeira vez que ela e George foram ao set em Belfast, recebidos por Bryan Cogman. Segundo ela, George foi agradecido por rapaz que trabalhava na confecção de couro para a série, por ter lhe garantido um emprego. Outra curiosidade, contada em tom de brincadeira, é que Parris tentava tirar inúmeras fotos dos itens da série, como do capacete de Sandor Clegane, mas Bryan a proibia constantemente.

Quanto a Wild Cards, Peadar e George falaram sobre a personagem do primeiro, que fez sua estréia em Knaves Over Queens, lançado no ano passado. Inspirada nas constantes lutas irlandesas contra a opressão inglesa através dos séculos, seu poder é rejuvenescer cada vez que presencia um sacrifício heroico, e por isso, acredita ser a reencarnação de Morrighan, deusa irlandesa da guerra. Foi comentado que só chegaram em um poder tão inesperado e específico porque George recusou vários personagens de Peadar, porque já havia algum herói em Wild Cards com poderes muito semelhantes.

Nas perguntas da plateia, perguntei a Martin se a influência das comunidades irlandesas em Bayonne, que já havia sido mencionada como uma população muito presente em sua infância, havia inspirado algum personagem, especialmente nas suas primeiras histórias. George disse que precisaria pensar, e que não lembrava de nenhum personagem especificamente irlandês, porém que havia um esforço deliberado seu para ser mais inclusivo que os autores que cresceu lendo, como Arthur C. Clarke e Isaac Asimov, especialmente porque Martin cresceu em um ambiente suburbano, proletário e cheio de imigrantes. Nesse sentido, suas histórias iniciais incluem italianos, alemães e armenos. Afinal, comentou ele, tudo isso se passava no futuro, e no futuro dele, não teríamos as mesmas divisões nacionalistas que eram tão presentes nos anos 70 e infelizmente ainda o são hoje.

Painel Irish Connections, com William Simpson, Peadar Ó Guillin, Colm Lundberg, George R.R. Martin e Parris McBride

Em perguntas mais gerais, ao final desse mesmo painel, George respondeu que os Filhos da Floresta têm inspiração mais em outras obras de fantasia, como em Tolkien e Tad Williams do que em folclore do mundo real, embora essas coisas acabem se misturando. Disse também que caso a série Doorways, que Martin criou e tentou produzir nos anos 90, tivesse sido realmente produzida, ele poderia hoje ser um novo J.J. Abrams, mas que o mais provável é que a série fracassasse depois de 10 episódios, como Nightflyers, e Martin acabasse voltando a escrever A Guerra dos Tronos, uma vez que as histórias que ele estava criando ali exigiriam um orçamento muito alto, por lidarem com realidades alternativas.

Isso encerra nosso relato dos cinco dias da Worldcon. Vale lembrar que na mesma semana, George participou de um evento no Castle Ward, que contou com perguntas e respostas de fãs, e na semana seguinte esteve na TitanCon em Belfast, da qual foi convidado de honra. O Gelo & Fogo em breve irá noticiar momentos relevantes desses outros eventos.